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Entrevista

Eduardo Camargo, presidente do Instituto Baleia Jubarte

Por Clara Gibson

Eduardo Camargo, presidente do Instituto Baleia Jubarte
Foto: Reprodução / Conservation International

Há mais de 10 anos lutando para ter a sua área ampliada, o Parque Nacional de Abrolhos é o primeiro parque marinho do Brasil. Ele foi criado em 1983 para proteger a região com a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul. Atualmente, o local recebe milhares de turistas, sendo relevante para a economia local, e também é de grande importância para pescadores, além de sensibilizar a população para a preservação do meio ambiente. No entanto, com os seus 882 km², a área cobre apenas 1,8% do total do Banco Marinho de Abrolhos, no qual diversas espécies vivem no fundo do mar, sendo muitas delas únicas no mundo.

 

Em entrevista ao Bahia Notícias, Eduardo Camargo, presidente do Instituto Baleia Jubarte, associação que faz parte do conselho consultivo do Parque, afirmou que a reserva sofre ameaças como tráfico de grandes embarcações, pesca industrial, mineração e exploração de petróleo, motivos que explicam a necessidade da ampliação do local. Segundo ele, o processo já está em andamento, mas falta o avanço na parte burocrática para que a ampliação seja concretizada, bem como a falta de interesse governamental e vontade política para a ampliação.

 

O Instituto Chico Mendes (ICMBio) é responsável pela administração do Parque Nacional de Abrolhos, mas qual o papel do Instituto Baleia Jubarte nessa administração?

O Instituto Baleia Jubarte faz parte do conselho. Como é uma unidade de conservação, o Parque Nacional tem um conselho consultivo, que é formado por diversas entidades, associações, colônias de pesca, enfim, atores da região. O instituto faz parte deste conselho desde a criação dele. As unidades de conservação no Brasil tem dois tipos de conselhos. Alguns tem consultivo, onde são debatidos os principais assuntos, e tem outras unidades que são reservas extrativistas, que têm conselhos deliberativos que atuam diretamente na gestão, fazendo resoluções, regras, mas esse não é o caso do conselho do parque. Nós formamos um conselho consultivo.

 

De onde vem a renda para manter o parque? Existe alguma ajuda não-governamental?

São os recursos que o próprio governo arrecada, além de recursos de ingressos do próprio parque. Vem do orçamento da união, reforçado por muitas iniciativas internacionais, algumas bilaterais. Cada uma investiu uma boa quantidade de dinheiro e que apoiam algumas unidades. No país, cada unidade tem uma forma de se sustentar um pouco independente, baseada em projetos, em apoiadores, é meio complexo. No Parque de Abrolhos, todo o recurso é a União que oferece e que corre atrás e que providencia. Alguns deles não são recursos públicos, vindos de outras instituições, mas a gestão é pública. Toda a parte que paga funcionários, serviços vêm dos recursos públicos, acho que essa é a maior parte.

 

Qual a importância ambiental e econômica de manter o parque?

A região de Abrolhos é a região de maior biodiversidade do Atlântico sul. É a região com maior concentração de corais da costa brasileira, do Atlântico sul. É região de reprodução de baleias. Nós temos aqui uma série de espécies endêmicas, ou seja, que só ocorrem aqui. As formações de corais que ocorrem aqui, que se chamam chapeirões, que são colunas formadas de coral desde o fundo do mar até a superfície são únicas no mundo inteiro, então esse é um ambiente de extrema sensibilidade. Só por isso ele já tem a sua importância de ser reservado e protegido, além disso é esse ambiente, essa grande biodiversidade, que é responsável também por uma grande produtividade pesqueira que tem na região. Então com o aumento dos esforços pesqueiros, esses estoques vem declinando cada dia mais, então a gente precisa ter áreas protegidas sem atividades pesqueiras, sem atividades impactantes para garantir também a reprodução, o repovoamento dos estoques pesqueiros. E como um parque nacional tem a importância de atrair a visitação da população contribuindo para a sensibilização da sociedade para a questão ambiental. Então a gente também atua como um vetor de sensibilização e de mudança de comportamento para a sustentabilidade do planeta. A região aqui vive basicamente de pesca e turismo, então o parque é uma área de muita ou grande importância para a vida aqui na região.

 

O parque abriga o maior berçário das baleias jubarte no Atlântico sul. Entre julho e novembro, tem a chamada “temporada das baleias”. Quantos turistas são recebidos em média por ano nessa época?

Olha, a média de turistas eu não vou saber te informar, mas hoje nós temos uma alta temporada, a época de maior visitação, que antigamente era no verão, era próximo ao final do ano, as festas de começo do ano, esse pico mudou para julho, que coincide com as férias escolares, mas coincide com a presença das baleias. A presença das baleias é um dos principais atrativos, que mais atrai turistas para Abrolhos. Existem períodos com baixíssima visitação, mas no verão ainda se existe um fluxo grande aproveitando também as férias de final de ano e as condições melhores, porque o verão é a época que tem as condições meteorológicas mais adequadas para visitar o parque.

 

Quais as maiores dificuldades enfrentadas pela administração para manter o parque?

Eu acho que a fiscalização é sempre uma dificuldade. Mas eu acho que para manutenção do parque faltam recursos humanos, falta gente para trabalhar. Mas mais importante que isso são os riscos para o parque. Nós precisamos aumentar a proteção na região, a gente precisa aumentar o parque para ter uma área protegida maior. A gente está sempre sofrendo riscos como tráfico de grandes embarcações, a própria pesca, a pesca industrial, que cada vez  mais está se expandindo no país, ocupa novos espaços, a extração de gás e petróleo, a mineração. Hoje já existem iniciativas que eles querem minerar o fundo do mar, retirar estruturas que crescem no fundo do mar, são as algas calcárias, que demoram centenas de anos para se formar, milhares de anos, pra fazer fertilizantes para plantações de cana de açúcar. Esse desenvolvimento, esse risco da mineração, da exploração de petróleo é que a gente precisa se proteger. O parque hoje, com o tamanho que tem, não garante todo esse espaço.


Hoje o parque cobre apenas 1,8% da área total do Banco de Abrolhos, que tem uma área total de quase 50km², por qual motivo o parque não cobre toda a área?

A área toda do Banco de Abrolhos é muito grande, utilizada por muitos atores, tanto navegação quanto a pesca, então se cobrisse toda a área do banco a gente ia impedir uma série de atividades econômicas que são importantes e necessárias, mas só 1,8% também corre o risco de não ser suficiente para garantir a sustentabilidade de toda essa área. Então é isso que a gente está querendo, que a área do parque seja aumentada. Não para todo o banco, mas para uma porção um pouco maior um pouco mais significativa, para que garanta a proteção com uma maior segurança da biodiversidade. Inclusive, o parque foi criado em 1983 e, de lá pra cá muitas pesquisas, muitas atividades na região aumentaram o conhecimento. Hoje a gente já conhece novos habitats submersos que existem no Banco de Abrolhos, que na época não se conheciam e que não tem proteção nenhuma. São as algas calcáreas, que são as buracas, estruturas que se formam no fundo do mar que abrigam uma grande quantidade de peixes, que não tem proteção nenhuma, estão fora do parque. A ideia seria expandir o parque para essas áreas para proteger esse habitats que foram descobertos e uma área maior para que pudesse garantir a sobrevivência dessa biodiversidade à longo prazo.  

 

Essa pauta é discutida há quanto tempo? O que falta para esse aumento da área ser efetivado?

A ampliação do Parque já é discutida desde 2002 mais ou menos, ou seja há pelo menos 15 anos. Atualmente acho que faltam burocracias. Falta o processo burocráticos disso avançar. Muitos conhecimentos já foram gerados, já se compreende quais são as áreas mais prioritárias de se proteger, já houve uma série de oficinas com os pescadores para entender quais são as áreas mais importantes para os pescadores, evitando assim essas áreas, para garantir a continuidade da pesca. Eu acho assim, a informação que temos já é suficiente, falta agora avançar, falta o interesse governamental e vontade política para a ampliação do parque.


O que motivou a campanha #MaisAbrolhos, que visa a ampliação do parque?

É uma ação nossa, uma ação da sociedade civil, do Instituto Baleia Jubarte junto com uma série de outros parceiros pedindo que o governo olhe por nós, que olhe pelo parque, que se movimente para garantir a ampliação. Se a gente for adiando, amanhã podem ter plataformas de petróleo, pode ter mineração dessas áreas causando estragos e danos irreversíveis, como a gente já conhece outras áreas do nosso país que já passaram por esse processo, a bacia de Campos, por exemplo. Então é isso, a intenção é que a gente mova essa iniciativa. Existem muitas discussões, muitos conflitos, como toda criação de unidade de conservação, existem diversos interesses em jogo, mas que cabe ao ICMBio e ao governo, ao Ministério do Meio Ambiente, determinar as diretrizes de conservação de prioridade da nossa região.


Como está o andamento do processo?

Ele continua na diretoria de criação do ICMBio, está avançando em alguns aspectos mas precisa de mais celeridade, mais pressão, precisa ser mais rápido. Nós temos informações de bastidores que o presidente e o ministro são favoráveis a ampliação, mas o processo tem que chegar na mão dele, e ainda não chegou, então precisa acelerar os trâmites dentro do ICMBio.

 

Como o governo do estado se posiciona a respeito dessa questão?

Pois é, nós tivemos, há alguns anos atrás, acho que foi em 2010, uma iniciativa do governo de fazer a ampliação do parque, não só do parque mas um mosaico de unidade de conservação no Banco de Abrolhos, chegou a ser marcadas audições públicas para isso, mas no final eles voltaram atrás justamente porque faltou articulação do Ministério do Meio Ambiente junto aos governos do estado. Na época, da Bahia e do Espírito Santo porque as unidades propostas estavam nos dois estados, então atualmente a gente não conhece a opinião do governo do Estado da Bahia quanto a esse assunto porque até esse momento a articulação necessária pra isso não foi feita. Eu acredito que o Ministério do Meio Ambiente e o ICMBio estão aguardando a definição dos limites, qual a proposta real de ampliação, porque sem essa proposta não é possível sentar para discutir. Nós temos tentado nos comunicar com o governador e com o secretário do Meio Ambiente, mas sem sucesso, porque esse período de eleições é meio complicado, Então eu acho que o governo do Estado não está informado, não sabe das intenções do ministério e do ICMBio para ampliar, eu não posso dizer. Agora é essencial que isso aconteça, porque nenhuma unidade de conservação pode ser criada ou ampliada sem o consentimento do estado. Eu tenho certeza que o Ministério do Meio Ambiente vai ouvir o governo do Estado antes de qualquer coisa, é mais uma etapa que precisa ser cumprida.

 

Uma vez ampliada a área de proteção do Parque, como ele será gerido, levando em consideração as dificuldades de administração já apresentadas?

É complicado isso, é uma questão muito delicada, mas o mais importante na criação não são os riscos que a unidade atravessa pela falta de pessoal ou pela falta de fiscalização. Os maiores riscos para o ambiente são esses grandes empreendimentos que podem vir a acontecer. Então realmente, vai ser mais um desafio, que vai ser vencido com novos recursos, com novas captações de recursos, com novas tecnologias que estão surgindo a cada dia. O próprio ICMBio tem investido muito no uso de drones para a fiscalização. Então são novos caminhos que o conselho do parque, junto com os gestores vão ter que traçar e buscar. Mas a própria ampliação do parque é uma oportunidade de captação de recursos. Existem muitos recursos internacionais destinados a áreas protegidas, mas os próprios investidores tem que ter mais confiança na intenção de proteção para colocar mais recursos à disposição, então isso seria uma ótima propaganda do governo brasileiro para captar mais recursos, é como se dissesse "olha estamos protegendo mais, nos ajudem mais". O Banco de Abrolhos é único e ainda não está garantido só com o parque no tamanho que está, precisamos avançar.