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Entrevista

História do TJ-BA é desconhecida por muitos juízes, diz desembargador Lidivaldo Reaiche

Por Cláudia Cardozo

História do TJ-BA é desconhecida por muitos juízes, diz desembargador Lidivaldo Reaiche
Foto: Max Haack / Ag. Haack / Bahia Notícias

A história do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), aos poucos, é reconstituída para ser recontada por seus magistrados e servidores. Já reconhecido como o mais antigo das Américas, incluindo a do Norte, o TJ-BA comemora neste mês de março os seus 410 anos. Olhando para o passado, a Corte baiana tenta se projetar para o futuro. Entre os erros e acertos, a história é rememorada a partir do trabalho da Comissão dos 410 Anos do TJ-BA, presidida pelo desembargador Lidivaldo Reaiche. Nesta entrevista, o desembargador relata como veio a confirmação do TJ ser o mais antigo, a partir do reconhecimento da primazia pelo Tribunal da Pensilvânia, o mais antigo dos Estados Unidos. Lidivaldo lembra ainda que muitos documentos históricos foram perdidos com a invasão holandesa em Salvador.

 

Para recuperar parte desta história, foi até Portugal e, lá, resgatou o que o Tribunal chama de “certidão de nascimento” da Corte baiana, em que testifica a sua criação em 7 de março de 1609. Foi a partir da década de 1980 que houve uma preocupação em se criar uma memória da Corte baiana, através do trabalho do desembargador Gerson Pereira dos Santos. Lidivaldo, ainda na entrevista, conta as sedes que o TJ-BA já teve, inclusive uma onde atualmente funciona o Elevador Lacerda, e como foi a construção do Fórum Ruy Barbosa e a interiorização da Justiça. Ele também destaca uma homenagem que o Tribunal faz às mulheres pioneiras, como a primeira pretora, primeira juíza e desembargadora, primeira juíza negra e primeira presidente.

 

Lidivaldo diz que muitos magistrados baianos, “por incrível que pareça”, não conhecem a história do próprio Tribunal. Para ele, essa falta de conhecimento da história da Corte baiana se deve ao fato do Poder Judiciário ser muito conservador.  “A partir da Constituição de 1988, a sociedade exigiu mais uma participação cidadã do Poder Judiciário. Hoje, nós temos programa de visitação a escolas, temos o Balcão da Cidadania, temos vários órgãos funcionando em comunidades, em bairros. Houve uma descentralização do Poder Judiciário, nas próprias comarcas, os juízes passaram a atuar ministrando palestras, orientando jovem. Tivemos o Estatuto da Criança e do Adolescente, que permitiu que o Judiciário tivesse uma participação mais efetiva com a recuperação das crianças e adolescentes que estivessem envolvidos com a prática de ato infracional. Eu considero que o marco, o divisor de águas para o Judiciário se transformar, foi a Constituição de 1988”, avaliou. Ainda na entrevista, ele diz que é importante que o cidadão e a imprensa, cada vez mais, acompanhem as ações do Poder Judiciário. “Quando a sociedade e a imprensa estão acompanhando, estão de alguma forma informando, e isso é um passo da democracia. Acho que nós estamos aprimorando”, reforçou. Ele reconhece que o TJ precisa de mais servidores e magistrados e defende uma revisão na Lei de Responsabilidade Fiscal. “A LRF tem uma ligação direta com a receita líquida. É proporcional: se a receita não aumenta, a lei fica estagnada e aí compromete mesmo. Se nós aqui pudéssemos, nós teríamos provido essas comarcas há muito tempo”, declarou.

 

O Tribunal de Justiça da Bahia é o mais antigo das Américas? Como se conseguiu confirmar essa informação?

A Pensilvânia reconheceu que o Tribunal de Justiça da Bahia é o mais antigo das Américas e o presenteou com duas peças: um vaso de cristal e um vaso de porcelana. Ele reconheceu a primazia do nosso Tribunal.

 

Foi o senhor que escolheu liderar os trabalhos de comemoração dos 410 anos do TJ-BA?

