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Marca Bahia Notícias Justiça

Entrevista

'Empresariado não pode ser visto como vilão', diz advogado sobre leis trabalhistas

Por Cláudia Cardozo

'Empresariado não pode ser visto como vilão', diz advogado sobre leis trabalhistas
Fotos: Caio Lírio/Bahia Notícias
A reforma de direitos trabalhistas tem sido pautada nos últimos meses, desde que o governo interino de Michel Temer foi empossado. A necessidade de reformar as leis trabalhistas foi pontuada pelo advogado trabalhista Marcelo Ferraz, membro da Associação Baiana de Advogados Trabalhistas (Abat). Em entrevista ao Bahia Notícias, o advogado defendeu que as normas trabalhistas sejam revistas e que o empresariado não pode ser visto como “vilão”. Ferraz também diz que a flexibilização das leis trabalhistas não é novidade, e que já ocorre desde a existência da própria Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). “Sempre e a todo o momento é criada novas leis justamente para poder flexibilizar as questões trabalhistas. A necessidade de se fazer uma reforma, isso é indiscutível, inclusive essa não é uma questão somente do Brasil, é no mundo todo”, pontua. O especialista também diz que direitos como o 13º salário e FGTS não devem ser prejudicados. Sobre o 13º, ele diz que o pagamento poderá ser feito de forma parcelada, no decorrer do ano.

Nos últimos meses, tem se discutido muito que o governo interino pode vir a mudar a legislação trabalhista. Da forma como é discutida, ela pode ser prejudicial para os trabalhadores?

Depende da perspectiva. A flexibilização das leis trabalhistas é algo que já vem acontecendo desde quando existe a própria Consolidação das Leis Trabalhistas [CLT]. Sempre e a todo o momento é criada novas leis justamente para poder flexibilizar as questões trabalhistas. A necessidade de se fazer uma reforma, isso é indiscutível, inclusive essa não é uma questão somente do Brasil, é no mundo todo. Se tem a Grécia que, quando passou por um período de crise, flexibilizou direitos trabalhistas, você tem a Alemanha, também, com a Merkel flexibilizando, e agora também tem um movimento numa contramão, por exemplo, dos Estados Unidos ampliar direitos trabalhistas - mas os Estados Unidos seria um caso à parte, porque eles têm uma regulamentação extremamente liberal. Então, é nem tão pouco nem tanto. O que acontece muito é que pode haver em um período inicial uma necessidade de adequação e talvez uma prejudicialidade para o empregado. Isso pode ocorrer. Agora, se não fizer isso o empresariado não sobrevive. Hoje, tem grandes empresas e tem pequenas empresas, que não deveriam cumprir as mesmas regras. A proposta da flexibilização do governo Temer passa -  inclusive tem o apoio de Ives Gandra, que é o presidente do TST - muito pela questão da negociação coletiva. Quando há sindicatos fortes, tanto de empregados quanto de empresas, é possível discutir melhores adequações para a sua realidade. Isso, para mim, é extremamente vantajoso e é obvio que cada setor da economia tem suas peculiaridades e tem suas necessidades. A longo prazo, isso se trata de algo necessário e algo que vem a ser positivo.

A questão da negociação coletiva é um ponto de entrave nesse debate, pois algumas instituições entendem que isso pode se sobrepor a CLT.
Na verdade, existe um princípio no direito do trabalho que é o princípio da norma mais favorável. O que eu vejo, pode até ser uma idéia conservadora, é que se tem, cada vez mais, para o hipersuficiente, que é o empregado, muitas proteções. Tem uma máxima que dentro do meio jurídico a gente discute que é, quem protege demais acaba desprotegendo. Quando se fala em uma hipótese de uma negociação coletiva ela pode vir a prejudicar, pode. Estamos falando de uma convenção coletiva, em que se tem diversos pontos favoráveis e diversos pontos contra. O que acontece hoje, é que não se tem uma segurança jurídica capaz de atrair investimento externo e capaz, inclusive, de promover um crescimento do empresariado. Essa segurança não existe, pois, ao fazer uma convenção coletiva se pontua que determinado benefício vai ser concedido em detrimento de determinado esforço por parte do empregado. Só que aí vai para Justiça e aí quando chega na lá se tem essa cláusula que é vista como prejudicial. Não vale, mas essa cláusula que beneficia vale, que é um ponto positivo. Então, valorizar somente os pontos positivos gera uma insegurança muito grande. É preciso, de fato, discutir para poder dar valor a convenção coletiva, que é, inclusive, regida pela própria Constituição Federal. A medida em que se dá muito poder a negociação coletiva, fatalmente vai acabar correndo o risco de ter sobrepostos determinados direitos que estão previstos em lei. Mas, em compensação, você vai ter outros benefícios que não estão previstos em lei. É uma discussão que se ninguém quiser ceder, não vai se chegar a um consenso.

O que uma boa parte dos empregadores alega é que a folha de pagamento, os encargos trabalhistas são muito altos. É preciso rever os tributos que são arrecadados por conta desses direitos trabalhistas?
Com certeza. Quando se pensa em um empregado, em termos de salário mínimo, ou em termos de qualquer salário, ele custa para a empresa uma média de duas vezes mais aquilo que de fato ele recebe. Quando se tem um empregado, o empregado não custa aquilo que ele está botando no bolso, o empregado custa duas vezes, duas vezes e meia aquilo que ele, empregado, está colocando no bolso. E isso é muito pesado para você ter até em empresas de grande porte. Então quando se pensa numa empresa com 5, 6, 10 funcionários, é uma empresa que se ela tem dez funcionários com carteira assinada, o lucro que ela tem que ter, não é nem o lucro, mas a capacidade de receita que ela tem que ter, é muito grande para compensar ter esses empregados todos formalizados e seguindo todas as regras que as legislações trabalhistas impõem.

As pequenas empresas não têm nenhum incentivo do governo, uma redução de tributos para poder regularizar esses trabalhadores?
Existe um incentivo, mas é um incentivo pequeno. Em termos de receita, dentro de empresas de pequeno porte, microempresas, que incentivos fiscais, mas são incentivos fiscais que não alcançam as verbas trabalhistas. Não se tem nenhum tipo de diferença entre aquilo que o trabalhador de uma pequena empresa recebe e aquilo que recebe o trabalhador de uma grande empresa. Essa distinção não existe, e mais, se você pensa numa negociação coletiva, essa convenção coletiva vai abarcar aquela empresa que está submetida a ela, seja ela com dois funcionários, e aquela empresa que está submetida a ela, seja com dois mil funcionários. Então, muito embora, às vezes, você tenha vários escalonamentos, porque senão não teria sentido nenhum, mas para efeito de incentivo de legislação trabalhista, você não teria distinção entre o tamanho das empresas.

A classe trabalhadora teme uma possível afetação do FGTS, do 13ª salário, com essa proposta de flexibilização. Como ficam esses dois benefícios realmente se essa proposta avançar?
Olha, ainda é uma proposta muito inicial, ainda se discute ela no plano das idéias, ainda não se tem nada concreto sobre como elas iriam ficar. Existem sugestões, você tem, por exemplo, sugestões de 13º salário pago de forma parcelada, não em termos de extinção do benefício. Na verdade, o ministro do Trabalho, quando pontuou isso foi recebido de forma positiva pelo governo interino, inclusive com aval do presidente do TST. Existem determinadas flexibilizações no sentido de parcelar formas de pagamento, de, aí eu incluo o 13º. De diminuir determinadas questões relacionadas a intervalo entre as jornadas, porque hoje você tem uma hora de descanso, é o mínimo, e se convencionar 45 minutos, 30 minutos, se está infringindo a lei, então qual seria a compensação? Tudo está sendo trabalhado no regime de compensação. Se você atinge essa jornada, se diminui esse intervalo, você teria uma compensação que seria uma saída mais cedo do trabalho. Isso ainda tem algumas nuances que seria somente para os empregados que permanecerem na empresa no período de intervalo, então a coisa está sendo estudada, o projeto está sendo feito de uma forma bem cuidadosa justamente para poder tentar atender, obviamente que não vai conseguir, mas para tentar atender um maior número de partes satisfeitas, seja empregado, seja empregador, seja governo. A coisa vem caminhando dessa forma, agora, de concreto, ainda não se tem nada, não se sabe como vai funcionar.

