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Em meio à pandemia, Sesab vai demitir médicos para recontratar por vínculo PJ

Em meio à pandemia, Sesab vai demitir médicos para recontratar por vínculo PJ
Foto: Paula Fróes/GOV-BA

Mesmo enfrentando o momento mais crítico da pandemia na Bahia, a Secretaria de Saúde do Estado (Sesab) está prestes romper o vínculo com pelo menos 800 médicas e médicos contratados por regime CLT - a partir de organizações sociais (OS). Os profissionais prestam serviço em unidades de saúde na capital e no interior do estado, a exemplo do Hospital Geral Roberto Santos, o Prado Valadares, em Jequié, maternidades e UPAs.

 

Para que se mantenham em seus postos de trabalho, os profissionais deverão, obrigatoriamente, constituir com as unidades de saúde um vínculo através do credenciamento de uma Pessoa Jurídica (PJ) da qual sejam sócios, culminando na perda de direitos trabalhistas, como férias, 13º salário, recolhimento de INSS e FGTS, assim como afastamento remunerado em caso de gravidez e doenças.  

 

A “pejotização” na contratação de médicos na Bahia está amparada na Portaria 1003/2010. À época, o chamamento público apontava para a contratação de serviços médicos aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), em hospitais públicos de urgência/emergência e de retaguarda, administrados diretamente pela Sesab. Neste caso, facilitava a contratação de intensivistas em UTI geral, pediátrica ou neonatal, cirurgia e anestesia em urgência e emergência e procedimento obstétrico. Em 20 de fevereiro deste ano, aos 10 anos de vigência da publicação da Portaria 1003, o Estado publicou no Diário Oficial uma nova Portaria, a 134, que atualizaou a tabela remuneratória e ampliou o edital de chamamento para possibilidade de contratação de médicos clínicos, cirurgia e anestesia em geral e chefes de plantão.

 

Durante o ano de 2020, quando a crise sanitária provocada pela Covid-19 obrigou a contratação de equipes médicas e abertura de novos leitos, a gestão estadual, amparada pela portaria de 2010, aplicou pelo menos R$ 151 milhões em credenciamento direto de profissionais de saúde, contratados por PJ e com dispensa de licitação. O termo técnico, a Portaria 1003/10 prevê a inexigibilidade de licitação.

 

Para o Sindimed, o atual contexto faz acender o sinal de alerta, pois a urgência da pandemia tem aberto a possibilidade de ampliar o modelo de contratação, burlando a previsão constitucional de realização de concurso público, além de delinear um contexto de precarização que vai desde as condições de trabalho à oferta de serviço ao público que recorre ao SUS no estado. 

 

“Desde 2010 a Sesab tem um edital de credenciamento direto, que é uma burla ao concurso público. Um credenciamento direto tem que ser por edital muito bem posto, renovado por portaria a cada ano, e todos os médicos terem acessos. Em 2010 eles fizeram o edital e estamos aí com 10 anos de vigência, quando já deveria ter sido publicado novo edital e divulgado amplamente. Somente alguns médicos é que ficam sabendo do credenciamento direto. Existem empresas especializadas em fazer essas Pessoas Jurídicas, que ganham um pedaço do trabalho do médico e na verdade é uma burla ao vínculo de fato, que é mediante o concurso público”, avalia Ana Rita de Luna, médica cirurgiã plástica e presidente do Sindimed. 

 

Segundo ela, a precarização do vínculo resulta também na falta de segurança quanto à suposta especialização do profissional, pois o Estado “não pede provas, não se apresenta vínculos, apenas a identificação da Pessoa Jurídica”. Um levantamento feito pelo jurídico do sindicato observou entre os médicos que são sócios das empresas contratadas ano passado, vários não tem nenhum título de especialista registrado no Conselho Regional de Medicina, contrariando a própria Portaria 1003/10.

 

“A gente vê também que muitos médicos com uma melhor qualificação poderiam ocupar essas vagas mediante concurso ou alguma prova ou forma que confirmasse qualificação técnica, mas ficam para trás, em detrimentos de alguns”, acrescenta Ana Rita. “A gente está em plena pandemia e o Estado vai impor para a classe médica demissões, ao invés de valorizar a classe que está arriscando sua vida para poder cuidar da população”, desabafa. O último concurso estadual que contemplou a classe ocorreu em 2008.

 

Para a advogada do Sindimed, Cristiana Santos, o “argumento fiscal” não justifica o vácuo de 10 anos sem a realização de concurso público, pois, neste período, o Estado realizou certames para contratação de profissionais em diversas outras áreas. Segunda ela, o que a Sesab coloca em prática é a execução de uma discussão que a pasta vem fazendo há alguns anos com a classe médica: o desejo de “extinguir os concursos públicos para médicos e passar a contratar todos na condição de sócios de pessoa jurídica”. 

 

“Será o fim da carreira de médico como servidor público. É essa pejotização para todo mundo. Os médicos não serão mais estatutários. Serão contratados na condição de sócios de pessoa jurídica. A consequência imediata é se deixar de ter servidor público de carreira que pense políticas públicas de saúde, que conheça a estrutura pública de saúde do estado. Em um intervalo de 10 anos sem concurso já se perdeu muita gente que se aposentou e não se está renovando esse quadro. Além disso, tem ilegalidades de não ter concurso, a ilegalidade dos direcionamentos. Você imaginar um diretor da Sesab ligando para o médico para dizer que ‘você monte sua empresa’. Por que esse edital não está no site da Sesab?”, questiona Cristiana. 

 

Ao Bahia Notícias, uma fonte revelou que a “orientação” aos profissionais para a criação e associação de pessoa jurídica costuma ocorrer por meios informais, seja pelo gestor imediato do especialista e até mesmo por aplicativos de troca de mensagens. Situações deste tipo estão detalhadas em uma denúncia apresentada pelo Sindimed ao Ministério Público Estadual da Bahia (MP-BA) em 2020. O documento revela que, em alguns casos, a empresa determinada para fazer a administração das sociedades de pessoas jurídicas precisa ter “anuência e alinhamento com a gestão da unidade onde deverá se instalar”. 

 

Na avaliação de Cristiane, o modelo abre espaço para o “compadrio”, ou seja, o beneficiamento de profissionais a partir de outras relações, não somente suas capacidades técnicas, tempo de serviço e experiências acumuladas.