Eu fui designado como presidente da comissão. Foi até uma surpresa. Coincidentemente, quando eu era procurador-geral do Ministério Público da Bahia, durante a comemoração do quarto centenário, eu integrei a comissão organizadora dos eventos. À época, a presidente do TJ, desembargadora Sílvia Zarif, designou vários representantes das instituições e da sociedade civil para compor uma comissão bem mais ampla que a comissão dos 410 anos. Daí, eu acompanhei o levantamento de grande parte da história. Na verdade, nós temos que reconhecer que o trabalho de pesquisa que foi vivenciado no poder Judiciário baiano, ele remonta a década de 1980. O desembargador Gerson Pereira dos Santos, já falecido, era muito culto e gostava da história do Tribunal. Ele presidiu a comissão de memória - nós temos aqui uma comissão permanente de memória, presidida pela desembargadora Maria da Purificação, que é vice-presidente da comissão de festejos. À época, o Fórum Ruy Barbosa estava completando 50 anos, foi em 1999, e ali também se comemorava os 150 anos de nascimento de Ruy. A inauguração do Fórum Ruy Barbosa ocorreu em 5 de novembro de 1949, data do centenário de nascimento de Ruy. Daí trouxeram os restos mortais de Ruy Barbosa. Foi realizada uma solenidade bonita, desfile cívico tanto no Rio de Janeiro quanto aqui na Bahia. Levaram o esquife até o porto, o esquife veio de navio, e aqui houve um grande desfile cívico, com participação de autoridades. Durante as comemorações, editou-se um livro referente ao Fórum Ruy Barbosa, que contava também um pouco da história do Tribunal, além de outras edições que surgiram posteriormente. Durante as comemorações dos 400 anos, foi editado um livro assim mais vistoso, com fotos coloridas. O livro foi preparado na gestão da desembargadora Sílvia, mas ele só foi editado na gestão da desembargadora Telma Britto. O livro resgatou uma parte do que estava ali já pesquisado. Nós ampliamos agora, remontando a historia do Tribunal. O TJ-BA foi criado em 15 de setembro de 1587 por um ato do Rei Felipe II, que na época era também o rei da Espanha. Havia uma insatisfação muito grande das pessoas que moravam na colônia. A prestação jurisdicional acontecia da seguinte forma: nas comarcas existiam os ouvidores, que eram aqueles funcionários que decidiam as questões ali verbalmente ou por escrito, e havia o ouvidor-geral que ficava em Salvador, que era a sede do governo da colônia. Mas havia uma insatisfação com as decisões monocráticas. A população achava que um só decidindo era injusto, que deveria haver um colegiado. Desde aquela época havia uma correspondência constante com Portugal. As pessoas protestavam, se manifestavam, 'olha, o governo está péssimo, o governador é corrupto, nós queremos mudanças'. Essas cartas eram analisadas e as autoridades portuguesas se preocupavam em manter a ordem na colônia. Decidiu-se pela instalação de diversos tribunais em todas as possessões portuguesas. Instalaram o Tribunal do Brasil, com sede na Bahia, em Goa, na Índia, que também era uma possessão portuguesa. Na África, Portugal também teve essa preocupação. A primeira experiência não foi exitosa porque os desembargadores escolhidos vieram em algumas caravelas e houve dispersão. Só dois desembargadores chegaram aqui em Salvador entre 1587 e 1609. Então eles ficaram aqui em outra atividade, ajudando na ouvidoria, enquanto o Tribunal não era instalado. Finalmente, em 7 de março de 1609 o Tribunal é instalado. Dez desembargadores graduados em Coimbra se deslocam para cá. Originariamente começou a funcionar no Palácio do Governo, ali na Praça Municipal. Aquele Palácio ali viu a historia do Brasil passar. E até havia uma característica interessante: quem presidia as reuniões, ou seja, quem iniciava o ritual era o governador. Ele não tinha poder de voto, mas presidia as sessões. Antes das sessões era celebrada uma missa. A Igreja Católica era a religião oficial. E um dado interessante é que um dos escrivães que vieram de Portugal foi justamente o pai do Padre Antônio Vieira. Por isso ele chegou aqui criança. Ele nasceu em Portugal, mas chegou aqui com 7/8 anos. Nesse período, houve a invasão holandesa. É um capítulo de Salvador que as pessoas pouco exploram, mas a cidade ficou arrasada com a pobreza, e a fome, houve muitas mortes, grande parte da população fugiu para o recôncavo, houve incêndio de engenhos... Na época, não houve mais dotação orçamentária para manter o Tribunal. A ordem de Portugal foi desativar o Tribunal para que o dinheiro fosse usado na reconstrução da cidade. E os holandeses destruíram muitos prédios públicos e toda a documentação do Tribunal deste período foi destruída. Ele ficou desativado de 1626 a 1653 quando as pessoas começaram a protestar que precisavam do Tribunal e Portugal decidiu reinstalar. Reinstalou em 1642, com a construção de uma sede própria. Essa sede ficava exatamente onde hoje está a entrada do Elevador Lacerda, na parte superior. Ele ficou nesse imóvel de 1870 até 1880, e depois se deslocou para Rua Chile. Em 1904, ele se mudou para a Piedade, onde tem o Instituto Geográfico e Histórico. Tanto que tem escrito no prédio 'Superior Tribunal de Justiça', que foi um dos nomes do Tribunal - houve muita mudança dos nomes. Em 1930, o Tribunal sai daqui da Piedade e vai para o Terreiro de Jesus, no prédio que pertence à Academia de Letras da Bahia. A nossa intenção era até alugar esse imóvel para instalar o memorial, mas a Academia de Letras alugou a uma loja que vai vender sandálias. Neste local, ficou até 1949, quando foi construído o Fórum Ruy Barbosa.

 

Como surgiu o Fórum Ruy Barbosa?

É uma história à parte, porque desde 1921 tentava-se construir uma sede para o Tribunal de Justiça. J.J. Seabra reservou a área do Campo da Pólvora e tomou as primeiras providências. A Constituição de 1934 da Bahia previu a construção da sede do Tribunal no local. A licitação foi iniciada, mas foi interrompida com o Estado Novo, em 1937. As obras foram iniciadas já no governo de Otávio Mangabeira. Em 1949, o Fórum foi inaugurado com grande solenidade. O Tribunal ficou ali de 1949 até o ano de 2000, quando veio para o CAB. O Fórum Ruy Barbosa ficou com as varas da capital. E hoje existem outras unidades do Judiciário. O Tribunal foi sendo ampliado. Hoje nós temos aqui 60 membros, nos próximos meses vem mais um, da vaga destinada à OAB, do quinto constitucional. Há uma previsão na lei de 70 [desembargadores], mas a OAB requereu a suspensão da execução da lei no CNJ porque há uma carência grande de juízes no interior. O Tribunal está realizando o concurso para provimento dessas comarcas, e aí vamos aguardar o que o CNJ vai decidir. Mas há previsão do Tribunal ter 70 membros.

 

Como ele foi chegando paras cidades do interior?

Desde a época ainda da ouvidoria já existiam as comarcas. As comarcas são desde a época da criação das vilas, dos municípios, e isso foi uma evolução crescente. Tem comarcas aqui e do interior da Bahia que são muito antigas, como as comarcas do Recôncavo, que funcionam desde a época das Capitanias Hereditárias. Qualquer recurso se corria para Salvador. Por incrível que pareça, o Estado português é muito organizado. Nós fomos para Portugal agora para resgatar os documentos que os holandeses destruíram. Nós não tínhamos mais e encontramos uma farta documentação, no arquivo ultramarino, e lá existe uma sala só dedicada ao Brasil. Nesta sala existe uma seção só dedicada à Bahia. Eles sabem a importância da Bahia, sabem que as primeiras instituições do Brasil começaram aqui em Salvador. Nós encontramos a certidão de nascimento do Tribunal, que foi o ato de criação mesmo, de 1587, ainda escrito à mão na chancelaria do Rei Felipe II, e encontramos outras coisas, além dos documentos do Tribunal. Encontramos a lei que previa a catequização dos índios, encontramos a lei que proibia a escravização dos índios, instruções normativas para os desembargadores. Havia proibições dos desembargadores terem uma vida social. Eles só poderiam visitar os seus pares, não podiam conviver para não haver um vínculo. Os escrivães não podiam criar gado, algumas questões pitorescas... encontramos uma normativa de conduta, uma normativa de ética, o que o desembargador poderia fazer, o que os desembargadores não poderiam fazer. Havia muitas reclamações na época. O Tribunal não cuidava só da Justiça, ele cuidava um pouco da parte administrativa, tanto que quando havia uma lacuna, no exercício do cargo do Governador-geral geralmente era nomeada uma junta com a participação de alguns desembargadores. Era uma junta administrativa para cuidar da colônia, e eles também atuavam muito na questão do fisco. Eles fiscalizavam a chegada de mercadoria, a cobrança de impostos. Um dos dez desembargadores exercia a atividade de procurador do fisco e promotor de Justiça, era Afonso Garcia Tinoco. Nós já tínhamos essa informação, tanto que o auditório do Ministério Público leva o nome dele, por ser o primeiro procurador-geral do Brasil.

 

O MP-BA então tem a mesma idade do TJ?

O Ministério Público nasceu também com o Tribunal de Justiça. Eles vão comemorar em setembro os 410 anos, O que é certo é que o Poder Judiciário do Brasil se entrelaça com o Poder Judiciário da Bahia. E o nosso Tribunal aqui tinha jurisdição sobre Angola e as ilhas de São Tomé e Príncipe, na África. E ele perdurou como Tribunal da relação do Estado do Brasil, sendo o único Tribunal até 1751, quando foi criado o Tribunal do Rio de Janeiro.

 

 É difícil então contar a história do Judiciário brasileiro sem contar a história da Bahia?

Sim. E o Tribunal de Justiça do Rio ficou com a jurisdição sobre os estados do Sul e do Sudeste e a Bahia ficou com a parte do Norte-Nordeste. Quando houve a transferência da capital para o Rio de Janeiro, em 1763, o Tribunal da Bahia passa a ser um Tribunal, porque logo depois foram criados outros tribunais, como do Maranhão, de Pernambuco. Dom João VI veio ao Brasil e quando chegou já criou o Tribunal do Rio. O que era o Tribunal do Brasil ele transformou no Tribunal em Última Instância do Brasil, pois até então você tinha a possibilidade de recorrer a Lisboa, era como se fosse o Supremo Tribunal Federal no Rio. A partir de 1808, os outros tribunais passam a ser só tribunais locais como a Bahia, Maranhão. Houve mudança de nomes, em determinados momentos era Corte de Apelação, aqui mesmo teve o nome de Tribunal de Apelação e Revista, teve o nome de Tribunal Superior de Justiça...

 

Ele passou a se chamar Tribunal de Justiça da Bahia quando?

Em 1946, ele já era Tribunal de Justiça. Em 1950, passa a ser Tribunal de Justiça da Bahia, uma complementação. O Tribunal de Justiça foi em 1946 com a redemocratização. Com a proclamação da República em 1894, o governador doou 13 telas do Tribunal para o Instituto Geográfico. Uma delas está exposta no memorial durante a comemoração dos 410 anos e no acervo do Tribunal. Há também o livro de posse de 1653, quando houve a reativação do Tribunal. Todo esse material da segunda fase está no Arquivo Público do Estado em excelente estado de conservação. A Unesco, em 2008, reconheceu a importância desse acervo como memória do mundo. O Tribunal também recebeu esse certificado.

E como foi resgatar peças, objetos, identificar onde estavam espalhado o mobiliário, as peças do Tribunal de Justiça da Bahia?

No livro, havia a indicação de que um mobiliário que pertenceu ao Tribunal até 1949 teria sido encaminhado para a Câmara de Vereadores de Muritiba. Nós tentando identificar o motivo. Imaginamos que, como estávamos homenageando Ruy Barbosa, quiseram prestar uma homenagem a Castro Alves, porque naquela época, Cabaceiras do Paraguaçu, onde Castro Alves nasceu, era distrito de Muritiba, então teoricamente Castro Alves teria nascido em Muritiba. Hoje não se fala mais nisso porque Cabeceiras do Paraguaçu já é um município. Mas naquela época, Castro Alves nasceu onde? Em Muritiba. R esse mobiliário foi para lá. Pesquisamos e identificamos que esse mobiliário existia ainda, conservado, na Câmara de Vereadores. Conversamos com o presidente da Câmara que se mostrou sensível à devolução dos móveis. Eles aprovaram uma lei municipal doando esse mobiliário, um mobiliário pequeno, mas bastante significativo, do Tribunal Pleno mesmo, e o Tribunal se comprometeu a confeccionar uma replica e dar para eles.

