Usamos cookies para personalizar e melhorar sua experiência em nosso site e aprimorar a oferta de anúncios para você. Visite nossa Política de Cookies para saber mais. Ao clicar em "aceitar" você concorda com o uso que fazemos dos cookies

Marca Bahia Notícias Saúde

Entrevista

700 mil brasileiros poderiam estar enxergando com diagnóstico precoce de glaucoma

Por Júlia Vigné

700 mil brasileiros poderiam estar enxergando com diagnóstico precoce de glaucoma
Foto: Divulgação
O glaucoma é a segunda causa de cegueira no mundo, perdendo apenas para a catarata, segundo um estudo realizado pela Evidências – Kantar Health. Irreversível, a doença atinge o nervo ótico, que faz a transmissão de imagens do olho para o cérebro. Desenvolvendo-se lentamente, o paciente não percebe que possui o glaucoma até perder 90% do nervo ótico. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 285 milhões de pessoas no mundo vivem com baixa visão ou cegueira. No Brasil, o número de cegos chega a 1,2 milhões, dos quais cerca de 60% a 80% são casos evitáveis ou tratáveis. Em entrevista para o Bahia Notícias, Remo Susanna Júnior, professor e chefe do departamento de oftalmologia da Universidade de São Paulo (USP), afirmou que é de extrema importância a visita frequente ao oftalmologista, principalmente para os pacientes que possuem histórico familiar da doença. 700 mil brasileiros poderiam estar enxergando se tivessem recebido diagnóstico e tratamento apropriado a tempo, ainda de acordo com a OMS. Cerca de 2% da população mundial é afetada pelo glaucoma, podendo chegar a 7% em pessoas com mais de 70 anos, de acordo com o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO).
 
O que é o glaucoma? Quais são os sintomas?
Oglaucoma é uma lesão do nervo ótico. O nervo ótico é o nervo que conduz a imagem do olho ao cérebro. Ele não tem dores, não sente frio ou calor, só transmite a imagem. O glaucoma leva essa estrutura impedindo a comunicação do olho com o cérebro. De tal forma, que mesmo com o cérebro em perfeito estado, a pessoa não enxerga. É uma doença geralmente associada as pressões intra-oculares elevadas, mas não obrigatoriamente. Pode ter uma pessoa que tenha uma pressão média baixa no olho, mas que aquela pressão seja alta para aquele olho, o que pode danificar o nervo. Existem 25 tipos ou mais de glaucoma. O mais comum deles, que é chamado glaucoma de ângulo aberto, ocorre praticamente entre 4 a 6% da população acima de 45 anos e de 10 a 12% das pessoas acima de 65 anos. O glaucoma é totalmente assintomático, a pessoa não percebe nada. Quando a pessoa começa a perceber mesmo, ela já perdeu 90% do seu nervo ótico. Daí um fato importantíssimo que é o diagnóstico da doença pelo médico. É muito importante que familiares de pacientes que tiveram glaucoma sempre alertem o seu oftalmologista e perguntem qual é o estado do nervo ótico e como está a pressão. Os familiares têm entre 10 e 15% de mais chances para desenvolver a doença do que quem não tem histórico na família.
 
Qual é o grupo de risco da doença? Quais são as formas de prevenção?
Os negros têm mais tendência a ter o glaucoma. Chega a ter quase o dobro de chance de desenvolver a doença. Os diabéticos e os míopes também têm mais tendência. Esses são os principais grupos de risco. Para prevenir a doença, o paciente deve ir regularmente a um oftalmologista e se ele tiver um parente com glaucoma, deve avisar ao seu médico. Se a pessoa estiver nos grupos de risco, deve obrigatoriamente passar no oftalmologista uma vez por ano. Normalmente o paciente não frequenta o oftalmologista por achar que está enxergando bem. Mas isso não é argumento porque, como eu disse, o paciente só vai perceber a doença quando já perdeu quase 90% do nervo ótico. Então é uma excelente oportunidade de detectar a doença antes que ele note. 
 
 
Como é viver com a doença? Existem tratamentos novos? Possíveis curas?
Não existe cura para o glaucoma. O glaucoma é controlável, mas não é curável. Existem vários tratamentos e várias formas novas de tratamento, como colírios novos mais potentes. Geralmente se começa o tratamento com colírios e, quando eles não são suficientes, em alguns casos são usados lasers, e quando isso também não é suficiente existem vários tipos de cirurgias possíveis e colocação de implantes no olho para aumentar a drenagem e diminuir a pressão do olho. Isso é importante porque, embora a pressão não seja tão importante para o diagnóstico da doença, ela é crucial no tratamento. É o único fator que nós podemos mudar para reduzir ou parar a progressão da doença. 
 
Para o paciente que se submete a cirurgia, qual o tempo médio de recuperação?
A cirurgia mais comum é a trabeculectomia que tem o tempo médio de recuperação entre 4 a 6 semanas. Nessa cirurgia se faz um pertuito no olho que não existia. E o organismo vai querer fechá-lo através do poder da cicatrização, que é uma das armas mais poderosas que o ser humano possui. O que nós temos que evitar é que o pertuito cicatrize, ele deve manter aberto. Esse período de 4 a 6 semanas é decisivo para que haja um controle disso.
 
Quando se opera o glaucoma o problema da pressão está resolvido?
Entre 85% a 95% dos casos a gente consegue baixar a pressão com auxílio de colírios ou só com a cirurgia. Em torno de 85% a 95% você consegue abaixar essa pressão com a cirurgia convencional. Quando isso não é alcançado, podemos ir aos implantes que irão começar o ciclo destrutivo, onde a parte do órgão que produz líquido no olho é destruída, assim ele produz menos líquido, diminuindo a pressão.
 
As pessoas ainda costumam confundir glaucoma e catarata. Quais as diferenças entre elas?
A catarata é uma doença do cristalino. É uma opacidade do cristalino, que é a lente que você tem dentro do olho. Você tem duas importantes lentes no olho: uma é a córnea, que tem 44 graus na sua parte central e só tem meio milímetro de espessura; e a lente interna, essa assim é auto regulável, foca em várias posições da visão, que é o cristalino, que tem esse nome por ser tão transparente como o cristal. Quando ele se opacifica, ele se chama catarata. Operando-se a catarata, substituindo essa lente do olho que travou por uma outra, o paciente recupera totalmente a visão. Já o glaucoma, o que ele perdeu é irreversível. A cirurgia não reverte a parte que foi perdida da visão. A cirurgia com o tratamento diminui a chance de a doença continuar progredindo. 
 
Recentemente em mutirões de glaucoma e catarata alguns pacientes ficaram cegos e tiveram que tirar o globo ocular. Os casos ocorreram em mutirões de São Paulo e na Bahia. Existe riscos nesse tipo de atendimento? 
Existe, tanto é que aconteceu isso. Não foram cirurgias de glaucoma, foram só cirurgias de catarata. Não existem mutirões de glaucomas disseminados no Brasil, de vez em quando pontualmente fazem-se os mutirões para diminuir a fila de espera dos hospitais. Mas isso ocorreu em uma cirurgia de catarata por contaminação seriada que levou a uma infecção intraocular gravíssima que acaba gerando, com frequência, uma remoção do globo ocular.
 
Qual é a probabilidade da cirurgia dar certo?
Apesar do tratamento nos Estados Unidos, no último recorte que saiu, 15% dos pacientes tratados fiaram cegos. Mesmo tratados. O tratamento não significa que o paciente vai evitar a cegueira. O tratamento correto, bem seguido, com o paciente usando a medicação como prescrita, essa sim evita a cegueira. Mas o simples fato de tratar não quer dizer que o paciente não fique cego. O paciente precisa frequentar o oftalmologista, fazer exames de campo visual, medidas de pressão e picos de pressão. O paciente com glaucoma tem que ser sempre bem tratado e realizar exames frequentemente para verificar o estado da doença, além de seguir rigorosamente a prescrição médica.