Se essa proposta de valorização do acordo coletivo for validada, ela pode fazer com que os sindicatos possam ser mais atuantes e se fortaleçam?
A gente tem um problema sério. A nossa CLT é de 1943, feita por Getúlio Vargas, na época que o populismo estava em alta e ele precisava ganhar essa classe. Se tem uma falha muito grande dentro dos sindicatos que é a especificidade. Quanto mais específico for o sindicato, mais ele pode existir. Por exemplo, o sindicato dos comerciários, ele vai abranger toda a classe de comércio, mas aí tem alguém que tem a brilhante idéia de ‘vamos construir o sindicato dos calçados’, então aquele que era comerciário, ainda que seja na mesma base territorial, ele vai ter que agora ser representado por esse sindicato. Aí alguém tem a outra brilhante ideia: ‘vamos abrir agora o dos cadarços’. Então você vai abrir o sindicato dos cadarços e aquele pessoal que vai fabricar o sapato não é mais daquele outro sindicato. Se tem essa brecha, que faz com que vários sindicatos, de fato, possam ser criados todos os dias. À medida que você fortalece essa negociação coletiva, você vai precisar de sindicatos fortes, sob pena de você poder prejudicar, de sobremaneira o empregado. Eu vejo isso com bons olhos principalmente na medida que você vai ter que alterar determinada legislação, vai ter que alterar a CLT acerca dessa criação sindical, da contribuição sindical, para justamente você ter o sindicato forte, porque a gente sempre pensa um sindicato forte, um sindicato do empregado, mas você também precisa de um sindicato forte do empregador, para que você também consiga se impor, porque, por exemplo, o direito a greve vai continuar existindo, o direito a greve não se discute. Na verdade, o que tem que se parar de analisar aqui no Brasil, óbvio que ainda tem muitas coisas, trabalho semelhante ao escravo, por exemplo, mas tem que se parar de ver o empresariado como o vilão. O empresariado não é o vilão. É muito mais fácil identificar o governo como um vilão, do que, de fato, o empresariado. Na medida em que todo mundo tiver essa consciência, inclusive o empregado vestir a camisa da empresa, talvez haja um ponto em comum e um consenso justamente para você evoluir nessa questão de negociação sindical.

Sobre o programa de flexibilização, já existe um programa do governo federal que é o Programa de Proteção ao Emprego (PPE). Até que ponto esse programa está sendo colocado em prática, até que ponto esse programa ta sendo benéfico para as partes?
O que muitas empresas questionam, falam do PPE, é que ele é muito burocratizado, já é uma flexibilização, mas não é uma flexibilização nova. É bom que se diga isso, que já existe, por exemplo, instituído na CLT o lay off, que é um sistema muito semelhante ao PPE, agora com determinadas características diferentes, principalmente no ponto de contribuição do governo. O PPE, criado pelo governo, é interessante na medida em que o governo se responsabiliza por uma parte do salário do empregado, limitado a um patamar. É um ponto positivo. Ele tem um limite de aplicação em termos temporal.  Ele só pode ser programado durante, ou só pode existir durante um período, e ele tem, de fato, uma redução de até 25% do salário concomitantemente com a redução de carga de trabalho. É um ponto positivo, é bom, é, mas o que eu vejo hoje é que existe uma dificuldade do empregador, em termos de burocratização desse sistema, inclusive porque você precisa do apoio sindical para que isso venha a ocorrer.

Tem outra proposta que é a questão de permitir a terceirização de atividade fim, o que poderia trazer à tona aí a pejotização. Em que contexto a pejotização pode ser benéfica em qual contexto ela pode ser prejudicial?
A pejotização já é uma realidade. O que se tem que fazer é legalizar uma questão que já acontece, principalmente quando você tem empresas do ramo da área de saúde, do ramo da área de comunicação. Isso já existe, é prejudicial na medida em que você pode acabar gerando uma falta de fiscalização, o que consequentemente, pode gerar prejuízos ao empregado em termos de salário, em termos de segurança do trabalho. Existe uma pesquisa que pontua que, não vou me lembrar exatamente o percentual, então eu vou preferir não falar, mas era uma quantidade alta de acidentes de trabalho que acontecem com terceirizados, porque possivelmente existe uma proteção maior da empresa em relação ao seu empregado. Agora, você tem um contexto que é extremamente satisfatório da terceirização da atividade fim, é que você potencializa a possibilidade de criação de empregos e outra, tem muitas pessoas que preferem trabalhar dessa forma e isso não é levado em consideração, você tem uma segunda garantia de recebimento de suas verbas trabalhistas, então você pode tanto acionar a principal, a sua empregadora, como a tomadora de serviços, então você já gera uma segurança maior de recebimento, e você tem uma flexibilização em termos de autonomia, você colocando um terceirizado de atividade fim, e aí eu posso te dar um exemplo claro, uma clínica médica, qual seria a atividade fim dela, seria a clínica, a parte de consultório, atendimento médico, o médico, ele prefere, é uma opção dele, ser terceirizado, ser uma pessoa jurídica que atende, porque isso proporciona a ele um atendimento em vários lugares, então se você tem atendimento em vários lugares, consequentemente, você tem renda de várias fontes, você tendo renda de varias fontes, se uma lhe faltar, você ainda tem outras, então as pessoas não observam por esse lado, muita gente observa que o ideal, o seguro, é você ter carteira assinada, quando, na verdade, você ter carteira assinada, você só tem uma segurança, se você tem por outro lado uma pessoa jurídica, se você é dono do seu próprio negócio, se você se gere, você pode proporcionar diversas fontes de renda diferentes que te gerariam uma renda maior.

