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A Hotelaria e os sites de Economia Colaborativa

Por Dilson Jatahy

A Hotelaria e os sites de Economia Colaborativa
Foto: Acervo pessoal
Ocorreu em São Paulo, durante os dias 18 a 20 de maio, o 58º Congresso Nacional de Hotelaria – CONOTEL, organizado pela ABIH Nacional – Associação Brasileira da Indústria Hoteleira, reunindo, empresários e líderes do setor hoteleiro e do turismo em geral, além de ex-ministros, deputados federais e estaduais, vereadores e secretários de turismo. O evento teve pauta com muito conteúdo e extremamente diversificada, tratando de temas tão diversos quanto sustentabilidade, turismo ecológico e turismo de observação de pássaros, passando por governança empresarial, marketing de relacionamentos, conjuntura econômica e eficácia energética, alcançando marcos regulatórios como a legalização dos cassinos e a cobrança de ECAD, especialmente dentro dos apartamentos hoteleiros. Um dos temas que teve maior impacto, entretanto, foi a regulamentação dos sites de “economia compartilhada”.

As novas tecnologias, especialmente a possibilidade de se manter conectado à internet 24 horas por dia, têm permitido o surgimento de novos serviços, criando desejos até então jamais sonhados pelas pessoas. São exemplos o “Youtube”, que permite a criação de vídeos por qualquer pessoa com a sua consequente transmissão para todo o globo pela internet. Igualmente o “Instagram” e o “Snapchat”, que possibilitam o compartilhamento instantâneo de fotos e “momentos”, ambas coisas inimagináveis até pouco mais de uma década atrás.

Essa conectividade também permitiu a reformulação da economia tradicional, garantindo uma nova forma de acesso aos serviços já existentes, ou mesmo uma revolução na prestação desses serviços, com surgimento de novos concorrentes. Exemplo que tem chamado grande atenção dos meios de comunicação – tradicionais como os jornais e as televisões, ou inovadores como o “Facebook” e os blogs – é o “Uber”. Esse “aplicativo”, (se é que se pode definir assim) tem mudado o sistema de transporte urbano, oferecendo um serviço análogo àquele dos taxis. Gerou, também, fortes discussões acerca da sua legalidade e legitimidade.

O setor de turismo também não está alheio à nova realidade social. A internet impôs uma mudança de costumes desde a década de 1990, quando as empresas aéreas aproveitavam essa nova ferramenta e lançaram websites que permitem a compra de passagens aéreas diretamente em seus sites. As agências virtuais de viagens (OTAs) também surgiram nesse período, permitindo a reserva de hotéis e outros serviços diretamente pela internet. Enfim, nos últimos anos, com o desenvolvimento e o barateamento da tecnologia, mesmo os hotéis independentes hoje têm condições de realizar reservas diretamente em seus sites. Dessa forma, os consumidores podem programar suas viagens de forma independente, diretamente de seus computadores pessoais.

A grande revolução da “economia compartilhada”, no setor da hotelaria, foi a criação de novos sites que oferecem um serviço paralelo de hospedagem: as unidades residenciais particulares.

Da mesma forma como surgiram prestadores de serviço “irregular” concorrentes aos taxis, com carros privados e motoristas eventuais, há uma nova onda de hospedarias “irregulares”, crescente no mundo e que chegou recentemente no Brasil. Por meio de sites que intermediam a exposição, contratação e remuneração, as pessoas têm oferecido casas de férias, apartamentos fechados ou mesmo quartos extras em suas próprias moradias para viajantes.

Não há que se confundir essa prática com aquela da locação por temporada. Nesta os imóveis são alugados por curtos períodos, de até 90 (noventa) dias, para a prática de lazer, cursos, tratamentos de saúde ou outros eventos de curta duração. Essa prática encontra-se prevista, inclusive, na Lei de Locação de Imóveis Urbanos (arts. 48 a 50 da Lei nº 8.245/1991). O prazo é certo e o pagamento é antecipado, sendo que o locatário assume integralmente a detenção do imóvel pelo período acordado.

