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Feira ainda tem única célula neonazista da Bahia; MP-BA arquivou investigação

Por Nuno Krause / Bruno Leite

Feira ainda tem única célula neonazista da Bahia; MP-BA arquivou investigação
Foto: ACM / SECOM PMFS

A célula neonazista de Feira de Santana, identificada pela antropóloga da Unicamp, Adriana Dias, em 2019 (veja aqui), continua em funcionamento. De acordo com a pesquisadora, o grupo está entre os que negam o Holocausto, genocídio de 6 milhões de judeus promovido por Adolf Hitler e a Alemanha nazista. O núcleo, de acordo com o levantamento, seria o único da Bahia.

 

O Ministério Público da Bahia (MP-BA) chegou a abrir um inquérito para investigar o caso (lembre aqui), mas o arquivou antes mesmo da fase preliminar. Ao Bahia Notícias, a promotoria responsável confirmou a informação, justificando que a investigação, de fato, careceu de dados.

 

“Informamos que a 2° Promotoria de Justiça de Feira de Santana arquivou a notícia de fato após tentar e não conseguir coletar informações que pudessem deflagrar a investigação, com a pesquisadora da Unicamp, responsável pelo estudo. Os dados serviriam para complementar as informações apresentadas ao Ministério Público, de maneira a tornar viável a investigação preliminar dos fatos”, disse o órgão através de nota.

 

O estudo exemplifica um cenário de crescimento de grupos semelhantes em todo o Brasil. Adriana Dias pesquisa o neonazismo no país desde 2002. Em 2019, ela apontou a existência de 334 células extremistas - neonazistas, em maioria. Em 2021, esse número cresceu para 530. 

 

Houve um crescimento de 270,6% de janeiro de 2019 a maio de 2021. Antes, os núcleos se concentravam na região Sul do Brasil, mas se espalharam para as cinco regiões.  

 

O levantamento mostra que os grupos se dividem em até 17 movimentos, como os hitleristas, os supremacistas/separatistas, os de negação do Holocausto - como o de Feira de Santana - ou até mesmo seções locais da KKK (Ku Klux Klan).


 
As células são formadas por até 40 pessoas que compactuam de ideais e atividades comuns. Os neonazistas têm como ideologia a promoção da intolerância, seguindo os ideais de pureza racial e superioridade nazi.


 
O crescimento no número de grupos extremistas no Brasil coincide com o atual momento político do país, como destacou, em 2021, o historiador Carlos Zacarias, da Universidade Federal da Bahia (Ufba). 


 
“Temos um governo que é o mais próximo do que tivemos do fascimo na história do Brasil, com exceção ao Estado Novo. [O governo atual é] repleto de gente que apoia extrema-direita, supremacistas, acordos absurdos com teocracias fundamentalistas. Isso envergonha o Brasil. Eu sou historiador, e meus livros de fascismo estavam empoeirados. Hoje, eu vejo o fascismo fungar no nosso cangote”, afirmou, à época, em entrevista ao Bahia Notícias (relembre aqui). 


 
O caso mais recente e público que gerou discussões sobre apologia ao nazismo foi o do jornalista e ex-BBB Adrilles Jorge. Após se despedir com um gesto associado à saudação instituída por Hitler na Alemanha do programa ‘Jovem Pan News’ (veja aqui), ele foi demitido da emissora.


 
No Twitter, o escritor publicou um vídeo afirmando que foi demitido por dar “um tchau ao público que foi deturpado por canceladores”.

 

 

Outro momento que repercutiu em massa foi a demissão do youtuber Bruno Alub, mais conhecido como Monark, do Estúdios Flow, responsável pelo Flow Podcast. Durante um episódio com os deputados federais Tabata Amaral (PSB-SP) e Kim Kataguiri (DEM-SP), ele defendeu a existência de um partido nazista. 

 

“Eu sou mais louco do que vocês. Acho que tinha que ter partido nazista reconhecido pela lei”, disse o youtuber. 

 

Após ser boicotado por patrocinadores e duramente criticado nas redes sociais, Monark pediu desculpas, mas disse achar a reação desmedida. 

 

“Eu sofri as consequências, perdi o Flow, saí da empresa, pedi desculpas várias vezes, mas não acabam as retaliações. Parece que pessoas muito poderosas querem me destruir completamente e preciso da ajuda de vocês, porque isso não é justo, entendeu. Errar? Eu errei, mas as consequências estão muito fora de proporção”, afirmou, em vídeo publicado no Twitter.

 

 

BAHIA TEM HISTÓRICO
Na Bahia, a única célula neonazista identificada pela pesquisadora Adriana Dias foi em Feira de Santana. Mas isso não quer dizer que o estado e a própria cidade não tenham histórico de movimentos de extrema direita. Na década de 1930, ganhou força em diversos municípios do interior a Ação Integralista Brasileira (AIB), comandada no país pelo escritor e político Plínio Salgado. 

 

Com o lema “Deus, pátria e família. Avante!”, os integralistas se classificavam como ultranacionalistas, corporativistas, conservadores e tradicionalistas católicos. O símbolo do partido era um disco branco sobre um fundo azul, com um sigma maiúsculo (Σ) em seu centro, e eles costumavam usar camisas verdes. 

 

As características do movimento se assemelhavam principalmente ao fascismo italiano, coordenado pelo general Benito Mussolini. O cumprimento utilizado pelos integralistas era o “Anauê”, que presume-se vir do tupi, e significa “você é meu irmão”.

 

No interior da Bahia, o integralismo se concentrava na figura do dentista Juventino Pitombo. “Era uma figura que já tinha influência na cidade. Foi conselheiro municipal, e escrevia com alguma fartura textos de momento”, conta o professor Clovis Ramaiana, da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs).

 

Em todas as regiões do estado foram fundados núcleos municipais e distritais, como nos municípios de Jequié, Poções, Rio Novo (Ipiaú), Ilhéus, Itabuna, Belmonte, Santa Inês, Lençóis, Miguel Calmon, Maragogipe, Santo Amaro, Muritiba, São Félix, Feira de Santana, Serrinha, Cumbe (Euclides da Cunha), Tucano, entre outros. 

 

O movimento chegou a ter membros se candidatando a cargos políticos no estado e no Brasil, em 1935. Contudo, após a instauração do Estado Novo, Getúlio Vargas decretou a AIB ilegal, e os núcleos se desfizeram. 

 

Apesar disso, segundo Ramaiana, a ideologia se manteve. “De uma certa forma, se desarticula enquanto organismo. Mas as principais bases do integralismo tiveram alguma influência na formação de um pensamento conservador. Aqui em Feira, na abordagem de um olhar folclorizante sobre o passado. Esses grupos acabam mantendo, apesar da diminuição absurda do número de integralistas no país. Eles começam a ter um outro tipo de influência: a construção de um olhar conservador sobre o passado brasileiro”, explica o pesquisador. 

 

Prova disso é que o próprio Plínio Salgado, após voltar de seu exílio, com o fim do Estado Novo, lançou candidatura à presidência da República, em 1955, pelo Partido de Representação Popular (PRP). Ele obteve 8,28% dos votos. 

 

Mesmo diante das semelhanças, Clovis alerta para o cuidado de separar o integralismo dos atuais movimentos de extrema direita. O principal ponto, para ele, é a valorização dada à vida intelectual. 

 

“Os integralistas valorizavam muito a vida intelectual. Eles são grandes leitores, escreviam bastante. É impossível não discordar deles, mas é impossível dizer que esses caras são contra a vida intelectual. Os atuais, pelo menos aqueles que vejo sempre, têm uma leitura muito particular do mundo. Não posso dizer que todos são assim, mas o que observo é um anti-intelectualismo feroz, que remete mais a algumas frações do nazismo”, pontua.