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Sua excelência, meu funcionário

Por Pablo Reis

Sua excelência, meu funcionário
Se há algo mais estúpido do que um patrão humilhando um empregado, só pode ser um empregado tentando fazer o mesmo ao patrão. Como imaginar que um funcionário passe a estabelecer o próprio reajuste salarial, ou decidir folgar dois dos cinco dias da semana e, de repente, determinar que precisa de mais 10 colegas para fazer o mesmo serviço – tudo pago pelo empregador? Nos consideraríamos ingênuos, idiotas ou patéticos se aceitássemos contratar – e remunerar – colaboradores nessas condições?

Parece o cúmulo, mas é o que acontece sob nossa aprovação – ou omissão – nas esferas eletivas do serviço público no Brasil. Nos habitats mais tradicionais dos políticos de carreira (as casas legislativas e os gabinetes do poder executivo) isso é artifício comum.

Imagine a vendedora de sua loja no shopping avisando que vai registrar o ponto no início do expediente, sair para “visitar as bases” e voltar para bater o ponto no final, garantindo o jeton, ops, a hora extra de 100%? Pense se há viabilidade do mestre de obras requerer mais 14 assessores para bater a laje e que você vai pagar rigorosamente pela hora-empreitada de cada um deles. Pra piorar, imagine se sua diarista decreta dois períodos de recesso no ano (“para cuidar da família no interior”) e eles duram nada menos que 90 dias.

Coisas assim ocorrem no universo da Assembleia Legislativa da Bahia, um mastodonte político que custou ao povo R$444 milhões no ano de 2014. Fim de legislatura, fim de festa, mas não de notícias escabrosas. A mais recente delas foi a verificação de presença dos parlamentares nas 508 sessões dos últimos quatro anos. O campeão de faltas, em números proporcionais, teve quase 45% de ausência, mas não vai ser lembrado como absenteísta, e sim como Secretário de Ciência e Tecnologia do governo do estado.

Em números absolutos, destacam-se os que não compareceram em mais de 150 das 500 sessões, o que torna tortuoso imaginar qual acrobacia o trabalhador comum brasileiro deveria fazer para justificar mais de 100 faltas na empresa em quatro anos de serviço. Pois os parlamentares baianos nem se constrangem, ao contrário do auxiliar administrativo que, se ficar doente duas vezes no mês, ouve do chefe: “sua cara nem arde”.

A Assembleia Legislativa da Bahia tem se caracterizado por legislar mal e fiscalizar pior ainda. Só aparecendo no noticiário nas situações em que as aspirações do cidadão vão para um lado e as decisões do parlamento puxam pra outro – num autêntico cabo de guerra de interesses contraditórios onde a democracia vive tensionada. As recentes aprovações de aumento de 25% nos vencimentos e de aposentadoria vitalícia para ex-governadores que tiveram quatro anos de mandato são apenas a ponta do iceberg. A pasmaceira dos mandatos médios (para não dizer medíocres) se notabiliza por requerimentos de títulos de cidadania, atestados de utilidade pública, moções de aplauso ou repúdio.

Mais do que mamata e mau uso do dinheiro público, esses dados expõem nossa letargia como fiscalizadores de impostos. Preguiça esta que, literalmente, custa muito caro. Para efeitos de comparação, os quase R$450 milhões de orçamento anual da Assembleia sustentariam dez emissoras de televisão, de boa qualidade, com alcance estadual, oferecendo conteúdo, informação e entretenimento para todos os baianos. Ou sete novos clubes de futebol no estado, mesmo que disputando para fugir do rebaixamento e oferecendo só angústia para o torcedor. Ou dois Cruzeiros campeões brasileiros.

Em 2007, o orçamento da AL/Ba era de R$194 milhões, enquanto o estado tinha orçamento de 17,5 bilhões, segundo levantamento da ONG Transparência Brasil à época. Cada um dos 63 deputados custava pouco mais de R$ 3 milhões por ano ao contribuinte. Em 2014, o orçamento pulou para R$435 milhões, fazendo com que cada um dos 63 deputados custasse praticamente R$7 milhões de reais.

Ficamos tentados a achar que tais privilégios são direitos adquiridos, talvez por imposição divina que coloque nossos políticos no patamar de semideuses, revivendo as consagrações teocráticas dos faraós egípcios, por exemplo. Não é o que nações mais desenvolvidas ensinam. A Suécia tem uma tradição de país sem mordomia para políticos. Os deputados moram em apartamentos funcionais de 40m2 onde sala e quarto são o mesmo cômodo. Dividem uma lavanderia comunitária em que precisam marcar hora para deixar as roupas sujas e recebem o equivalente a R$13 mil mensais. Além disso, os gastos com cartão corporativo, o conteúdo dos e-mails e a declaração de bens dos políticos podem ser verificados por qualquer cidadão pela internet.

São realidades que, quando comparadas, nos chocam mas não despertam nosso compromisso diuturno com a cidadania, aquela mesma que exige vigilância atenta e ininterrupta. Em algum momento, uma notícia rara aqui, outra ali, nos escandalizam e mobilizam nossa indignação de sofá. Mas ela passa com a velocidade da nova corrente de zapezape e... la nave va. A verdade é que, se os políticos brasileiros são ruins, incompetentes e desprovidos de talento, nós somos péssimos – e acomodados – patrões.
 

* Pablo Reis é jornalista
www.twitter.com/opabloreis

* Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias