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Entrevista

Locaute é crime por defender interesses espúrios e não de trabalhadores, diz advogada

Por Cláudia Cardozo

Locaute é crime por defender interesses espúrios e não de trabalhadores, diz advogada
Fotos: Jamile Amine/ Bahia Notícias

O mês de maio foi marcado por intensas paralisações de motoristas de caminhão, que bloquearam vias e provocaram um desabastecimento sem precedentes no país. O movimento, popularmente, foi chamado de greve dos caminhoneiros. Entretanto, a Polícia Federal acredita que houve, na verdade, um locaute. O termo é pouco conhecido dos brasileiros, mas é um crime contra a organização do trabalho, conforme explica a advogada trabalhista Adriana Cunha, em entrevista ao Bahia Notícias. No locaute, Adriana diz que os “interesses são espúrios”. “O direito de greve é para assegurar melhores condições de trabalho, salários e condições de meio ambiente de trabalho, segurança do trabalho. Então não há interesses empresariais. É por isso que o locaute é crime”, explana. Na entrevista, a especialista explica o que é o direito de greve e reforça que a medida é uma das ferramentas mais eficazes do movimento trabalhista. “É o instituto mais eficaz que o trabalhador tem, e é forte na América Latina”, pontua a advogada. Adriana Cunha ainda reflete sobre as consequências que podem ocorrer, caso a prática de locaute fique configurada, até mesmo para os caminhoneiros que foram obrigados a participar da paralisação. 

 

Nós acabamos de passar por uma grande paralisação no país, que foi a greve dos caminhoneiros. Algumas pessoas falaram em greve, outras falaram que é locaute. Eu gostaria que a senhora nos explicasse o que é greve e o que é locaute.
A greve é um direito assegurado constitucionalmente para os empregados. Está na Constituição, no capitulo de direitos e garantias fundamentais. O direito de greve também é assegurado aos servidores públicos, embora não tenha uma lei regulamentando a greve no setor público, apenas um mandado de injunção. Sobre a recente mobilização, entendo que houve, na verdade, uma paralisação. Eu asseguro que é paralisação, porque foi liderado por uma categoria de autônomos, que a rigor, sequer é uma categoria. Pelo que eu soube 30% dos caminhoneiros do Brasil são autônomos, os outros são empregados de empresas mesmo, de grandes transportadoras. E é daí que sai os indícios de locaute, com mando das empresas transportadoras que lucrariam muito com o movimento. Locaute é crime, não é um direito assegurado em lei ou na Constituição. Já foram abertos alguns inquéritos pela Policia Federal para se apurar, inclusive, crimes contra a organização do trabalho, previsto no Código Penal. Então, caso apurado e verificado o crime de locaute, esses empregadores responderão penalmente e administrativamente. Civilmente, vão se apurar os prejuízos.

 

Na história do Brasil, já teve algum movimento de locaute alguma vez, com penalização?
Em grandes proporções, não. Obviamente que já deve ter ocorrido, mas nessa proporção é a primeira vez. Só mesmo regionalmente, que foram caracterizados como crimes contra a organização do trabalho, dentre eles o locaute.


Por que essa criminalização do locaute?
Porque os interesses são espúrios. O direito de greve é para assegurar melhores condições de trabalho, salários e condições de meio ambiente de trabalho, segurança do trabalho. Então não há interesses empresariais. É por isso que o locaute é crime. É possível se conseguir, por exemplo, a baixa do combustível, do óleo diesel, para as transportadoras, por outra via. O meio utilizado para fazer a pressão no governo não foi correto, e se ocorreu o locaute, foi criminoso. Ressaltando: greve é para assegurar direitos do trabalhador, não direito empresarial. O locaute é uma via transversa pra se conseguir benefícios.

Logo após a paralisação dos caminhoneiros, os petroleiros entraram em estado de greve, mas o movimento foi declarado ilegal e abusivo pelo Tribunal Superior do Trabalho. Na semana da paralisação, aqui, em Salvador, nós tivemos a greve dos rodoviários, que nem chegou a ser julgada por conta de um acordo. Como está o cenário, o momento político, para as greves trabalhistas?
Na verdade, com relação ao movimento dos petroleiros, seria deflagrado pela entidade sindical, que é correto. E os empregados, que são empregados públicos, seriam representados pelo sindicato. A pauta não era essencialmente trabalhista, mas era uma pauta social, que também não deixa de ser uma pauta trabalhista. O TST entendeu, de antemão, que seria uma greve política. Eu entendo que essa decisão foi mesmo por conta do momento. Mas a rigor, tanto a questão da legitimidade, da entidade sindical, como da própria pauta, eu entendo que a dos petroleiros seria legítima, mas nesse momento político ela foi julgada inconstitucional. A paralisação dos rodoviários foi baseada em uma lei que regulamenta a greve, de 1989, que coloca o transporte coletivo como atividade essencial. Assim, a entidade sindical que deflagra, ou associação de empregados, tem que manter um mínimo de rodoviários, atendendo as necessidades da população de se locomover. Esse movimento sempre causa muita polêmica, sempre causa muito clamor público.



A tendência, por conta da Reforma Trabalhista, é que mais categorias acabem entrando em greve? Até o final do ano, pode haver outros movimentos?
Por conta dos efeitos da Reforma diretamente não. Entendo que há sucesso por conta do próprio movimento, de se usar a coerção mesmo. Com relação à Reforma, o direito de greve não foi modificado materialmente, então, não há ligação. Acho que é tudo por conta do momento mesmo, o momento político e o econômico. Está mais difícil para os empregados conseguirem os reajustes. Por outro lado, aí sim, a reforma trabalhista, ou melhor, a nova ordem trabalhista trouxe algumas modificações nas relações de trabalho, que facilitam mais para as empresas. Obviamente haverá resistência, e aí, pode-se deflagrar greve. Mas não porque a Reforma Trabalhista tenha mudado alguma coisa com relação ao instituto da greve.

Por que nova ordem trabalhista?
Por que já é lei. A reforma, enquanto estava tramitando no Congresso Nacional, antes da sanção presidencial, era uma reforma. Eu acho curioso que até os advogados continuam chamando de Reforma Trabalhista. Não, é uma nova ordem porque, essencialmente, mudou muita coisa. A própria medida provisória que regulamentava ou mesmo modificava algumas questões dessa nova ordem trabalhista caiu, porque não foi votada no tempo. É realmente uma nova ordem, até que o Supremo Tribunal Federal declare algum artigo inconstitucional.

Qual a chance do Supremo declarar essa ordem aí inconstitucional?
Na verdade, não vai declarar integralmente, talvez um artigo ou outro. Já que estamos falando de direito coletivo, a greve é um direito coletivo, direito sindical. Os sindicatos, obviamente, tentarão no Supremo a obrigatoriedade da justiça gratuita, para manter as contribuições anuais que eram obrigatórias e não são mais. Agora, essas contribuições dependem da aprovação prévia do empregado para haver desconto, eles já estão decidindo isso em assembleia. Alguns sindicatos patronais não concordam com isso. O Supremo realmente vai ter que dizer algo sobre isso.

Mas você acredita que isso pode acontecer num tempo mais curto? Porque o ministro Luiz Fux pediu vista.
A gente não pode falar em julgamento, está em pauta. Eu entendo que vai ser uma coisa rápida. O Supremo, com questões trabalhistas, não costuma demorar tanto, mesmo porque a gente precisa, né?

O TRT da Bahia, recentemente, reformou a primeira decisão no país, após a Reforma Trabalhista, que condenou um trabalhador a pagar as custas de um processo, no valor de R$ 8,5 mil. Há possibilidade dessas decisões serem deferidas após a reforma ser modificada?
Acho que sim. Curiosamente, recentemente, teve um evento nacional dos juízes trabalhistas, promovido pela Anamatra. Eles decidiram, mesmo com o julgamento do Supremo pendente, pela não aplicação da condenação em honorários com relação aos processos anteriores à nova lei trabalhista, que entrou em vigor dia 11 de novembro do ano passado. A tendência é que a maioria dos juízes adira a esses entendimentos da própria classe.
 

