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Entrevista

Máscaras devem ser usadas mesmo após pessoa ser vacinada contra Covid-19

Por Jade Coelho

Máscaras devem ser usadas mesmo após pessoa ser vacinada contra Covid-19
Foto: Arquivo Pessoal

O Brasil tem assistido outros países do mundo aprovarem e darem início à vacinação emergencial de suas populações contra a Covid-19. É fato que não há data definida para o início da imunização por aqui, mas nunca se esteve tão próximo disso. O que muita gente não sabe, e até se engana em relação ao assunto, é que com a vacinação em curso os cuidados e o uso de máscaras serão deixados de lado.

 

O imunologista baiano Gustavo Cabral explica que mesmo depois de vacinadas as pessoas podem transmitir o vírus e por isso o EPI e a prática de distanciamento e higiene das mãos com rigor devem se manter durante todo 2021. Isso porquê as vacinas protegem contra a Covid-19, e não contra o coronavírus. Os imunizantes reduzem a carga viral e evitam que os casos evoluam para graves, com a necessidade de hospitalização e UTI.

 

Cabral é baiano nascido em Tucano, graduado em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb), mestre em imunologia na Universidade Federal da Bahia (Ufba), doutor pela USP e pós-doutor em Oxford, na Inglaterra, e em Berna, na Suíça, onde estudou imunologia aplicada à vacina. Atualmente ele é pesquisador da Fapesp, onde vem estudando sobre vacinas contra Covid-19 e outras doenças.

 

O cientista reforça a confiabilidade e eficácia das vacinas. E explica que as da Covid-19 que estão sendo aplicadas por alguns países seguem sendo analisadas por toda a comunidade científica. Um fato destacado por ele para tranquilizar a população é de que até o momento milhares de pessoas já receberam doses em vários países e não há nenhum registro de reação adversa grave. “A análise continua até que se tenha o licenciamento, se houver qualquer problema, qualquer um desses órgãos impedem imediatamente a vacina ou qualquer medicamento”, explicou ao citar como exemplo a Anvisa e o FDA, que é a agência regulatória de medicamentos dos Estados Unidos. 

 

Cabral diferenciou as técnicas usadas pelos laboratórios para desenvolverem as vacinas que estão no plano de aquisição do Ministério da Saúde. Ele explicou que a tecnologia mais conhecida é a da Sinovac com o Instituto Butantan, que juntos desenvolveram a Coronavac. Esse imunizante utiliza o vírus desativado, uma técnica já disseminada e utilizada em todo o mundo. “É uma vacina que é de ‘vírus morto’, uma estratégia bem conhecida e já utilizada para várias outras vacina, por exemplo a da gripe que a gente toma todo ano, a da raiva, a da hepatite A”, disse o imunologista, ao acrescentar que ela tem limitações, mas que é eficiente e adaptável ao programa de imunização do Brasil.

 

Quanto à vacina que usa o chamado RNA mensageiro, que é o caso da candidata da Pfizer, ele explica que a tecnologia é inovadora e ainda não existe em nenhum imunizante previamente licenciado para uso humano. “Então tem um cuidado diferente porque a gente não pode prever completamente os efeitos colaterais a longo prazo. A curto e médio prazo ela tem se comportado bem. Isso não nos dá medo, mas ficamos em alerta”, sinalizou.

 

Durante a entrevista, Gustavo Cabral ainda comentou sobre a condução e gestão da crise sanitária pelo governo brasileiro; o rigor científico e respostas da comunidade científica ao erro de dosagem da vacina de Oxford/Astrazeneca; a infraestrutura do Brasil para a vacinação; e a possibilidade de agravamento da crise por causa da corrida dos municípios e do setor privado pela aquisição de vacinas. 

 

O que o senhor acha de a Anvisa aceitar pedidos de autorização de uso emergencial de vacinas contra Covid-19 sem registro? Isso pode prejudicar a avaliação dos testes em curso?

Não necessariamente. Quando pede autorização de uso de emergencial é por uma necessidade. É como acontece em outros países. As empresas ou os centros de pesquisa mandam os dados preliminares, não são os finais ainda, e de acordo com os dados que tem das fases um e dois, junto com os preliminares da fase três, que é a etapa final dos estudos clínicos. A Anvisa, assim como outros órgãos, como FDA nos Estados Unidos, decidem se vão liberar ou não. Mas isso não afeta a continuidade dos experimentos, dos estudos. Uma coisa não afeta a outra. A análise continua até que se tenha o licenciamento, se houver qualquer problema, qualquer um desses órgãos impedem imediatamente a vacina ou qualquer medicamento. 

 

Mais de 40 países já começaram a vacinação e o Brasil ainda não. Em que lugar isso nos coloca? O que diz sobre nosso governo e a gestão da crise sanitária? 

Nossa gestão é um desastre. Infelizmente. Embora nós sejamos referência no Programa Nacional de Imunização, somos referência em vacinar, porque nosso programa é espetacular, mas infelizmente o Ministério da Saúde tem gerado um desastre atrás do outro. E na verdade não tem autonomia. Desde o começo da pandemia já tivemos três ministros, e sempre o presidente opinando, e geralmente quando ele opina fala merda. E frequentemente o Ministério está muito perdido, fora da realidade. Então consequentemente ia chegar a esse ponto, em que o mundo inteiro está se mobilizando pra tentar controlar essa pandemia, que não é fácil, o governo está se batendo pra conseguir o número de vacinas necessárias e os insumos. A gente tem que lembrar que não tem como vacinar sem seringa e agulhas. A gente está fora da realidade. Se o presidente realmente estivesse preocupado com preço, teria negociado antes, lá em agosto ou setembro. Se fosse uma equipe preparada já estaria negociando tanto as vacinas, quanto os insumos. 

 

O Reino Unido foi o primeiro país a autorizar e a iniciar a vacinação. Eu li uma entrevista de uma virologista da UFRJ que classificou a atitude como "uma medida de desespero para atender a uma emergência". Ela afirmou que entendia a necessidade, mas sugeriu que o mundo deveria acompanhar com atenção. O senhor concorda? 

Sempre haverá atenção. Quando há um licenciamento definitivo a gente sabe que as vacinas são seguras. No caso do uso emergencial, em que o licenciamento é através de dados preliminares, os cuidados a gente sempre vai ter que ter. Vamos estar sempre acompanhando. Mas a gente precisa entender o seguinte: nesse momento essas vacinas já imunizaram milhares pessoas, quase um milhão de vacinados sem efeitos colaterais graves. Então isso nos deixa mais seguros. Em relação a cuidado, nós sempre vamos acompanhar. Até porque a gente precisa saber por exemplo se daqui a um ano vai precisar ter segunda vacinação, ou daqui a 2 anos, não vamos parar de acompanhar. 

 

A vacina de Oxford/Astrazeneca é a grande aposta do governo brasileiro. Mas tem a questão de que ela transformou um erro de dosagem num resultado positivo. Isso não abala a confiança na vacina? Não sugere e levanta dúvidas sobre o rigor científico dos ensaios? Como a comunidade cientifica encara isso? 

A comunidade científica caiu em cima na verdade. Por isso que ainda não está licenciada. Assim que houve aquele erro e eles tentaram montar um acerto por engano a comunidade científica caiu em cima. Eles mostraram que foi um erro, uma produção que eles tinham mandado fazer na Itália e que a dosagem veio errada. Tanto caiu matando, que eles esperaram, deram um passo atrás, continuaram, experimentaram e atrasaram um pouco o licenciamento, se não essa vacina seria a primeira a ser licenciada. Na ciência não tem essa conversa de 'acerto por engano'. As coisas não são assim. A gente precisa de análise e dados tudo certinho. Em caso de erro, revisar. Mas assim, essa vacina é fantástica, muito boa, muito bem testada, os dados são bastante confiáveis, em alguns pontos houve críticas, mas também houve grandes elogios, por exemplo quando eles pararam estudos suspeitando que tinha acontecido efeito colateral grave, aí realmente me deixou confiante. 

 

O estado de São Paulo aposta na vacina Coronavac, que é desenvolvida com tecnologia diferente da Pfizer, que já está em uso em alguns países. Eu li que a Coronavac usa um método mais antigo, que é o do vírus inativado, mas seria a única a oferecer proteção caso o coronavírus sofra mutação em alguma proteína. A gente consegue comparar as duas tecnologias? Em qual o senhor apostaria mais? 