Nesses novos sistemas, há efetiva prestação do serviço de hospedagem, tal como descrito na Lei Geral do Turismo (Lei nº 11.771/2008):
 

Art. 23. Consideram-se meios de hospedagem osempreendimentos ou estabelecimentos, independentemente de sua forma de constituição, destinados a prestar serviços de alojamento temporário, ofertados em unidades de freqüência individual e de uso exclusivo do hóspede, bem como outros serviços necessários aos usuários, denominados de serviços de hospedagem, mediante adoção de instrumento contratual, tácito ou expresso, e cobrança de diária.

 
Ora, nesses sistemas, o proprietário (ou possuidor) do imóvel, oferta uma unidade de uso individual do viajante, seja ela um quarto, um apartamento ou mesmo uma casa, e cobra um valor por dia de “hospedagem”, em outras palavras, uma diária. O consumidor, por sua vez, realiza a reserva confiante de estar contratando um serviço de hospedagem, no qual espera a prestação de uma acomodação para seu descanso, um local seguro onde guardar suas bagagens, com todas as suas responsabilidades, garantias, riscos e peculiaridades inerentes à atividade hoteleira etc.

Há, indubitavelmente, prestação de serviço de hospedagem. Hospedagem essa que, como apontamos acima, é irregular. Apontamos a seguir algum exemplo de questões que precisam ser regulamentadas ou implantadas, de forma a igualar esses novos prestadores de serviço, aos prestadores formais:

(1)   Nos termos dos arts. 21 e 22 da Lei Geral do Turismo, todos os prestadores de serviços turístico – categoria na qual se incluem os meios de hospedagem – estão obrigados a se cadastrar no Ministério do Turismo, visando a fiscalização para garantia de qualidade e segurança para dos consumidores. As acomodações oferecidas nesses sistemas paralelos não estão cadastrados.

(2)   Os meios de hospedagem estão obrigados a adimplir uma série de exigências técnicas e regulatórias, tais como adequação às regras de proteção contra incêndio, estabelecidas pelo Corpo de Bombeiros, muito mais rígidas do que aquelas impostas às construções residenciais privadas, alvarás de funcionamento de todos os órgãos públicos, visando novamente fiscalizar a existência de instalações seguras e saudáveis, etc. Novamente, não há imposição ou fiscalização em relação a esses novos meios de hospedagem.

(3)   Os meios de hospedagem, enquanto atividade comercial e prestadora de serviço, estão obrigado a pagar uma série de tributos, tais como IRPJ, CSL, PIS/COFINS, INSS, ISS, Taxas de Alvarás de Funcionamento entre muitas outras, os quais não são cobrados das hospedarias inseridas nesses sites.

(4)   O IPTU cobrado dos meios de hospedagem tradicionais é – nas cidades onde há distinção – calculados conforme as alíquotas de imóveis comerciais; já o IPTU das unidades oferecidas nesses sistemas são, na maior parte das vezes, calculados pelas alíquotas de imóveis residenciais, muito menores.

(5)   Não há cobrança de taxas do ECAD em relação aos imóveis anunciados nesses sistemas.

(6)   Não há fiscalização nessas acomodações “irregulares” para coibir práticas ilegais, como o turismo sexual, a prostituição infantil, uso de drogas, hospedagem de menores desacompanhados de pais ou responsáveis legais etc.

Enfim, as “hospedagens” oferecidas nessa nova onda da economia compartilhada não são regulamentadas pelas regras impostas aos meios tradicionais de hospedagem. Dessa forma, esses novos “empreendedores” prestam um serviço muito mais barato – e consequentemente muito mais competitivo – do que os empresários tradicionais, prejudicando a viabilidade e a continuidade dos empreendimentos legais, pondo em risco, inclusive, todo o setor.

Em resumo, extraímos das discussões realizadas no CONOTEL que a economia compartilhada é uma realidade à qual o setor da hotelaria não vê como se contrapor. Contudo, é imperiosa a regulamentação desses novos prestadores de serviço, aplicando-se as mesmas regras impostas aos meios tradicionais ou então o levantamento das regras aplicáveis aos hotéis e pousadas já instalados, de forma que todos estejam isentos e possam concorrer de forma justa e equiparada.


* Dilson Jatahy é conselheiro do CARF, bacharel em direito pela UFBA, mestre e doutorando em Direito pela USP

* Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias