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Tributo em Pauta: O curioso caso da avaliação de ofício do ITIV em Lauro de Freitas

Por Anderson Pereira

Tributo em Pauta: O curioso caso da avaliação de ofício do ITIV em Lauro de Freitas
Foto: Arquivo Pessoal

O Imposto sobre a Transmissão Inter Vivos (ITIV) é um tributo de competência municipal derivado do antigo Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) de competência dos Estados, e é cobrado em toda transferência onerosa de imóveis, direitos reais sobre os mesmos ou cessão do direito de aquisição, conforme art. 156, inciso II da Constituição Federal de 1988 (CF/88).

 

Na prática, ao solicitar o registro do documento que materializa a transmissão, é preciso comprovar o recolhimento do referido tributo, como condição do ato que compete ao Oficial de Registro de Imóveis, e sobre o qual este detém responsabilidade pela fiscalização do recolhimento dos tributos correspondentes (art. 289 da Lei nº 6.015/73 c.c. art. 30, inciso XI, da Lei nº 8.935/94 c.c. art. 134, VI do CTN).

 

Em regra, bastaria observar o valor indicado no instrumento do negócio jurídico (base de cálculo) e aplicar a alíquota definida pela legislação. Contudo, os Tribunais há algum tempo vinham aceitando a edição de leis municipais estabelecendo um “valor alternativo” de arbitramento do tributo, possibilitando a exigência do ITIV sobre o maior valor entre aquele indicado no documento e o denominado “valor venal”, determinado pelos Municípios.

 

Como não era incomum que esta parâmetro superasse o valor do documento, muitas vezes por completa dissociação dos critérios municipais de valoração do imóvel em relação aos movimentos do mercado do que por refletir a realidade, as administrações tributárias rapidamente adotaram essa modalidade de cobrança, que lhe autoriza tributar sempre o maior valor, concedendo ao contribuinte apenas o direito de pedir uma avaliação contraditória.

 

Logo neste ponto é possível apontar o equívoco de algumas dessas legislações municipais, que impõem ao contribuinte o ônus de provar que o valor atribuído pelo Município é errado. Além da própria presunção de legitimidade dos atos administrativos, que demanda maior rigor na apreciação do cumprimento do dever de prova contrária, as normas gerais sobre lançamento são de competência exclusiva de Lei Complementar e já possuem balizas traçadas no art. 148 do Código Tributário Nacional (CTN).

 

De acordo com este dispositivo, a base de cálculo do ITIV é o valor indicado no instrumento do negócio jurídico e é da administração o ônus de comprovar qualquer equívoco naquele valor, em uma sistemática que reflete uma lógica bem mais adequada, considerando que o Município, como detentor do cadastro municipal e instituidor dos parâmetros de definição do valor venal, possui melhores condições de comprovar possíveis irregularidades.

 

Assim, por consequência, não deveriam editar normas que modificam substancialmente, sobretudo em desfavor dos contribuintes, o procedimento de lançamento já estabelecido pela norma geral. Mas, o advogado tributarista não fica sem trabalho (talvez seja esse o motivo de não se conseguir mais navegar na internet sem ser contemplado com algumas das imperdíveis oportunidades, gratuitas ou não, de últimas vagas em cursos que vão revelar todos os seus segredos dessa área considerada promissora). (Ch)oremos.

 

Em Lauro de Freitas, além de se deparar com essa inversão do dever de provar a base de cálculo correta do ITIV (art. 113 da Lei Municipal nº 1.572/2015) quando não concordar com a avaliada de ofício, o contribuinte ainda se depara com um procedimento um tanto quanto peculiar, pois, ao solicitar o Documento de Arrecadação Municipal (DAM) no órgão competente, apenas recebe o cálculo efetivado, sem qualquer indicação dos parâmetros necessários para sua compreensão.

 

O Código Tributário Municipal não estabelece qualquer procedimento administrativo desta “avaliação de ofício”. O contribuinte não tem acesso a nada, além do DAM, que possibilite identificar como se encontrou o valor arbitrado de ofício, que muitas vezes supera aquele considerado para o IPTU e o próprio valor de mercado efetivo do imóvel.

 

Para completar, o site da Secretaria da Fazenda Municipal de Lauro de Freitas não disponibiliza todas as normas tributárias do Município. O Decreto Municipal nº 3.941/2016, por exemplo, que regulamentaria o procedimento da avaliação de ofício, salvo equívoco, só é encontrado no site da Secretaria de Meio Ambiente, Saneamento e Recursos Hídricos de Lauro de Freitas, apesar de se referir exclusivamente à matéria tributária.

 

Mas, mesmo que o contribuinte consiga encontrá-lo, não é possível considerar que será capaz de compreender o cálculo que recebeu do ITIV. Por exemplo, o Decreto prevê que o enquadramento do imóvel considerará as informações do cadastro municipal, e traz um anexo estabelecendo o preço da edificação de acordo com alguns padrões (bom, luxo, médio, popular, proletário), todavia, ao menos até este ano de 2022, essas características não estão indicadas no lançamento do IPTU e nem no espelho do cadastro imobiliário.

 

Desafiando a triste (embora, exitosa) sátira eleitoral de que “pior que tá não fica”, a infelicidade do contribuinte não encontra seu limite nesta etapa. Como o Código Tributário de Lauro de Freitas sugere um procedimento de avaliação, o Poder Judiciário tem indeferido liminares em mandados de segurança, pela ausência de juntada de cópia do processo administrativo fiscal desta apuração da base de cálculo pelo Fisco, postura que poderia ser considerada prudente e adequada, se existisse um procedimento efetivo.

 

Nos autos nº 8006724-06.2020.8.05.0150, por exemplo, é possível observar que o Município, para atender a expressa determinação judicial, junta à sua contestação um processo administrativo fiscal de revisão do cálculo do ITIV. Contudo, este é aquele solicitado pelo contribuinte, de acordo com a sua faculdade de contraditar o arbitramento administrativo (art. 113, § 3º da Lei Municipal nº 1.572/2015), mas nem o exame do seu conteúdo permite encontrar aquele que, se existisse, deveria ser apresentado, que é o procedimento de apuração de ofício da base de cálculo do ITIV, sugerido no caput do art. 113 da Lei Municipal nº 1.572/2015.

 

Embora o contribuinte do exemplo acima tenha obtido decisão favorável na esfera administrativa, é substancial a quantidade de situações que nem chegam ao Judiciário pelo receio da morosidade (o processo mencionado é de 2020 e ainda não possui sentença, por exemplo), o que acaba contribuindo para a dificuldade de encontrar mais decisões sobre a matéria.

 

Na maioria das vezes, o contribuinte se sente em um “beco sem saída”, e acaba acatando a sugestão, que recebe no próprio atendimento da secretaria, de providenciar um laudo para apresentar a avaliação especial prevista na legislação municipal, e que frequentemente é respondida com uma proposta informal de novo valor do imposto (encontrado por critérios igualmente desconhecidos) mas que, curiosamente, costuma se aproximar do que seria a metade da diferença entre aquele do primeiro DAM emitido para o apontado no laudo do contribuinte, ou seja, um meio-termo que costuma ser aceito, menos pela sua adequação do que pelo desinteresse de arcar com os custos de uma ação judicial, sem mencionar os custos já suportados para confecção do laudo.

 

Enquanto isso, para aqueles que querem compreender ou verificar a regularidade da avaliação de ofício resta a esperança de que, na próxima vez que estiver navegando na internet e “arrastar pra cima”, apareça o curso que desvenda esse segredo, se é que também existe ou não precisa de outro que ensine a encontrá-lo. “Tempos estranhos”, como dizia um ex-Ministro do STF.

 

*Anderson Pereira é advogado tributarista licenciado, professor de Direito Tributário e conselheiro do Conselho de Fazenda do Estado da Bahia e do Conselho Municipal de Tributos de Salvador