A tecnologia mais conhecida é essa vacina da Sinovac com o Instituto Butantan. De longe a mais usada, por décadas. É uma vacina que é de "vírus morto", uma estratégia bem conhecida e já utilizada para várias outras vacina, por exemplo a da gripe que a gente toma todo ano, a da raiva, a da hepatite A, se não me engano. Então é uma estratégia muito bem conhecida. Eles deram um tiro certeiro, que sabem que funciona, mas tem limitações. Então ninguém espera que essa vacina vai ter 90% de proteção por exemplo. Não vai. Ela não ativa as células T, ela não ativa o sistema imunológico de uma forma tão completa. Mas é eficiente. E além disso é muito adaptável ao nosso programa de imunização. Ela é muito boa pra distribuir por exemplo aos interiores, basta conservar ela em temperatura de geladeira, de 2ºC a 8ºC. Quanto à vacina que usa o chamado RNA mensageiro e também com essa nanopartículas lipídicas, que é uma partícula de gordura pra proteger esse RNA, ela não tem nenhuma previamente licenciada para uso humano. Então tem um cuidado diferente porque a gente não pode prever completamente os efeitos colaterais a longo prazo. A curto e médio prazo ela tem se comportado bem. Isso não nos dá medo, mas ficamos em alerta, vamos ter atenção, vamos acompanhar os voluntários, os pacientes, prática que na verdade acontece com todas as vacinas. 

 

Nesta quarta-feira (6) a Anvisa publicou uma nota técnica com orientações para as clínicas privadas de vacinação notificarem sobre eventos adversos pós-vacinação. A portaria muda o sistema de notificação. Na introdução do documento, a Anvisa cita números da pandemia e a importância desses estabelecimentos de vacinação privadas. Ou seja, sugere que essas clínicas possam ministrar o imunizante. O que o senhor acha do setor privado adquirir e comercializar a vacina contra Covid-19? E o que isso representa para o Plano Nacional de Imunização? 

Nesse momento isso é o maior absurdo. O sistema público de saúde não está conseguindo administrar a compra das vacinas e insumos para levar a imunização para os grupos prioritários e os setores privados vão entrar? Maluquice. Nesse momento isso viraria uma concorrência com o setor público que já é um desastre. Agora é para o setor público assumir a responsabilidade de comprar as vacinas, utilizar o programa nacional de imunização que no geral nós somos referência, embora eles estejam atabalhoando o PNI. Os grupos prioritários precisam ser vacinados, depois essa vacina tem que ser levada ao público geral, e só após a gente conseguir a chamada imunidade de rebanho, onde a gente vacina pelo menos 2/3 da população, após esse momento é que poderá ter abertura para o setor privado. Mas antes? De forma alguma. Se fizer isso é que "lascou" mesmo. As pessoas que têm dinheiro vão conseguir se vacinar, o número de mortos cai de modo geral, mas o de morte dos pobres, das pessoas com menos condições, aumenta. Então cria aquela cortina de fumaça e vida que segue pra quem tem dinheiro. Antes da gente conseguir controlar a pandemia o setor privado não deve ter acesso, de forma alguma. Seria uma loucura.

 

O que significa dizer que uma vacina é contra a contra a Covid-19 ou contra o coronavírus? Qual a diferença?

Basicamente o objetivo dessas vacinas é a doença. Não é contra o vírus em si. Elas são contra a Covid-19. O que acontece é que mesmo vacinado pode acontecer da gente pegar o vírus, não desenvolver a doença, mas mesmo assim o vírus se propagar em nosso corpo e ficar em uma carga viral muito baixa que não desenvolva a doença. Mas pode passar pra outra pessoa. Então mesmo depois de vacinar as pessoas podem transmitir. Então depois que tomar a vacina a gente vai precisar continuar com máscara, ou seja esse ano inteiro a gente vai continuar a usar máscara, até que a gente controle a pandemia. Porque a vacina não vai impedir a transmissão, mesmo que a gente não desenvolva a doença, pode ter uma carga viral baixinha e vai conseguir passar para outras pessoas. Não desenvolve a doença, mas não protege do vírus completamente. Infelizmente. Mas mesmo assim está muito bom. Se a gente conseguir controlar e salvar o máximo de vidas possível, só vai precisar que as pessoas continuem usando máscara com responsabilidade. Nesse momento usar a máscara e manter um certo distanciamento é um sacrifício, mas não é nada comparado a perder uma vida. Nesse ano pode esquecer de achar que a vida vai voltar ao normal. 

 

Vai ser como 2020? 

Não. Não vai ser como 2020. Não vai ser um ano de caos. Assim espero, e que o presidente não ajude que seja um caos. Mas caso o presidente não atrapalhe, esse ano vai ser um ano de responsabilidade.

 

Há algumas semanas a gente teve a polêmica com o Ministério da Saúde sinalizando que não planejava adquirir vacinas que necessitassem de armazenamento em temperaturas baixíssimas. Que é o caso da Pfizer. Isso repercutiu, o MS mudou de posição. Mas eu gostaria de saber se tecnicamente é viável o uso da vacina da Pfizer/BioNTech no Brasil? A gente sabe que envolve toda uma questão de infraestrutura, além dos freezers, tem a rede elétrica, etc.

Se ela fosse a única, não. Mas ela não é a única. Por isso a gente tem que ter o máximo de vacinas. A gente não pode desperdiçar vacina. Não é uma atitude inteligente nesse momento. Essas vacinas precisam dessa estrutura toda que você falou, mas olha ao redor, você não acha que Salvador não tem essa estrutura? Claro que nós temos. Esses freezeres nas universidades pra gente é algo comum. Nós temos freezeres - 80 ºC. Essas vacinas em grandes cidades por exemplo, falando de Bahia, Salvador, Feira de Santana, entre outras cidades essa vacina pode ser muito bem utilizada. Agora falando lá do sertão, lá no Creguenhem onde eu nasci, não. Mas é por isso a gente tem outras possibilidades como a Coronavac, a vacina de Oxford. Por isso a gente tem que ter opções, que a gente distribui de forma organizada. Então essa vacina pode ser muito bem utilizada para os grandes centros e as demais se distribuir nos centros de menor capacidade. 

 

A gente está no verão, a questão da aplicação em uma temperatura ambiente elevada tem alguma influência?

Não tem problemas. Ela é armazenada em baixas temperatura. O que não pode é descongelar e congelar. Mas quando descongelou, manter no isopor ou caixa térmica vacina. Vai ter uma vacinação de 500 pessoas? Descongela a dose em número correto, prepara e vacina. Isso não é nada complicado, não. Ninguém vai tirar a vacina do congelador e deixar ela fora de uma caixa térmica. Deixa ela em uma temperatura de 2ºC a 8ºC  enquanto está vacinado durante o dia. 

 

Alguns municípios vêm se antecipando e tentando acordos com fornecedoras de vacina. O que o senhor acha dessa atitude? Ela não pode causar um problema sanitário de alguma forma?

Isso pode criar um problema sanitário. Vai ficar parecido com a questão do setor privado e vai virar um desastre. Por exemplo, aqueles municípios que têm financiamento da Petrobras, como a gente tem alguns do Recôncavo Baiano. Então frequentemente tem muito mais dinheiro, pode investir com isso. Ou então um político X, que vai ter as habilidades de facilitar, direcionar verba X, Y ou Z para uns municípios que ele representa. E aí uns municípios vão estar vacinados e outros não? É um absurdo. Imagine um município vacinado e o vizinho não estar, vai fazer o quê? Criar uma barreira? O Pragrama Nacional de Vacinação é excelente por isso, distribui perfeitamente federal, estadual, municipal. Se começar a judicializar tudo no fim das contas a população vai acabar sendo afetada e prejudicada. 

 

O que o senhor pensa sobre a exigência do termo de responsabilidade que foi sugerida pelo presidente Jair Bolsonaro?

Na verdade não existe termo de responsabilidade, isso foi uma jogada do presidente da República para gerar caos. O que existe é um Termo de Consentimento Livre Esclarecido. Nesse caso por ser vacina de uso emergencial a Anvisa tem esse direito de solicitar porque os estudos ainda estão em andamento. Isso quer dizer que a responsabilidade vai ficar para as pessoas? Não. Isso quer dizer que a Anvisa e os órgãos responsáveis têm que informar as pessoas de que que é um Termo de Consentimento Livre Esclarecido. Além disso assumir a responsabilidade de que estará à disposição para dar assistência a qualquer efeito colateral que venha a acontecer.