Mas isso seria com profissões mais valorizadas, mas isso não poderia impactar em profissões menos valorizadas em segmentos da sociedade, trazer a precarização?
Poderíamos, inclusive, nós temos como cliente uma empresa especializada em terceirização de serviços. Existe a precarização? Não. Eles seguem exatamente a mesma convenção, do nicho ao qual eles estão dispostos a abarcar no mercado. Você tem, muito pelo contrario, uma valorização do empregado, porque você tem a possibilidade de cobrar de duas pessoas, e você tem exatamente os mesmos valores que você estaria recebendo se você tivesse dentro de uma empresa com carteira assinada. Tem terceirizações que podem ser feita através de grupos, grupos se organizarem e montarem um sistema para prestar serviços para outras empresas, ou até empresas terceirizadas, ou empresas constituídas pra prestar determinado serviço naquele nicho, então você pode pensar por exemplo numa empresa de asseio, numa empresa de limpeza, que ai a gente taria falando de um nível não tão qualificado como um medico, num nível de qualificação não tanto quanto um médico, mas que essa empresa ela poderia sim seguir uma convenção coletiva e ter varias pessoas com carteira assinada prestando serviço pra varias outras empresas e cada vez mais isso geraria uma segurança, porque se um empregado dessa empresa presta serviço pra A, B e C, ele pode acionar o seu empregador A, B e C.

Essa flexibilização, em algum momento, ela pode gerar insegurança para o trabalhador, para a vida e saúde do trabalho?
Existe uma preocupação no sentido de não se mexer muito dentro da estrutura da CLT e da Constituição Federal. A questão dos acidentes de trabalho, de forma geral ou de cargas extenuantes de trabalho, eu acho que passa muito mais pela fiscalização do que pela flexibilização. Existe, e eu acho que tem que existir, em conjunto com essa flexibilização, maior rigor em termos de fiscalização.

Essa insegurança ela nasce do ditado que a Justiça do Trabalho é paternalista, que ela atende muito mais o trabalhador do que o empresariado?
Existe o princípio que é o princípio do hipersuficiente, in dúbio pro operario, essa é uma máxima, um princípio do direito do trabalho. A questão paternalista, de fato, existe e é instituída. Não sei se hoje, nos dias atuais, essa necessidade de segurança para os empregados deveria ser feito de forma tão ostensiva. A questão, por exemplo, que você pensa o FGTS, o que é o FGTS? O FGTS é o governo que vira para o empregado e diz ‘você não tem condição, não sabe cuidar do seu dinheiro, então eu vou cuidar para quando você sair, você ter uma reserva’. Óbvio que tem as questões políticas que envolvem, isso porque muitos dos incentivos e do financiamento de determinadas áreas, são feitos decorrente desse dinheiro, mas em termos trabalhistas é isso que o FGTS cultua. Eu, advogado, preferia ter meu dinheiro do que deixar para o governo administrar e lá na frente eu poder resgatar, mas isso sou eu. Talvez ainda, o brasileiro não esteja amadurecido o suficiente para poder ou pelo menos em determinados níveis de profissão, para poder cuidar do seu próprio dinheiro, então essa questão do paternalismo ele existe e é presente, não acho que tem que ser extinto, mas eu acho que de fato ele deve ser flexibilizado.
Só para finalizar, existem vários Códigos no Brasil, Código de Processo Penal, e a gente tem uma CLT, que não é um código, essa diferença é porque a gente ainda não amadureceu a questão das leis trabalhistas para que ela possa alcançar o nível de código?
Eu acho que hoje, se você pensar, na verdade, não é nem achismo, existe um dado que entre leis trabalhistas de todos os âmbitos, súmulas, orientações judiciais, todas as normas trabalhistas, dão em torno de 1700 normas. Compilar 1700 normas não é uma tarefa fácil. Acho que já existe amadurecimento suficiente para que haja um Código de Processo e um Código Trabalhista, inclusive o próprio Código de Processo Civil traz algumas características da CLT. Em termos de processo, apesar de ser de 1943, ela é muito boa, ela trouxe coisas muito boas, agora em termos de direito material, que é aquelas regras que estão contidas na legislação para o empregado ou para o empregador, aquelas regras que regem a relação, isso precisa ser revisto de uma forma urgente, porque a gente tem compilações de legislação de 1916, complicações de 1917, 1926, depois você tem a CLT de 1943, você tem normas e outras normas que vem se produzindo. Se você pensar que a CLT é uma consolidação de leis e eu tenho um Código Civil, a nomenclatura não dá nenhum grau de hierarquia, não existe porque é uma consolidação de leis, ela tem menos valor, menos peso do que o Código, mas na verdade, isso passa muito mais por questão de nomenclatura, porque se você pegar até na parte organogramica da coisa, se você pegar o layout é exatamente igual, você tem artigos compilados, em seqüência, e numa seqüência lógica.