 

O que conseguiu se resgatar em Portugal?

Nós trouxemos digitalizados esses documentos, leis que foram significativas, o que nós temos de processos relacionados à Bahia daquela época... Temos as nomeações dos primeiros desembargadores. Nós localizamos até uma ação de 1613 - a ação mais antiga que nós identificamos. Em razão do incêndio cometido pelos holandeses, não teríamos essa peça. Teve um advogado que recebeu de presente dois objetos que os clientes encontraram em antiquários e que eram do Tribunal. Um sino, que realmente é do Tribunal, está gravado o nome do Tribunal de Justiça, e nós comparamos com outro objeto que nós temos e quem gravou foi à mesma pessoa, a mesma letra, nem precisa de exame grafotécnico, e uma urna de sorteio dos jurados de um Tribunal do júri. Essa urna estava até com um cenógrafo famoso aqui em Salvador, de teatro. Eu sei que ele presenteou o advogado e o advogado nos doou essas duas peças. Do interior, nós trouxemos vários móveis, cadeiras e mesas, da época também do Império, que não estavam em bom estado de conservação. Em Cachoeira, nós encontramos móveis bonitos, até uma longarina dos jurados, peça que talvez seja única, que geralmente os jurados sentam em cadeiras, essa é uma longarina de sete lugares, de palhinha, nós a recuperamos. As fotos das seções antigas do Tribunal, a foto mais antiga é de 1898, no prédio da Rua Chile. Encontramos também alguns livros antigos do Tribunal, tem um livro que tem a posse dos desembargadores desde 1906, até 1976, e a primeira pagina do livro é a posse do governador Araújo Pinho, em 1906. Ele tomou posse perante o Tribunal de Justiça. Talvez fosse uma prática na época, mas foi o último. Depois disso, só tem a posse dos desembargadores.

 

E qual o lugar das mulheres na história do TJ-BA?

Nessa exposição estamos fazendo uma homenagem às mulheres, por ocasião do mês de março. Temos uma galeria das pioneiras. Temos a primeira pretora, que era um cargo de magistrado, mas com causas menores, seria como um atual juiz de pequenas causas. A primeira pretora foi Dra. Maria Gabriela, depois ela se tornou juíza, passando em um concurso. Eram dois concursos distintos: concurso para pretora e concurso para magistrada. Depois ela foi aprovada no concurso para magistratura, atingiu a segunda instancia, e se tornou desembargadora. Aqui em Salvador, na década de 1980, teve uma quadrilha chamada Gangue dos Grã-finos, que tinha Bolacha, Morcego, que estuparavam, eram uns filhinhos de papai que se juntaram para cometer crimes. Ela foi a juíza do caso e condenou todo mundo. Foi o primeiro caso aqui em Salvador que filhinhos de papai foram condenados, cumpriram pena mesmo. Ela é muito querida aqui, ainda está viva. Nós temos a primeira juíza, que coincidentemente foi também a primeira desembargadora – foi promovida por antiguidade, naquela época ainda não se promovia por merecimento–, era a Dra. Oni, que se tornou desembargadora na década de 1980. Temos a foto da primeira juíza negra, Mary de Aguiar, e temos a foto da primeira presidente do Tribunal, Silvia Zarif. Essa será uma galeria permanente. Vai haver uma área reservada só para as peças de Ruy Barbosa. A Associação Baiana de Imprensa (ABI), que é a mantenedora da casa de Ruy, nos emprestou alguns objetos dele que vamos expor. Nós temos alguns inventários dos pais de Castro Alves, dos pais de Ruy Barbosa. A exposição será muito enriquecedora.

 

Porque os baianos não conheciam muito a história do TJ-BA?

Por incrível que pareça, até muitos magistrados daqui não conheciam, por falta de contato com esses livros que foram editados. A partir da década de 1980, o Tribunal se preocupou muito com isso então nós estamos aí há quase 40 anos de resgate dessa história. Não foi iniciada com essa comissão, eu estou registrando bastante isso, o desembargador Gerson tem um papel preponderante. Muita gente não se interessa por história, não tem acesso às informações. Lá no Rio surgiu uma controvérsia, quer dizer, algumas autoridades do Rio de Janeiro não sabiam que aqui foi o primeiro Tribunal reconhecido pelas primeiras Cortes Americanas, que num primeiro momento era a Corte da Pensilvânia, que é a primeira dos EUA. Eles reconheceram que o TJ-BA foi a primeira Corte, entregaram duas peças que serão expostas na exposição. Nos sites do STF, do STJ, nós vamos encontrar uma parte dessa história.

 

Essa falta de conhecimento da história se deve ao fato do Tribunal ser mais acastelado, mais fechado?

O Poder Judiciário era muito conservador – ainda é – mas já foi muito mais. A partir da Constituição de 1988, a sociedade exigiu mais uma participação cidadã do Poder Judiciário. Hoje, nós temos programa de visitação a escolas, temos o Balcão da Cidadania, temos vários órgãos funcionando em comunidades, em bairros. Houve uma descentralização do Poder Judiciário, nas próprias comarcas, os juízes passaram a atuar ministrando palestras, orientando jovem. Tivemos o Estatuto da Criança e do Adolescente, que permitiu que o Judiciário tivesse uma participação mais efetiva com a recuperação das crianças e adolescentes que estivessem envolvidos com a prática de ato infracional. Eu considero que o marco, o divisor de águas para o Judiciário se transformar, foi a Constituição de 1988.

 

Nos últimos anos, com o Mensalão sendo julgado pelo Supremo, o Judiciário se tornou o grande foco da imprensa e hoje em dia as pessoas discutem até em mesa de bar mesmo as ações do Judiciário.

E é muito salutar isso. A gente costuma brincar aqui que hoje a população brasileira sabe escalar a composição do Supremo, mas não sabe escalar a Seleção Brasileira. E isso é ótimo. Porque acho que tem uma cobrança, uma fiscalização de uma instituição que é constituída por pessoas que são falíveis, têm a sua compreensão, a sua independência. As pessoas passaram a questionar muito, mas sempre têm que entender que, a princípio, as decisões ali partem da consciência e do convencimento individual de cada julgador. Independente de quem nomeou. A regra é essa, o presidente nomeia, tem aquela sabatina. Mas a partir do momento em que a pessoa se torna membro do STF, pronto, quebra o vínculo, tem que julgar de acordo com a lei, com a Constituição, com a sua consciência. Tem alguns ministros que têm um posicionamento mais liberal, principalmente com relação à prisão na segunda instância, essa não é uma tese que está sendo discutida somente por causa da Operação Lava Jato, ela é antiga. Muita gente é contra a prisão na segunda instância, muita gente é a favor, uns entendem que deve prevalecer a presunção de inocência que está na Constituição Federal, outros entendem que não, que o julgamento por um colegiado já é suficiente para enviar uma pessoa para cumprir a pena. E quando a sociedade está acompanhando, e a imprensa está de alguma forma informando, isso é um passo da democracia, acho que nós estamos aprimorando.

 

E quais foram os atos de vanguarda e de protagonismo do Tribunal de Justiça da Bahia?

O TJ-BA sempre foi considerado uma Corte de vanguarda. Foi o primeiro a implantar os Juizados Especiais, foi o primeiro a implantar a Vara da Violência Doméstica, foi o primeiro a implantar a audiência de custódia – que é muito questionada pela população, mas é uma garantia. É que a população geralmente pensa só na questão da segurança, com a preocupação com a criminalidade, mas qualquer pessoa que vier a cometer um crime tem que ser apresentada a um magistrado no prazo de 24 horas. Essa foi uma conquista espetacular, porque foi garantida inclusive pelo Pacto de San José, da Costa Rica, da OEA, uma convenção americana. Antigamente as pessoas ficavam mofando nas delegacias de policia, esperando que as providências fossem adotadas. Elas só iam encontrar o juiz no processo, no interrogatório. Às vezes, demorava um, dois meses para se avistar com o magistrado.

