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Entrevista

Recuperação de R$ 79 milhões pelo MP-BA serviu como 'exemplo' para sonegadores

Por Cláudia Cardozo

Recuperação de R$ 79 milhões pelo MP-BA serviu como 'exemplo' para sonegadores
Foto: Paulo Victor Nadal / Bahia Notícias

O Ministério Público da Bahia (MP-BA) não parou de atuar um dia sequer desde o início da pandemia, conforme afirma a procuradora-geral de Justiça, Norma Cavalcanti, em entrevista ao Bahia Notícias. Desde que assumiu a gestão do MP baiano, o órgão recuperou mais de R$ 79 milhões em recursos para os cofres públicos, através de operações para combater a sonegação fiscal. Segundo Cavalcanti, os recursos são importantes para o Estado, principalmente neste período de pandemia, para incrementar verbas para saúde e educação. 

 

O chefe de gabinete do MP, Pedro Maia, também participou da conversa, durante uma visita realizada ao Bahia Notícias. Na conversa, o promotor destacou que as operações contra sonegação fiscal trazem um efeito positivo indireto para a arrecadação. “O que observamos é que há um efeito indireto daquela operação, pois, por exemplo, no setor de soja em grãos, no oeste da Bahia, após aquele ato, se recupera R$ 20 milhões. E aquele caso vira um exemplo, e outros sonegadores passam a ficar em dia com o Fisco. Todos aqueles que atuam naquele setor e que não estavam pagando imposto são impactados com a operação. E o que observamos é que isso produz um efeito multiplicador de até sete vezes. Se começa com um patamar que pode alcançar, por exemplo, até R$ 190 milhões em recuperação a partir daquela operação. Nós observamos isso mês a mês. Quando pegamos esse valor global, percebemos que ele é muito mais significativo”. 

 

Ainda na conversa, Norma Cavalcanti e Pedro Maia abordaram a importância da retomada das sessões de júri popular, da missão do MP de defender a democracia e a Constituição Federal e que o órgão atuou durante toda pandemia para salvar vidas.
 

A senhora assumiu a gestão do MP-BA em março do ano passado, e poucos dias depois, foi anunciada mundialmente a pandemia. Como foi iniciar uma gestão de uma instituição como o MP nesta situação?

Nós começamos nossa gestão no dia 6 de março e acho que foi o último grande evento do sistema de Justiça. No dia 12 de março, nós fomos convidados para participar de uma reunião com chefes de poderes na Governadoria e quando o governador nos perguntou qual seria a pauta do Ministério público, eu disse: coronavírus. Todo mundo se surpreendeu. Eu tinha acabado de chegar de Brasília, e um dia antes, no dia 11 de março, o governador do Distrito Federal tinha determinado o fechamento das escolas e do comércio. E nós tínhamos a pauta da Micareta de Feira de Santana, e nossa preocupação era porque foi nesta cidade que foi registrado o primeiro caso de Covid-19. Estávamos acompanhando as notícias da Itália, da Europa, e isso era uma grande preocupação. Imediatamente nós criamos um grupo de trabalho para lidar com a pandemia. Esse grupo envolvia promotores de diversas áreas e é coordenado pela promotora de Justiça Patrícia Medrado. Como nosso estado é pobre, tínhamos uma preocupação também com o orçamento. Nós fomos a primeira instituição a baixar um ato de contingenciamento das despesas de 30% na área de custeio. Criamos um grupo também de repactuação orçamentária para avaliar todos os gastos do Ministério Público.

 

Isso fez com que a senhora precisasse ajustar todos os seus planos de gestão?

Norma Cavalcanti: Praticamente todos os planos tiveram que ser adaptados, em todas as áreas do Ministério Público.

Pedro Maia: Tivemos que fazer uma adaptação, mas já tínhamos algo programado para investir em tecnologia e modernização dos nossos meios de comunicação, além da integração dos nossos sistemas com os sistemas do Tribunal de Justiça da Bahia [TJ-BA]. Nós sofremos muito com o abandono da Softplan, e praticamente tínhamos que fazer a integração dos processos manualmente. Ao assumirmos, o MP tinha acabado de investir no pacote do Microsoft Office 365, que nos deu a possibilidade de trabalhar melhor, com integração.

NC: Foi um período de adaptação, mas que não trouxe qualquer prejuízo para o bom funcionamento da instituição. E nosso trabalho não parou. Fomos todos os dias ao MP. Trabalhamos todos os dias no combate às organizações criminosas de sonegação fiscal. Nosso trabalho aumentou na pandemia mesmo estando em regime de teletrabalho. Atuamos em todas as áreas, estivemos envolvidos nas eleições municipais e recuperamos mais de R$ 79 milhões para os cofres públicos. Nós tivemos apoio da classe e atuamos em todo momento, pois o sistema de Justiça é um serviço essencial.


PM: Sobre a recuperação de recursos, houve uma mudança de perfil internamente, o que foi bastante percebida e os resultados demonstram isso. Mesmo na pandemia, recuperamos mais de R$ 79 milhões de impostos sonegados. Até apresentamos ao governador esses números, que são animadores.

NC: Realizamos muitas operações neste período de pandemia e ainda realizaremos mais até o fim do ano. Esses recursos recuperados são muito importantes para o fortalecimento de outras áreas, como para a educação, saúde, transporte, entre outras.

 

Como o MP tem acompanhado a gestão dos recursos públicos destinados para o combate à pandemia?

Nós criamos um grupo de atuação para salvar vidas, primeiramente. Depois passamos a analisar onde estavam sendo aplicados os recursos públicos. Recomendamos a todos os promotores de Justiça da Bahia que instaurassem procedimentos ligados ao controle de gastos relacionados à pandemia. Agora, muito desses gastos são de verbas federais, com competência de investigação do Ministério Público Federal. Mas promovemos ações de acompanhamento e também realizamos atividades conjuntas.

 

Houve mudanças nas Promotorias para atender as demandas?

PM: Das 206 Promotorias, 151 delas eram Promotoria de Assistências. E nós fixamos atribuições a essas unidades. Nas áreas moralidade, patrimônio público da capital foi dobrado o número de promotores, hoje temos 8 Promotorias. Foi ampliada a atribuição das Promotorias para a área penal, civil e administrativa. O Caopam - Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Moralidade - tem feito parcerias com TCM, com os órgãos de controle estadual, municipal e federal. E o Gaeco, braço forte do Ministério Público no combate às organizações criminosas, de crimes de colarinho branco, recebeu o incremento significativo de membros. Hoje são 10 promotores no Gaeco. Nunca teve um número tão expressivo de promotores, com mais do que o dobro de servidores trabalhando no setor e um aumento expressivo no número de policiais. E tudo isso é culminou com o número de 29 operações, 133 denunciados, 243 prisões e buscas, 145 celulares apreendidos, 71 computadores e discos rígidos, além de 1461 armas e munições, do primeiro semestre de 2020 ao primeiro semestre de 2021.


Essa gestão retomou o protagonismo do Gaeco?

NC: O Gaeco fez diversas operações e, até o final do ano, faremos outras.

PM: Eu usaria uma frase até mais forte: nós inauguramos o protagonismo do Gaeco nesta gestão.

 

NC: O promotor de Justiça João Paulo Schoucair está à frente da coordenação do Gaeco e tem todo o apoio da minha administração. Temos um projeto de interiorização do Gaeco. Nossa ideia é ampliar nossa atuação em colaboração com todos os promotores de Justiça. Também estamos buscando suplementar o nosso orçamento para realização de outros serviços, pois a Bahia é grande. Mas no momento, devido às condições do Estado, e em relação ao Ministério Público, nosso orçamento é curto e temos muitas demandas para alcançar.

Para isso, tem se mantido um diálogo com o Executivo?

NC: Todo dia. Nós sabemos que nosso estado é pobre. Em nossa luta, sempre destacamos a importância dessa arrecadação, da importância do combate à sonegação fiscal, e temos demonstrado que nós trazemos recursos para o estado, através de nossos acordos de colaboração, acordo de não persecução penal, por exemplo. Atuamos pela diminuição do número de homicídios e no combate ao tráfico de drogas. Com esse investimento em nossas ações, também queremos ajudar a Secretaria de Segurança Pública no fortalecimento de sua estrutura de investigação, começando agora sistematicamente até o mês de novembro quando terminar essa fase das emendas para o orçamento. A captação desses recursos para o Estado da Bahia para aplicação no Ministério Público é importante no combate às organizações criminosas, no crime de uma forma macro, de uma forma estruturada, para diminuir o número de homicídios, que muito nos preocupa. Assim como nos preocupa o aumento do número de casos de violência doméstica. Nós aumentamos o número de promotores da área de Violência Doméstica para combater a violência contra a mulher.

PM: Ainda sobre recuperação, esses valores que falamos são relacionados àqueles decorrentes diretamente daquela operação deflagrada. Mas o que observamos é que há um efeito indireto daquela operação, pois, por exemplo, no setor de soja em grãos, no oeste da Bahia, após aquele ato, se recupera R$ 20 milhões. E aquele caso vira um exemplo, e outros sonegadores passam a ficar em dia com o Fisco. Todos aqueles que atuam naquele setor e que não estavam pagando imposto são impactados com a operação. E o que observamos é que isso produz um efeito multiplicador de até sete vezes. Se começa com um patamar que pode alcançar, por exemplo, até R$ 190 milhões em recuperação a partir daquela operação. Nós observamos isso mês a mês. Quando pegamos esse valor global, percebemos que ele é muito mais significativo.


Somente agora as sessões de júri popular foram retomadas. Essa suspensão ao longo da pandemia trouxe prejuízos para esses processos de crimes contra a vida?

NC:  Não foi só na Bahia, foi no país inteiro. Os prejuízos que possam ter ocorrido se derivam dos processos que não foram suspensos. Em alguns processos, a depender da situação, pode ter ocorrido a prescrição. A comunidade pedia a retomada, mas durante a pandemia, entendemos que a principal missão era salvar vidas. E nós não poderíamos – e temos uma comissão dentro do Ministério Público que avalia toda a situação com médicos e promotores – diante da pandemia. Também não haveria como retomar os julgamentos se o Tribunal de Justiça também não retomasse as atividades. Agora, voltaremos com força máxima para retomarmos os julgamentos pelo tribunal do júri. Mas vale dizer que não deixamos de fazer instrução processual neste período. E sabemos o quanto são importantes os julgamentos de júri popular para sociedade e da ligação da guerra do tráfico com o número de homicídios. Também há relação dos crimes de homicídio com os crimes de colarinho branco e formação de quadrilhas. E ainda chamo a atenção para como são realizados os júris, através do conselho de sentenças. Antes da pandemia, todos tinham que ficar juntos, e fora das sessões, e permanecerem incomunicáveis. Nós vamos voltar de forma segura.

 

Ainda é polêmico o debate sobre o retorno às aulas. Para a senhora, quando as crianças devem retornar às aulas? Acredita que haverá prejuízos para a infância nos próximos anos?

A gente sempre defendeu que o retorno às aulas fosse com segurança. Instauramos procedimentos para acompanhar o retorno às aulas não só em Salvador, mas em todo o interior. Também aumentamos o número de promotores na área de educação. A pandemia trouxe um problema que foi ruim para todos. Foi ruim para as escolas, para as crianças, para as mães que ficaram em casa com os filhos. E deve trazer um problema de aprendizado. O que cobramos sempre dos órgãos, dos municípios, foi um plano de retorno das aulas. Pois o prejuízo de não se ter aula é muito grande para as crianças e para a sociedade. A retomada das aulas tem que garantir segurança para todos. Sempre nos atentamos se as escolas das redes municipal e estadual tinham condições de fazer aula telepresencial, saber se todos tinham telefone para assistir aulas. Temos que lembrar também que a responsabilidade é do Estado e nossa obrigação é fiscalizar, mas com muito cuidado.


Como o MP acompanhou a política de vacinação no estado?
NC: O que nós defendemos sempre era a regra por idade, mas cada estado pode gerir suas prioridades conforme o PNO [Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação]. Acompanhamos os casos que chegaram pela imprensa dos furas-filas, e todos estes já estão com procedimentos abertos. Várias categorias pediram que fossem priorizadas na vacinação. Entretanto, nós tínhamos um número reduzido de vacinas e todos queriam salvar vidas de sua categoria, e eles têm esse direito. Mas defendemos sempre que fosse priorizada a vacinação pelo critério de idade.

 

A Operação Faroeste afetou a imagem do Judiciário Baiano e do MP?

Nosso papel é de fortalecer o sistema da Justiça. Não adianta o Ministério Público estar forte e o Judiciário não. Meu papel, desde quando era líder classista e agora como gestora do MP, é de fortalecer o sistema de Justiça. Nós estamos na mídia sempre, e sabemos que a cúpula do Judiciário foi afetada por um processo que está sob os cuidados do Superior Tribunal de Justiça. O processo não é do Ministério Público Estadual.  Nós temos recebido os processos que não têm foro, envolvendo juízes. Tem uma denúncia contra um juiz sendo apurada. Tem outras denúncias ainda no STJ, que envolve um membro do MP. Mas o que eu posso dizer é que é lamentável, mas temos que passar a limpo nossa história e fortalecer o Judiciário baiano, que é o primeiro tribunal do país. É lamentável também que houve envolvimento de um membro do Ministério Público.

A defesa das bandeiras democráticas é uma das missões do MP. A instituição, de forma nacional, não deveria se posicionar mais para manter o estado democrático de direito?

NC: Não há outro caminho para o Ministério Público se não o de defender a Constituição Federal e o Estado Democrático de Direito. O caminho do Ministério Público é realmente o da defesa da independência dos poderes e da harmonia entre os poderes. É inadmissível se voltar a falar em regime de exceção hoje em dia. A nossa Constituição é de liberdade para o povo brasileiro e da defesa da cidadania. Nós defendemos a liberdade de expressão, mas com responsabilidade, dentro dos limites constitucionais. Não há cabimento em discussões de retrocessos. É importante que todas as instituições estejam funcionando. Precisamos de uma Imprensa livre assim como um Ministério Público livre para trabalhar com independência. O Judiciário também precisa trabalhar com independência. São pilares da nossa democracia. É preciso a independência do Legislativo e do Executivo também. E quando há um confronto entre esses poderes, isso não é bom. Não há regime melhor do que a democracia.


Sempre há questionamentos sobre a forma de escolha dos chefes dos Ministérios Públicos, tanto a nível estadual, quanto a nível nacional. Qual seria a forma mais democrática de escolha? O atual modelo, definido pela Constituição, não gera impasses e comprometimentos com os gestores do Executivo que determinam a escolha?

A Constituição exige lista tríplice para indicação dos procuradores-gerais de Justiça nos estados. A nível nacional, para o chefe do Ministério Público da União, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) luta para que o indicado seja nomeado a partir de uma lista tríplice escolhida pela categoria. Eu acho difícil uma reforma atual na Constituição neste sentido. Essa lista tríplice da ANPR, apesar de não estar prevista na Constituição, foi observada por alguns governos. Mas não é obrigatório. A nível estadual, o procurador-geral de Justiça só tem direito a uma recondução, mas para o procurador-geral da República, não há esse limite. Ele pode ser reconduzido várias vezes. Mas há essa luta para se fazer a indicação por lista tríplice. Agora, os MPs estaduais têm mais democracia do que o Judiciário. Veja que há uma luta dos magistrados para poderem escolher a mesa diretora dos tribunais.

 

A senhora vai tentar ser reconduzida no próximo ano? E pretende fazer nos mesmos moldes da eleição do ano passado, em que houve uma composição entre a senhora, e os promotores de Justiça Pedro Maia e Alexandre Cruz?

Eu não sei por que não foi escolhido o doutor Alexandre, o doutor Pedro. Mas eu penso assim, que se eu fui escolhida, é porque este era o momento. Eu poderia ter sido nomeada há 10 anos, quando liderei uma lista tríplice para o cargo, eu fui a mais votada. Mas Deus quis que o governador me escolhesse agora. Eu acho que eu tinha as condições de ajudar. Mas eu não penso em administrar o MP sem a ajuda e o auxílio de Pedro e Alexandre e de outros componentes da minha gestão. Fizemos um projeto em conjunto, de forma que, qualquer um que fosse escolhido, trabalharíamos juntos para o fortalecimento do Ministério Público da Bahia, pela independência do Ministério Público. Nós temos uma posição interna de avanços e mudanças na estrutura administrativa. E eu sempre defendo uma boa relação entre os poderes. Eu sempre fui muito bem recebida pelo governador Rui Costa, pelo presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Lourival Trindade, pelo presidente da Assembleia Legislativa, Adolfo Menezes. Eu acho que essa boa relação fortalece o Estado da Bahia. Eu tenho buscado agora um diálogo com os parlamentares e ouvir o que eles pensam sobre o Ministério Público. Eu ouvi muitas queixas de parlamentares na época do enfrentamento da PEC 37, que retirava poderes de investigação do Ministério Público. Eu ouvi que o MP ficava muito acastelado, então, precisamos dialogar, assim como eu tenho buscado diálogo com a imprensa. E o que eu quero é deixar um Ministério Público estruturado para servir a população.