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'Rouanet baiana', Fazcultura não emplacou nem metade dos recursos em 2021

Por Bruno Leite

'Rouanet baiana', Fazcultura não emplacou nem metade dos recursos em 2021
Foto: Fernando Vivas/GOVBA

Exatos R$ 5,09 milhões foram revertidos para a cultura baiana pela iniciativa privada através do Programa Estadual de Incentivo ao Patrocínio Cultural (FazCultura) em 2021. A quantia, apesar de milionária, representa apenas um terço do teto anual de R$ 15 milhões garantido pela legislação.

 

O campo não consegue chegar perto da cifra máxima desde 2014, quando iniciativas conseguiram captar cerca de R$ 14,9 milhões. Desde então, a série de execuções foi ficando cada vez menor, com outro único pico em 2016, ano em que a marca de R$ 13,4 milhões foi alcançada.

 

Em 2020, auge da pandemia que abalou diretamente o setor, apenas R$ 1,78 milhão foi injetado pelas empresas através da política de fomento, que oferece renúncia fiscal do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) a apoiadores.

 

O mecanismo, bem parecido com as leis incentivo cultural do governo federal (antiga Rouanet) e municipal (Viva Cultura), beneficia as empresas que patrocinam os projetos realizados no estado com até 80% do valor total.

 

A conta parece simples: o setor privado apoia e o governo deixa de arrecadar grande parte do que foi investido. Mas a conta tem outros fatores, como o crivo de comissões, contrapartidas sociais e a boa vontade de empresas em promover ações que direcionem recursos para essa finalidade.

 

"A aprovação de um projeto na lei de incentivo é na verdade o passo mais simples porque se um projeto é artisticamente e tecnicamente viável, ele é facilmente aprovado pelas comissões de avaliação", ressalta o produtor cultural Romário Almeida, membro do Conselho Municipal de Política de Cultural de Salvador (CMPC). 

 

Segundo ele, o gargalo começa com a relação desequilibrada entre atividades que têm o aval e as que conseguem efetivar o patrocínio: "Uma vez que o projeto é aprovado na lei de incentivo, é responsabilidade do proponente buscar um patrocinador na iniciativa privada que tenha interesse".

 

E a tarefa de convencimento recai sobre os realizadores, que buscam setores de comunicação e marketing de devedoras de tributos a fim de definirem que o saldo será pago de outra maneira ao Estado.

 

"Elas não patrocinam apenas pelo fato de que é importante estimular a cultura. Há uma apropriação dessa ferramenta, sobretudo, por um retorno de imagem", relata Romário, ao dizer que há uma dificuldade em acessar estes espaços empresariais.

 

De acordo com ele, uma eventual intervenção do governo para promover encontros entre as duas pontas da indústria "não é vista com bons olhos", uma vez que o ente não tem esta função de captador e a movimentação poderia prejudicar a autonomia dos agentes.

 

Ao todo, 25 atividades puderam receber o patrocínio da iniciativa privada no último ano. Todas elas, antes de receber o carimbo da Secretaria de Cultura da Bahia (Secult) e depois da Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz), órgãos que fazem a gestão compartilhada do Fazcultura.

 

No raio de beneficiários estão desde filmes e livros até peças de teatro, festivais de música e dança, gravações de discos, premiações e outras manifestações.

 

Responsável pela coordenação do programa, Neusa Martins explica que, na perspectiva da articulação, o poder público vem cumprindo uma posição de não intervir diretamente na relação entre partes. "O que a gente vem tentado fazer é agendar encontros para que essas pessoas possam dialogar", disse.

 

Martins conta que a Secult deve, a partir do segundo semestre, colocar em curso uma ação para que proponentes e patrocinadores apresentem suas ideias. A mobilização conta com o apoio da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), que aglutina gestores das principais fábricas baianas.

 

O intuito seria o de ganhar mais apoio. Em 2021, apenas dez razões sociais apoiaram os 25 projetos com pareceres concedidos (veja lista completa aqui). No ano de 2014, mais de 30 empresas apoiavam atividades culturais no estado (confira aqui).

 

"De 2015 até o momento que estamos vivendo, nós sabemos, há uma crise política e econômica no país que vem impactando muitos campos, principalmente na cultura. De 2020 para cá o impacto foi ainda maior", destaca a coordenadora ao tratar sobre a situação. 

 

Ela explica que, quando aprovado pela comissão, o projeto tem o aval para captar durante dois anos. No período citado, o Fazcultura se propôs a cumprir o desafio de atender pelo menos 50% da execução orçamentária. 

 

Não há impeditivos para que as empresas que contribuam com o ICMS apliquem os recursos em atividades de outras cidades, por exemplo, mas o fator é mais uma barreira na conta, pelo que observa a categoria.

 

Gilmar Dantas, produtor do Festival Suíça Bahiana, em Vitória da Conquista, reclama da concentração dos patrocínios: "Para quem é do interior, há toda dificuldade. Vitória da Conquista não capta pelo Fazcultura desde 2012. Tem dez anos que o Fazcultura não chega aqui, e estou falando da terceira maior cidade da Bahia, imagina os outros 400 municípios fora da Região Metropolitana de Salvador".

 

Editais descentralizados têm sido uma saída para a classe. Através deles, as empresas abrem chamadas para que proponentes se inscrevam. "A única forma de chegar é através de editais específicos", descreveu, explicando que a última captação do município aconteceu junto a uma operadora de celular.

 

O formato também é apoiado pela coordenação do programa, representada por Neusa Martins, defendendo que até 2015, quando o regulamento foi atualizado, "a captação descentralizada não tinha tanta evidência".

 

Um ponto de concordância entre os entrevistados é de que a política, apesar de ter redutores no caminho, abarca expressões diversas dentro do terreno das artes e da cultura, principalmente depois da pandemia, e oferece uma garantia de que não haverá um superfaturamento de cachês, da maneira que foi revelado pela chamada "CPI do Sertanejo" (saiba mais aqui)

 

"A partir do momento que o direcionamento passa para as redes sociais e outras tecnologias, há uma mudança de estratégia. Não é uma coisa que conflite com a outra. As linguagens mais tradicionais da cultura também têm se aproximado muito desse ambiente, tentando disputar esse espaço para garantir que as empresas continuem patrocinando e tenha esse escoamento também no digital", considera Romário, que vê um avanço da comunicação.

 

Gilmar Dantas diz que, assim como outras políticas, o Fazcultura se adequou ao movimento de transposição ou coexistência virtual-presencial. "Não vi nenhum produtor se queixando que as leis não aceitaram mudanças. No princípio sim, mas todos acabaram se adaptando para isso".

 

Já Neusa diz que o programa estadual tem como diferencial o fato do estado ter "suas particularidades, seus critérios de regulação de marketing cultural, tanto para o proponente quanto para o patrocinador".

 

Quanto ao valor pago a artistas, por exemplo, um dos critérios julgados pela comissão que dá o crivo para as proposta é de que o cachê não supere 20% do montante total de cada projeto.