 

Como são os julgamentos no TJ-BA?

A média de julgamentos aqui no Tribunal é de no máximo 3 meses, dos recursos. Agora, na primeira instância existe um grande gargalo em razão primeiro da ausência de magistrados, da ausência de estruturas. Os juízes não têm funcionários suficientes, nem servidores, seja porque muitos se aposentaram, seja por falta de recursos e também em razão da falta de estrutura, de espaço para que, na primeira instância a Justiça funcione bem. Nós vamos encontrar cartórios com mais de 20 mil processos. Impossível um juiz dar conta. Eles só tem direito a um assessor.  É um planejamento para o futuro. Ou seja, um plano estratégico que o Tribunal adotou. A OAB inclusive apresentou diversas sugestões.

 

Nessas pesquisas foi possível identificar qual a origem desse problema, da falta de servidores, de quando foi que o TJ começou a ter problemas orçamentários?

O Poder Judiciário está com uma limitação orçamentária em razão da Lei de Responsabilidade Fiscal, que é uma lei que eu acho que poderia ser revista. Os percentuais não correspondem à realidade, e nós temos que pagar bem aos servidores. Os servidores do Poder Judiciário, em relação até aos servidores públicos, em geral, ganham bem, alguns ganham muito bem. Os antigos até quando se aposentam a imprensa sempre noticia, porque são aposentadorias que não correspondem à realidade. Mas eles obtiveram essas gratificações ao longo dos anos, é direito adquirido, não é possível ser retirado. Mas essa velha guarda aí já é uma minoria. Hoje, o Tribunal já tem uma estrutura, em termos de remuneração, mais condizente com a nossa realidade. Tem essa questão da Lei de Responsabilidade Fiscal, o estado é muito grande, a Bahia é um estado imenso. Nós temos 417 municípios, e olha que o Poder Judiciário tem uma capilaridade grande, estando presente em praticamente todos os municípios. Onde não há juiz, pelo menos há os cartórios. Hoje eles são privatizados, mas eles são delegatários. Eu acho também que a crise nos últimos anos comprometeu, pois a Receita Corrente Liquida do Estado diminuiu. E a Lei de Responsabilidade Fiscal tem uma ligação direta com a receita líquida. É proporcional: se a receita não aumenta, a lei fica estagnada e aí compromete mesmo. Se nós aqui pudéssemos, nós teríamos provido essas comarcas há muito tempo. Estamos realizando concurso para prover as comarcas.

 

E os próximos dez anos do Tribunal?

O Tribunal tem avançado muito na questão da modernização da sua estrutura, principalmente na área de informática, de equipamentos tecnológicos. Hoje nós temos uma central de segurança que nós temos condições de acompanhar todos os fóruns das comarcas do interior daqui de Salvador, com imagens. Eu acho que no futuro nós teremos um Poder Judiciário bem mais atuante, porque nós estamos nos preparando para diminuir o acervo físico. Nós trabalhamos muito com o acervo digital, o acesso à Justiça está bem mais ágil. Do interior, qualquer advogado pode encaminhar pela rede, pelos programas como o PJE. Eles podem encaminhar as petições, não há mais necessidade do advogado vir ao Tribunal para interpor o recurso. Ele pode até vir sustentar oralmente no dia da sessão, mas para dar início ao julgamento do recurso, ele pode fazer isso do interior. E isso aumentou o trabalho aqui, e por isso foram criadas as novas vagas. Os juízes de primeira instancia trabalham muito. Mesmo com todas as dificuldades, os juízes julgam, concedem liminares, proferem sentenças e nós temos que apreciar os recursos. Eu acho que daqui a dez anos, na primeira instância, teremos uma Justiça mais efetiva, com aumento de servidores, com a possibilidade de julgamentos mais céleres, e também vamos prosseguir com essa modernização.