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Personalização distante das pessoas

Por Arthur Accioly Rosa

Personalização distante das pessoas
Foto: Divulgação

O crescente conhecimento acerca do perfil biológico de cada tumor possibilita que os pacientes recebam um tratamento cada vez mais personalizado e multimodal, que pode contemplar cirurgia, quimioterapia, radioterapia, imunoterapia e terapias-alvo. A demanda por essas modalidades é alta. São estimados para 2018, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), 600 mil novos casos de câncer, sendo que 6 entre 10 pacientes receberão, em algum momento, a indicação de radioterapia.

 

A modalidade mais adotada no Brasil ainda é a radioterapia convencional, que, ao contrário das técnicas mais modernas, não permite uma definição precisa do tumor e dos tecidos saudáveis adjacentes. Com ela, a radiação ionizante é aplicada em grandes volumes, aumentando o risco de complicações pela irradiação desnecessária e imprecisa dos tecidos sadios. Infelizmente, mesmo essa técnica antiga e pouco personalizada está fora do alcance de 40% da população vinculada ao Sistema Único de Saúde (SUS), que não tem acesso a qualquer tipo de radioterapia.

 

Hoje o SUS é responsável pela cobertura de 80% da população brasileira. Além dadesassistênciade mais de um terço dos pacientes elegíveis à radioterapia, não oferece cobertura a tecnologias já estabelecidas internacionalmente no seu tratamento. Mais do que siglas, IMRT e IGRT são técnicas que permitem a personalização da radioterapia, aplicando a doses de radiação de forma mais precisa e segura, preservando as células sadias. Essa personalização está longe do alcance dos pacientes do SUS.

 

Caso a caso, seja por meio das técnicas mais modernas ou ainda pela modalidade convencional, a radioterapia tem um amplo leque de indicações, tanto radicais e curativas como para paliação e alívio de sintomas. Pode ser indicada para reduzir o tumor antes da cirurgia (neoadjuvante), comocomplementar à cirurgia (adjuvante) ou ainda como tratamento isolado associado ou não quimioterapia. Em outros casos, como quando um paciente, por exemplo, desenvolve metástase óssea (o que causa muita dor), pode ser utilizada para controlar esse sintoma.

 

Em câncer de mama, por exemplo, pode ser usada de forma complementar à cirurgia conservadora da mama, evitando a necessidade de mastectomiae poupando a paciente da mutilação. Outro exemplo marcante é o câncer de laringe, onde a radioterapia, combinada com a quimioterapia, permitem que o paciente preserve a voz e evitam que o paciente passe a depender de respirar por uma traqueotomia (orifício no pescoço) para o resto da vida.

 

OS NÚMEROS DA CRISE

Cerca de 360 mil pacientes por ano necessitam, em algum momento, de acesso à radioterapia no Brasil. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima a necessidade de um equipamento (acelerador linear) paraentre 450 a 600 pacientes. Deveria haver 600 a 800 máquinas em operação no Brasil para atender a demanda. Por sua vez, segundo a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), em 2017 existiam 371 aparelhos certificados para funcionamento no país. Um estudo realizado pela Sociedade Brasileira de Radioterapia mostra que 5 mil mortes anuais por câncer no país seriam evitadas caso houvesse acesso à radioterapia pelo SUS.

 

Comparativamente, a Holanda tem a mesma necessidade de máquinas por habitantes. Apesar de sua dimensão territorial bem inferior à brasileira, conta com 25 hospitais-escola de primeira linha, possibilitando que 56% de todos os pacientes do país sejam tratados em centros acadêmicos com as mais modernas técnicas de radioterapia.

Além disso, são 8 anos sem alteração do valor pago por cada procedimento. Pior, antes do reajuste ocorrido em 2010, não havia aumento há 10 anos. Vive-se, portanto, o déficit do déficit. Outro agravante é o fato que o tempo médio de vida dos aparelhos é de 15 anos. Nesse sentido, até mesmo as máquinas do programa Expande, de 2002, que foi a última grande distribuição de aceleradores lineares feita pelo governo federal, já estão sucateadas. Em resumo, falta acelerador e, dos quais o país dispõe, não se consegue usar a sua capacidade máxima. O caminho para mudança deste cenário passa por planejamento e vontade política, virtudes, infelizmente, distantes da maioria dos gestores de saúde pública do país.

 

*Arthur Accioly Rosa é Médico radioterapeuta e presidente da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT)

 

* Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias