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Entrevista

Tratamento de doença de Parkinson precisa ser mais amplo na rede pública, diz neurocirurgião

Por Renata Farias

Tratamento de doença de Parkinson precisa ser mais amplo na rede pública, diz neurocirurgião
Foto: Paulo Victor Nadal / Bahia Notícias

Doença degenerativa que atinge o sistema nervoso central, o chamado Mal de Parkinson atinge 1% das pessoas com idade acima dos 65 anos, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Com o envelhecimento da população brasileira, a preocupação com essa patologia se torna cada vez maior. No entanto, o país ainda precisa de evoluções, tanto no tratamento quanto na difusão de conhecimentos. Esse é um dos objetivos do Dia Mundial da Doença de Parkinson, lembrado em 11 de abril.

 

“A gente ainda tem pouca mobilização no Brasil, mas vejo isso de forma geral para todas as doenças. Nos Estados Unidos, quando a gente vai comparar, vê uma preocupação e preparo muito maior com relação à informação. Comparativamente, estamos muito atrasados com relação à difusão de informações, uma rede de assistência. O paciente não sabe quem procurar, como é o tratamento...”, opinou o neurocirurgião Carlos Romeu, em entrevista ao Bahia Notícias.

 

Por ser uma doença sem cura, os tratamentos são sempre voltados a melhorar a qualidade de vida dos pacientes e reduzir a velocidade de progressão dos sintomas. No entanto, os pacientes reféns do Sistema Único de Saúde (SUS) acabam muitas vezes prejudicados pela ausência de alguns tratamentos na rede pública, segundo o profissional.

 

“É preciso ter um hospital de referência, o que ainda não temos aqui em Salvador na parte pública. O paciente de Parkinson do SUS tem um tratamento medicamentoso adequado, mas não consegue a cirurgia, por exemplo. Isso ainda precisa caminhar bastante e envolve política, através da liberação de recursos e estrutura”.

 

Durante a entrevista, o neurocirurgião falou ainda sobre sintomas e tratamentos da doença de Parkinson, além da importância de uma rede de apoio para os pacientes.

 

Para começar, eu quero que o senhor explique o que é o Parkinson e qual a origem da doença.

A doença de Parkinson é neurodegenerativa e causada por um acúmulo anormal de proteína nas células nervosas. Isso leva à morte celular e a todos os sintomas. As doenças neurodegenerativas geralmente são progressivas, sendo as mais comuns Alzheimer e Parkinson. Existe esse acúmulo anormal de proteínas, que não se sabe o porquê, principalmente em um lugar específico do cérebro chamado substância negra. Nessa região há um neurotransmissor chamado dopamina. A falta desse neurotransmissor em certos circuitos cerebrais leva a toda a sintomatologia do Parkinson. A doença de Parkinson é importante porque afeta predominantemente pessoas no início da terceira idade. Existem casos de Parkinson precoce, de 20 a 50 anos, mas são mais difíceis. O padrão é que o início dos sintomas aconteça por volta dos 60 anos. Tem uma prevalência grande dos casos de Parkinson em pessoas acima de 60 anos, 1% da população. Acima de 80 anos, 4% da população. Como a população brasileira está envelhecendo, essa doença se torna cada vez mais importante.

 

Quais são os principais sintomas?

Os principais, chamados de tríade, são o tremor, a rigidez dos músculos e a bradicinesia, ou seja, lentidão nos movimentos. Esse é o padrão clássico para diagnóstico. Todo mundo conhece o Parkinson por conta dos sintomas motores, mas há outros sintomas que, com o progredir da doença, tornam-se até mais importantes. O paciente com Parkinson tem muito distúrbio do sono, que é uma das alterações mais precoces; distúrbios do humor, como depressão e ansiedade. Esses sintomas, com o passar do tempo, tornam-se mais debilitantes para o paciente do que os sintomas motores, que têm tratamentos. Há também prejuízo à parte cognitiva, sintomas autonômicos e a demência. Como é uma doença progressiva, todos os pacientes vão evoluir para essa etapa final, na qual existe a demência como predominante. Como já falei, não há informações sobre causas. Existem algumas coisas associadas à proteção, como ingestão de cafeína e exercícios físicos.

 

 

Existem explicações para casos de pessoas jovens que desenvolvem Parkinson?

A gente não sabe a causa, mas o Parkinson está ligado a fatores genéticos. Há alguns genes associados a pessoas com maior chance de Parkinson, mas isso não é uma certeza de que a pessoa vai ter a doença. É uma interação com o meio ambiente, estilo de vida, mas a gente não sabe exatamente o que causa esse gatilho. Muitas pessoas perguntam se tem uma forma de diagnosticar precocemente o Parkinson. Isso é difícil, mas cerca de 10 a 15 anos antes de o paciente manifestar de fato a doença, existem algumas alterações que começam a aparecer. No caso, os distúrbios de sono são bem precoces, alterações do olfato - que geralmente o paciente não percebe, mas é uma das perdas mais precoces - e sintomas autonômicos, como constipação e prisão de ventre. Esses seriam os primeiros sintomas, mas ainda muito inespecíficos, com exceção do olfato. A perda do olfato é específica, mas é difícil o paciente perceber.

 

A partir do momento que se diagnostica o Parkinson, como é possível prevenir a progressão dos sintomas?

Essa é uma coisa importante e complicada de falar. Não tem como prevenir a progressão do Parkinson. Existe a prevenção anterior, mas uma vez instalado o Parkinson não tem ainda nada comprovado cientificamente que previna a progressão. Antigamente, quando não se tinha tratamento adequado, as pessoas ficavam logo acamadas por conta da perda dos sintomas motores. Com o tratamento dos sintomas motores, com medicação e cirurgia, é possível dar uma qualidade de vida muito maior para as pessoas. É o tempo que a doença progride até um ponto que vai afetar muito a parte cognitiva e o humor. O próprio tratamento, com doses muito altas de medicamentos, tem efeitos colaterais muito intensos. Alguns pacientes têm alucinações por causa da medicação, transtorno obsessivo compulsivo, uma série de coisas que torna o manejo do Parkinson difícil depois de um certo ponto. Então não tem como parar a progressão, mas tem como tratar e dar qualidade de vida no máximo tempo possível para os pacientes.

 

O tratamento é feito apenas com medicamentos?

O tratamento medicamentoso foi o de maior impacto na doença, mas é muitíssimo importante fisioterapia, porque os pacientes começam a ter dificuldades motoras, então é necessário ele treinar para poder burlar as dificuldades. Os pacientes de Parkinson têm um distúrbio de voz, eles começam a falar cada vez mais baixo, têm dificuldade para se expressar. Por conta disso, fonoterapia também é essencial. Exercício físico também é muito importante, para manter a qualidade de vida em geral, e terapia ocupacional, para tentar manter o paciente ativo. Uma vez que a medicação não controla os sintomas ou quando há muitos efeitos colaterais inadequados, é preciso oferecer a cirurgia. Na verdade, o primeiro tratamento do Parkinson foi a cirurgia, depois que se descobriu as medicações. Por conta dos efeitos colaterais, que em alguns casos são muitos, a cirurgia retornou. Pode ser feita através da lesão de uma região do cérebro envolvida no circuito do Parkinson ou por meio de estímulos elétricos, que não se sabe como, mas melhoram muito a qualidade de vida e os sintomas motores.

 

Todos esses tratamentos já são bastante conhecidos e usados. Há alguma novidade nessa área?

Tem algumas coisas novas saindo. Por exemplo, há uma bomba de infusão contínua de levodopa [medicamento usado pra tratamento da doença] intestinal, tem bombas subdérmicas de medicações, mas o que mais se pesquisa hoje em dia são as terapias genéticas. A gente não tem nada concreto ainda, mas existem várias linhas de pesquisa nesse sentido. É implantado um vetor, que é um vírus, e ele vai entregar na célula um certo material genético que vai tentar produzir proteínas para mudar aquela doença. Eu acho que esse é o futuro da cura do Parkinson, mas ainda não dá para dizer quando ela chegará.

 

 

Por conta da doença, o paciente se torna bastante dependente de outras pessoas. Qual a importância desse suporte para o tratamento?

O Parkinson não tem cura. Toda doença que não tem cura gera um impacto muito grande no ponto de vista emocional. É preciso lidar com toda aquela carga que muda a vida dela completamente. O apoio familiar é importantíssimo, além do apoio de cuidadores. Como é uma doença progressiva, é preciso começar a se programar sobre o que será feito quando acontecer cada coisa. Os pacientes que têm apoio familiar grande se dão muito melhor. Inclusive, para tratamento cirúrgico é preciso que o paciente tenha toda uma logística adequada em torno dele. As associações de paciente também são muito importantes para todas as doenças. Aqui na Bahia temos a Associação Baiana de Parkinson e Alzheimer que acolhe esses pacientes muito bem, com toda uma estrutura para informar os pacientes e familiares. É importante ter sempre uma equipe multidisciplinar tratando, com neurologista, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional e, quando tem a indicação, um neurocirurgião para avaliar se a cirurgia vai ser benéfica ou não.

 

O senhor acredita que os hospitais e a comunidade médica estão preparados para lidar com o Parkinson, principalmente com essa questão do envelhecimento da população?

A gente ainda tem pouca mobilização no Brasil, mas vejo isso de forma geral para todas as doenças. Nos Estados Unidos, quando a gente vai comparar, vê uma preocupação e preparo muito maior com relação a informação. Comparativamente, estamos muito atrasados com relação à difusão de informações, uma rede de assistência, o paciente não sabe quem procurar, como é o tratamento... É preciso termos uma difusão de informação maior, principalmente com essas doenças que estão mais em foco. Não dá para falar do ponto de vista político porque não há nada estruturado, mas a gente [classe médica] precisa se unir às associações principalmente, porque um médico não vai resolver. É preciso ter também um hospital de referência, o que ainda não temos aqui em Salvador na parte pública. O paciente de Parkinson do SUS tem um tratamento medicamentoso adequado, mas não consegue a cirurgia, por exemplo. Isso ainda precisa caminhar bastante e envolve política, através da liberação de recursos e estrutura.