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Entrevista

Questões sociais, excesso de remédios e chás podem agravar cenário de hepatites, alerta hepatologista

Por Bruno Leite

Questões sociais, excesso de remédios e chás podem agravar cenário de hepatites, alerta hepatologista
Foto: Marina Nadal / Bahia Notícias

Mais de 1 milhão de pessoas morrem todos os anos devido a complicações causadas pela infecção pelos tipos B e C da hepatite, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Calcula-se que 3 milhões de novas infecções aconteçam por ano.

 

No Brasil, a maior incidência é no Nordeste, onde, de acordo com dados Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde, entre 1999 e 2019, foram identificados 30,1% dos 673.389 cados de hepatites virais.

 

Nesta quinta-feira (28) é celebrado o Dia Mundial de Combate à Hepatite, onde é lembrada a importância em se combater, não só as formas virais da doença, como também as outras manifestações.

 

Para saber mais sobre o assunto, o Bahia Notícias conversou com a médica hepatologista Luane Matos, da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Salvador.

 

Atendendo casos de hepatite no ambulatório do Multicentro de Saúde localizado na Rua Carlos Gomes, no Centro da capital baiana, ela fala sobre as ações de vigilância, prevenção e controle da doença necessárias, além de esclarecer pontos sobre o tema.

 

Cuidados como o uso de preservativo durante as relações sexuais, a imunização contra a hepatite B, bem como a realização de testes são alguns dos meios pelos quais a inflamação hepática pode ser evitada.

 

Segundo ela, a pandemia agravou o cenário epidemiológico, devido ao excesso de medicações aconselhadas erroneamente por médicos a fim de proporcionar um suposto tratamento profilático contra a Covid-19. 

 

Só para a gente entender, temos pelo menos três tipos de hepatites, não é? Quais são as especificades delas?

Na verdade nós temos cinco tipos de hepatites virais, A, B, C, D e E. Sendo que realmente as mais prevalentes são a A, B e C. No caso da campanha, o Julho Amarelo, nós focamos nas hepatites B e C que são as que tem transmissão sexual por relações desprotegidas ou através do compartilhamento de materiais perfurocortantes. Então, todo material que tiver contato com o sangue pode ser veículo de transmissão da hepatite. O que que é hepatite? É uma inflamação no fígado. Toda e qualquer inflamação no fígado nós chamamos de hepatite e pode ter diversas causas. Então, hepatite por álcool, hepatite por gordura no fígado, hepatite por doença autoimune e as hepatites virais, que têm como causa os vírus, principalmente A, B e C.

 

Quais são as formas de prevenção dessas hepatites virais?

Prevenção para hepatite B e C: evitar o contato sexual desprotegido e o compartilhamento de materiais que são cortantes. Então, o alicate de unha, que você usa no salão de beleza, aquele aparelho que faz a esterilização do material não consegue alcançar a temperatura adequada pra matar o vírus, principalmente da hepatite B, acaba que ele pode ser transmitido desse alicate. Tatuagem feita no local sem procedência, um tratamento dentário também sem a devida segurança, piercing... Todos esses procedimentos que podem ter um eventual contato com o sangue podem transmitir a hepatite. A própria doação de sangue, no passado, foi um veículo de transmissão, mas a partir da década de 1990 todos os bancos de sangue já fazem a triagem dos doadores. 

 

Dados sobre a relação socioeconômica do contágio pela hepatite D apontam que a região Norte é o território em que ela mais se plorifera. Quais são as condições que atenuam esse cenário epidemiológico?

Então, a delta é uma hepatite endêmica na região amazônica, principalmente. Temos lá enfermarias de hospitais universitários exclusivas para o atendimento de pacientes contaminados por essa forma da doença. Ela acontece, na maioria das vezes, em coinfecção pela B. Então o paciente tem as duas. A transmissão se dá da mesma forma. Aqui na Bahia, no Nordeste de um modo geral, e nas demais regiões do país, nós não encontramos com frequência. E tem a ver, sim, com questões socioeconômicas e socioculturais.

 

A gente fala sobre algumas hepatites aqui, essas virais, algumas delas tem cura, né? Outras não...

Isso. A hepatite C tem cura, o tratamento hoje disponibilizado pelo SUS, é um tratamento curto, dura três meses, através de uma medicação oral. No caso da hepatite B ainda não alcançamos a cura, mas a ciência já tem caminhado pra nessa direção, no sentido de obter a cura. Na hepatite B o que a gente tem hoje é o controle da doença, evitando que essa doença progrida para cirrose e câncer de fígado, que é a principal complicação da evolução dessas hepatites. 

 

Há ainda a hepatite medicamentosa, certo? Durante a pandemia nós vimos um uso excessivo de remédios, principalmente o chamado "kit Covid", encorajado por alguns médicos. Houve um aumento de casos desse tipo de inflamação?

No caso da hepatite medicamentosa a gente faz uma triagem do paciente de tudo que ele vem usando de medicação. E não só de medicação, porque o uso de muitos chás também está implicado no desenvolvimento da inflamação. A gente pergunta logo no primeiro momento, na primeira consulta, se faz uso, por quanto tempo, qual dose, se usa algum tipo de chá ou algum tipo de suplemento alimentar, porque tudo isso pode levar a um quadro de hepatite. No início da pandemia houve um amplo uso da Ivermectina, da Azitromicina, e a gente passou a observar, com a evolução desses casos, os pacientes cursando uma elevação de transaminases, que são as enzimas do fígado, detectadas no sangue. Então, depois de toda a investigação que era realizada, a gente acabava ficando mesmo para a causa medicamentosa. Hoje essas são medicações que a gente já não usa mais pra Covid. Mas sim, foi visto na pandemia um aumento da hepatite medicamentosa por conta dessas dessas drogas usadas. 

 

De que maneira a hepatite se manifesta nos indivíduos?

Algumas hepatites não se manifestam com nenhum sintoma, são as hepatites virais que a gente tem colocado aqui, B e C, principalmente. O paciente não tem nenhum tipo de sintoma, é uma doença silenciosa. Ele só descobre que tá contaminado porque faz o exame. Em alguns casos de hepatite aguda, sim, o paciente pode ter icterícia, náuseas, vômitos ou desconforto abdominal. Mas, na maioria das vezes, os pacientes que chegam para nós da hepatite viral, eles já estão na sua fase mais crônica da doença. Então ele já não tem mais nenhum tipo de sintoma. Por isso, o alerta que fica para realização dos exames, para diagnóstico, para prevenção, por ser uma doença, na maioria das vezes, silenciosa. 

 

Como é feito o tratamento?

O tratamento é, como eu falei, por meio de medicação oral. Toda a medicação é disponibilizada pelo SUS. No caso da hepatite B também há medicação e a gente consegue controlar a evolução da doença. Para as outras hepatites, no caso hepatite A, que a gente não abordou muito aqui, é uma hepatite de transmissão fecal/oral, por meio de alimentos e água contaminada. É uma doença viral, mas que na grande maioria dos casos é autolimitado. Então, o paciente, ele tem aquela sintomatologia, inicialmente semelhante a um quadro gripal, sintomas inespecíficos e que evoluem para a cura espontânea.

 

Nos último ano, devido a pandemia, temos falado cada vez mais de imunização. No caso da hepatite B, temos essa ferramenta também, não é? Para qual público ela é destinada? 

As hepatites A e B têm vacina. No caso da hepatite A, as crianças são contempladas com a vacina, duas doses. E a hepatite B também está no calendário vacinal da criança, em três doses. Mas, o adulto que não foi vacinado na infância pode se vacinar também. 

 

No âmbito do município de Salvador, quais estratégias têm sido adotadas para conscientizar e combater as hepatites virais?

Tentamos fazer uma ampla divulgação doda testagem rápida, que é um exame simples e o resultado sai na hora. Para fazer, o paciente pode ir até o posto de saúde ou aos multicentros. Esse teste é o ponto de partida, digamos assim. A partir daí, se ele tem o resultado positivo, já é encaminhado pro centro de referência para iniciar o tratamento, de forma gratuita.

 

O tratamento tem o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar?

Sem dúvidas. No multicentro que eu trabalho, o da Carlos Gomes, nós temos psicólogo, enfermeiro, nutricionista, além de mim, que sou a médica hepatologista. Há toda uma equipe voltada para o atendimento desse paciente com hepatite viral. 

 

Tivemos acesso a dados da Sesab que mostram a evolução das hepatites no estado entre 2009 e 2018. A secretaria identificou, na série histórica, casos de hepatite B que chegam, em alguns anos, a centenas nas diversas regionais. Por que esse tipo de hepatite afeta tanto a população se há vacina?

Muitas crianças não são vacinadas na infância, por conta da desinformação dos pais, e com isso não conseguem completar o calendário vacinal, que prevê a aplicação de três doses. Às vezes a criança toma uma, mas não toma segunda, não toma a terceira. Assim ela não adquire imunidade.  Além disso, a transmissão da hepatite é fácil, digamos assim. É um alicate de unha que você usa no no salão de beleza, uma relação sexual desprotegida... Então, não tendo a imunidade, no caso da hepatite B, a transmissão ocorre. Para a hepatite C nós não temos vacina, se fazendo necessário a tomada de medidas de prevenção mesmo.

 

Ainda nessa série histórica, os dados mostram que em 2018, por exemplo, 102 pessoas morreram em decorrência de hepatites. Ela é uma doença com um nível de mortalidade alto?

A taxa é alta, a evolução da hepatite para cirrose e câncer de fígado é documentada na literatura. O paciente que busca o tratamento e ele não tem o acompanhamento adequado, evolui e variavelmente para cirrose, câncer de fígado e a taxa de mortalidade nesses casos de fato é alta. Eu recebo muitos pacientes já numa fase avançada da doença e que a gente não tem muito mais o que fazer em termos de cura para esse paciente porque ele já evoluiu pra uma cirrose. Nesses casos o ideal seria um transplante hepático, que é uma logística muito maior pra gente conseguir alcançar. Conseguimos uma taxa boa de transplante, mas chegando nesse estágio, realmente, o paciente, ele sofre porque já evoluiu bastante. Então, o importante e é o alerta que eu sempre faço: tem que haver prevenção e diagnóstico precoce. Só assim para a gente consegue obter a cura, principalmente no caso da hepatite C.