Com relação ao locaute, qual o impacto desses movimentos tanto para os trabalhadores quanto para as empresas?
Eu entendo que, apurado se houve locaute, haverá consequências criminais e administrativas com certeza. Os trabalhadores que porventura tenham sido obrigados a aderir também vão entrar com reclamações trabalhistas pedindo indenizações por assédio moral. A gente já vai ter aí uma prova pré-constituída, que é a apuração do crime. Haverá consequências trabalhistas. Os empregados, eu entendo que realmente vão recorrer ao Judiciário, porque é um absurdo você ser obrigado a participar de um movimento e ficar dois, três, mais de cinco dias nas estradas.

 

É um paradoxo, né? Porque as empresas penalizam os empregados que participam de movimentos paredistas.
Exatamente. Mas são crimes essas duas condutas. Lá no Código Penal mesmo tem “não fazer” ou “obrigar que faça”. As duas condutas são criminosas, mas eu entendo, como advogada trabalhista, que para o trabalhador as indenizações terão que ser mesmo rigorosas, que é um absurdo você ficar impedido da sua liberdade de ir e vir. Imagina? Se for apurado, penso que a Justiça do Trabalho será acionada para muitas indenizações por assédio moral, dano moral.




Mas aí a gente tem um problema na Reforma, que diz qual o valor dessas indenizações, não é? Que precifica?
Exatamente. Precifica mesmo, uma tabela. Mas esse tipo de dano, eu acredito, que fica ali entre médio e grave. E como sempre, pelo salário do empregado. Aí, diferencia de um para outro, mas eu entendo que é entre médio e grave.

Mas você acha que a população, a sociedade, ajudou a legitimar o movimento como greve?
Acho que sim. Eu acho que primeiro pelo tipo de trabalhador. Teria mais legitimidade que uma greve de médicos, por exemplo. Então, já vem a questão social. Realmente, é uma classe mais sofrida, tem maiores dificuldades, se noticia nos meios de comunicação como eles sofrem assaltos, como eles são assassinados, e as próprias condições em termos de trabalho. Eu acho que com isso, eles foram meio que protegidos pela população. É uma classe, pelo que eu vi, unida. Se legitimou por essas questões sociais mesmo, questão de proteção. Daí a confusão toda no movimento, de paralização e greve. E eles se mostrando muito fortes, uma saúde, de ficarem vários dias nas estradas, o que decorre um pouco do trabalho deles, mas não deixou de ser uma questão inédita.

 

É difícil ver essa mobilização em outras categorias?
É difícil, é muito difícil ver, eu não tenho notícia. Eu já vi greves de servidores públicos longas, pelo instituto de ser temporária. Às vezes, até desvirtua ou, às vezes, até sendo jugadas improcedentes pelo tempo. Eles vão cansando. Mas em relação a essa, eu acho que se não houvessem atendido ao pedido deles, continuariam o movimento, é uma categoria forte.

Isso deixa algum recado para os trabalhadores?
Com certeza, de união mesmo, para conseguir melhorias. É o instituto mais eficaz que o trabalhador tem, e é forte na América Latina. No Brasil não era tão forte, eles observaram isso, que é o meio mais eficaz de pressão. Todas as pesquisas que se fazem, é o meio mais eficaz, no mundo inteiro é uma questão histórica. Falta muito a união. Na verdade, às vezes, a conjugação de interesses não é tão linear. Eu posso até dar um exemplo: eu me lembro da época de estudante lá na Ufba, os outros professores diziam que os professores de Direito enfraqueciam o movimento. A rigor eram procuradores, eram grandes advogados, juízes, promotores, que eram diferentes de um simples professor de filosofia, por exemplo, que tem aquela atividade essencialmente acadêmica. Então há ainda uma necessidade dessa visão do coletivo.