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A implementação da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos

A implementação da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos
Foto: Acervo pessoal

Após 14 (catorze) meses de publicação da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – NLCCA, muitos debates têm sido travados no âmbito da doutrina especializada, e nos Tribunais de Contas quanto à aspectos sensíveis e até mesmo polêmicos da norma, esta que se encontra em pleno processo de regulamentação/normatização/implementação.

 

O objetivo deste breve trabalho não é enfrentar, em sua totalidade, tais pontos, requeredores de intenso debate, mas sobretudo, refletir a respeito de algumas premissas que devem ser discutidas, neste processo de maturação da NLLCA, à luz da necessária observância ao Princípio da Segurança Jurídica, compromisso da própria lei, através do seu art. 5°; que, importa ressaltar, já era uma das premissas estabelecidas na Lei 13655/2018, que alterou a  Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB; esta que, por sua vez, objetiva atribuir maior segurança jurídica no processo de regulamentação, interpretação e aplicação da legislação ínsita ao Direito Público. 

 

Não é despiciendo assinalar o que prevê a LINDB, em um de seus importantes dispositivos: Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas

 

Diante da implementação de uma nova lei de contratações públicas, que impõe uma série de desafios não apenas aos entes, mas também aos Tribunais de Contas, estes responsáveis pela fiscalização da administração pública, se faz imprescindível refletirmos sobre a estabilidade e segurança jurídicas, na direção de garantir maior tranquilidade na concretização dos objetivos da NLLCA, sobretudo considerando alguns posicionamentos teóricos que colidem com a clara intenção do legislador, quando este foi preciso em alguns de seus dispositivos. Ou até mesmo diante de tentativas de suprir lacunas da norma, através da doutrina e, principalmente pelos órgãos de controle; o que gera, em alguns casos, uma instabilidade jurídica significativa. 

O que não significa, obviamente, dizer que a doutrina e a jurisprudência no âmbito dos Tribunais de Contas não sejam importantes na promoção do debate sobre a novel norma, aliás serão fundamentais para o aperfeiçoamento da NLLCA.

 

O que está aqui a afirmar é que, neste momento, de consolidação da NLLCA, o que se espera é a busca de estabilidade da norma, o que perpassa, ao nosso ver, pela interpretação e regulamentação nos fiéis termos da nova lei de licitações e contratos administrativos, devendo as valiosas contribuições doutrinárias e dos Tribunais de Contas serem debatidas, por exemplo, junto à União, que detém competência privativa para legislar sobre normas gerais de licitações e contratação (art. 22, XXVII da CRFB/88), numa tentativa de se implementar um movimento organizado de alteração e aperfeiçoamento da norma, na medida em que é possível reconhecer, com certa tranquilidade, que existem normas materialmente específicas no texto da NLLCA, inclusive identificadas em diversos trabalhos doutrinários.

 

Não se pode olvidar, que aos tribunais de contas sempre foram atribuídos uma certa “queixa” quanto a sua atuação como legislador positivo, na interpretação de normas afetas ao sistema normativo estabelecido na Lei 8666/93, e neste caso, não necessariamente por estas razões, a LINDB foi alterada para dar maior segurança jurídica aqueles que atuam no Direito Público, inclusive privilegiando a segurança jurídica.

 

E nesta direção, interpretações, além do texto legal, já são publicamente conhecidas, tais como: a possibilidade do “carona” entre municípios, infelizmente não prevista na NLLCA (art. 86, §3°), da inclusão da “singularidade” nas contratações diretas por inexigibilidade, quando o art. 74, III (diferente da Lei 8666/93) não elencou tal requisito como condição para contratações dos serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual, com profissionais ou empresas de notória especialização.

 

Outra questão polêmica é aquela oriunda do art. 6°, LV e 8°, caput, que definem o agente de contratação (que se insere o pregoeiro) como servidor efetivo ou empregado público dos quadros permanentes da Administração. Em que pese se possa reconhecer que esta norma é materialmente específica, a NLCCA afasta claramente a possibilidade de que seja ocupado por “comissionado”, e neste caso qualquer orientação diversa, além de inovar no mundo jurídico, (salvo, o afastamento dos dispositivos através de uma Ação de Direta de Inconstitucionalidade, julgada pelo Poder Judiciário), cria uma manifesta insegurança jurídica, sobretudo considerando um país de vasta dimensão territorial.

 

Lembrando, por oportuno, que a própria NLLCA estabeleceu um prazo de 06 (seis) anos para que municípios de até 20.000 (vinte mil) habitantes possam cumprir a regra, o que nos leva a conclusão de que a exigência do requisito acima citado é obrigatória quanto ao referido agente de contratação, independente de entendermos no sentido de uma possível usurpação de competência da União ao estabelecer tal regra a outros entes.

 

Imaginemos, por exemplo: qual o critério de afastamento do requisito “servidor efetivo ou empregado público dos quadros permanentes da Administração” para o agente de contratação? Como avaliar a justificativa do município de não ter, em nenhum dos seus 5000 (cinco mil) servidores efetivos, alguém capaz ou qualificado de ser agente de contratação ou até mesmo pregoeiro? Como os tribunais de contas avaliarão a justificativa do seus fiscalizados? Promoveriam uma auditoria para analisar a formação dos servidores efetivos? Como seria a avaliação de um município de 35.000 habitantes e aquele de 250.000 habitantes, que justificam o agente de contratação como cargo comissionado? Nos parece que este é um caso crasso de avaliação subjetiva do julgador (com possibilidade de aplicação de penas pecuniária aos gestores), e neste caso a insegurança jurídica se estabelece.

 

Ainda na esteira de exemplos, imaginemos que os órgãos de controle entendam que a não elaboração do Plano de Contratação Anual previsto no caput do art. 18 da NLLCA, de natureza facultativa (infelizmente, diante da sua importância, como bússola da contratação, aperfeiçoando o planejamento da contratação e evitando o improviso e aquisições desnecessárias diante da escassez dos recursos públicos) – vide a expressão “sempre que elaborado”, foi causa de alguma irregularidade (fracionamento ilícito de despesa, dispensa em função do valor irregular, e outros) e apliquem penalidades pecuniárias, estas decorrentes de um artefato, em que pese importantíssimo (e entendo que a lei deveria obrigar a sua elaboração) mas a lei traz a ideia de facultatividade.

 

Não cabe aqui esgotar os pontos polêmicos, mas de defender que, neste momento, é mais interessante cumprir fielmente a NLLCA, e buscar tais contribuições junto à União para uma proposta de alteração legislativa, ou a promoção de ações diretas de inconstitucionalidade, ou até mesmo a regulamentação/normatização pelos entes, através de lei (naquelas matérias materialmente específicas), de matérias sensíveis (inclusive, diante do afastamento da Súmula 347 pelo próprio STF, em decisões recentes) sobretudo, diante das reclamações dos municípios, no tocante as regras dispostas numa norma nacional, mas que sem dúvida, impôs um modelo federal a entes sem menor estrutura de pessoal, e até mesmo organizacional.

 

De outro giro, o que nos parece uma estratégia perigosa, são interpretações ou posicionamentos, sobretudo, no âmbito dos órgãos de controle, inovando no ordenamento jurídico, o que gerará mais insegurança jurídica, até porque, vale destacar que cada Corte de Contas no Brasil decide de maneira diversa, o que cria para aquele que realiza contratações públicas uma atenção especial para a origem do recurso, já que este definirá o órgão de controle, responsável pela análise das contratações, e, por conseguinte, o comportamento do agente público.

 

Alerte-se, todavia, que a administração pública deve atentar às orientações, em especial, dos órgãos de controle, tendo em vista que são órgãos fiscalizadores, desde que estas orientações sejam definitivas, oriundas de prejulgados, instruções ou resoluções, largamente debatidas, que tragam segurança jurídica a quem realiza as contratações, em homenagem ao que é preconizado pelo citado art. 30 da LINDB. Normativos estes que devem fidelidade irrestrita à norma geral (não sendo legalista, mas buscando estabilidade e segurança jurídicas, neste momento), afastando qualquer dispositivo que dependa de uma avaliação discricionária do órgão julgador, que deve atuar nos limites do seu papel atribuído constitucionalmente.

 

Portanto, a doutrina e os órgãos de controle devem colaborar, com o objetivo de atenuar os efeitos decorrentes de brechas e até mesmo lacunas importantes da NLLCA, na direção de uma alteração legislativa; e em paralelo a interposição de ADC´s e ADI´s, por quem eventualmente se sentir prejudicado, em relação a matérias importantes (como por exemplo, aquelas normas gerais, que em essência, são materialmente específicas), para proteger o pacto federativo e as peculiaridades afetas aos Estados e Municípios, chamando atenção em especial, aos pequenos municípios.

 

E para tal desiderato, importa ressaltar as lições do Professor Fabrício Motta, Professor da UFG e Conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás (TCM-GO), em seu artigo intitulado: “Pela segurança jurídica, precisamos tratar da interpretação da Lindb”, extraído do site da CONJUR:

 

[...] A participação de atores variados robustece o processo interpretativo, notadamente em se tratando de normas que trabalham com a categoria “interesse público” (ou “interesses gerais”, na dicção da Lindb) e que serão aplicadas, predominantemente, pela administração pública. A textura relativamente aberta dos novos preceitos acrescidos à Lindb torna ainda mais importante o percurso interpretativo para que a segurança jurídica, objetivo confesso, possa ser privilegiada.

 

 

Desta forma, seguir fielmente a NLCCA e o espaço de regulamentação oportunizado pela referida norma aos entes subnacionais, é um caminho na busca pela estabilidade e segurança jurídicas, que é compromisso de todos neste importante momento de implementação da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, privilegiando o esforço legislativo, locus adequado para alterações que caminhem na direção do aperfeiçoamento da norma “geral” de contratações públicas, e por conseguinte, reduzindo a possibilidade de que cada um, interprete ou utilize a NLLCA da forma que lhe couber (através, por exemplo, de orientações que considerem obrigatório o que a Lei prevê como facultativo, ou vice e versa), o que tornaria a norma de difícil aplicação, gerando incertezas à Administração Pública, e aos seus operadores.

 

*Alessandro Macedo é professor de Direito Público

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias