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Tributo em Pauta: ICMS sobre combustíveis - o que mudou?

Por Rafael Figueiredo

Tributo em Pauta: ICMS sobre combustíveis - o que mudou?
Foto: Arquivo Pessoal

Em 11/03/2022, foi publicada a Lei Complementar nº 192, aprovada em tempo recorde pela Câmara de Deputados e Senado Federal sob a justificativa de adoção de uma medida imediata contra a disparada dos preços dos combustíveis.  Esta lei (LC 192) mudou a sistemática da cobrança do ICMS sobre os combustíveis (mais precisamente a gasolina, o álcool, o diesel, e o gás).

 

A sistemática anterior previa a aplicação de uma alíquota percentual sobre o PMPF (preço médio ponderado ao consumidor final). Nós já abordamos este tema na nossa Coluna, mas, caso não lembrem, é só conferir aqui.

 

Como aqui no Tributo em Pauta quem manda é o leitor, se você não quiser ir lá relembrar, vamos te ajudar resumindo o que dissemos no artigo anterior.

 

O PMPF é uma estimativa de quanto vai custar o combustível na bomba e varia de Estado para Estado, sendo revisto quinzenalmente em ato publicado pelo CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária), órgão que conta com a participação de representantes de todas as Secretarias de Fazenda Estaduais e também de representantes do fisco federal e Ministério da Economia.

 

Para chegar no ICMS devido, é só aplicar o percentual (alíquota) sobre o preço estimado de venda (PMPF) e quanto maior o preço, maior será o ICMS.

 

Cada Estado da Federação institui em lei o percentual de alíquota que quiser. Aqui na Bahia, por exemplo, a alíquota aplicável à gasolina é de 28%, a aplicável ao álcool é 27%, mesmo percentual aplicável ao diesel, mas este goza de uma redução de base de cálculo para reduzir a alíquota final para o patamar de 18%.

 

E em substituição a esta sistemática atual, a LC 192 passou a prever que o ICMS deve ser uniformizado em todo território nacional e cobrado em valor fixo por cada litro de combustível. Ou seja, será cobrado ICMS de R$ X /litro, sendo que o valor de X será definido pelos Estados em ato do CONFAZ e revisto a cada 12 meses.

 

A LC 192 foi muito comemorada na época da sua publicação, pois prometia simplificar a tributação dos combustíveis e reduzir a carga de ICMS incidente sobre eles.

 

Contudo, meus amigos, como diria nosso lendário Mané Garrincha (ao questionar o técnico Feola após preleção antes da partida entre Brasil e Rússia pela copa de 1958): “já combinou com os russos?”.

 

Pois é, senhores. A alteração foi feita sem combinar nada com os Estados (os “russos”), que ficaram possessos com a iminente perda de arrecadação proveniente da mudança de sistemática e chegaram até mesmo a ameaçar ingressar com medida perante o Supremo Tribunal Federal contra a LC 192, alegando ofensa ao pacto federativo.

 

Trocando em miúdos, os Estados reclamavam que a União teria se intrometido na esfera de competência deles, sem atentar para as consequências que a perda de arrecadação acarretaria aos orçamentos estaduais e também aos municipais, uma vez que 25% do produto da arrecadação é repassado aos municípios.

 

Contudo, os Estados perceberam que não precisariam ir tão longe para anular os efeitos da mudança de sistemática de cobrança do ICMS. Bastava estipular a alíquota fixa por litro em valor igual ou superior à carga tributária atualmente vigente. E foi exatamente isso que fizeram quando implementaram o Convênio CONFAZ nº 16/2022, que estipulou o valor fixo de ICMS por litro em R$ 0,9986 para o óleo diesel e em R$ 1,0060 para o óleo diesel S10.

 

Estes valores fixos de ICMS por litro de óleo diesel representam, na verdade, a maior carga tributária de ICMS sobre o produto que existe no Brasil hoje, que é a adotada pelo Estado do Acre. Ou seja, adotou-se como valor fixo e uniforme para todo o país o equivalente à maior carga de ICMS que é cobrada atualmente sobre o diesel entre todos os Estados da Federação.

 

Em contrapartida, o Convênio prevê a faculdade dos Estados adotarem o chamado “fator de equalização”, que nada mais é do que implementar um desconto referente à diferença entre este valor fixo ora adotado e a carga tributária efetiva que cada Estado já adota até então.

 

Em resumo: cada Estado poderá escolher se vai equiparar a sua tributação ao teto, que é a carga tributária cobrada no Acre, aumentando o ICMS, ou se vai aplicar o desconto e manter do jeito que está atualmente.

 

No caso da Bahia, foi aplicado o desconto e mantida a carga tributária. Aqui a diferença entre o que já era cobrado e teto foi de R$ 0,0466 para o óleo diesel e de R$ 0,0230 para o óleo diesel S10.

 

Em São Paulo, por exemplo, o fator de equalização adotado foi no patamar de R$ 0,34, pois o valor cobrado de ICMS lá já era bem menor do que teto ora instituído.

 

O Convênio nº 16/2022 não autoriza os Estados a instituírem descontos maiores, ou seja, não é possível reduzir a carga tributária então vigente, o que anula completamente a intenção da LC 192 de redução da carga tributária de ICMS sobre combustíveis.

 

Neste ponto, é preciso ressaltar que os Estados já estavam com o PMPF congelado desde novembro/2021 e alegam que isso representa renúncia de receita de R$ 18,9 bilhões, conforme informou o Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz).

 

Por outro lado, é também preciso observar que nunca se arrecadou tanto ICMS sobre combustíveis e que esta arrecadação bate recordes a cada ano, pois o preço dos combustíveis não para de subir. Segundo o IBGE, em 2021 houve um aumento de 54,95% no álcool, de 45,72% no óleo diesel e de 42,71% na gasolina.

 

Percebe-se que o Convênio CONFAZ nº 16/2022 foi uma resposta dos Estados à tentativa de redução do ICMS combustíveis que foi tentada pela LC 192, aprovada pela Câmara e Senado em tempo recorde e sem muita discussão e amadurecimento da matéria.

 

No frigir dos ovos, o valor fixo de ICMS aplicável a cada litro de óleo diesel passará a valer a partir de 1º julho de 2022 e representará a manutenção da mesma carga tributária vigente até então, que está congelada desde novembro de 2021. Se olharmos pelo lado bom, tal carga não poderá mais ser aumentada nos próximos 12 meses, ainda que haja disparada de preço do diesel.

 

Ainda não foi implementada pelo CONFAZ a alíquota fixa que será aplicável à gasolina, ao álcool e ao gás a partir de 1º julho, mas já foi publicado o ato que estende até 30 junho o congelamento de PMPF e garante que eles continuem sendo tributados à mesma carga tributária de ICMS aplicada desde novembro de 2021. A publicação do valor fixo de ICMS por litro destes produtos deve seguir a mesma linha do que foi adotado para o óleo diesel.

 

Nesta briga de narrativas entre Estados e Governo Federal, nós (consumidores e contribuintes) ficamos a ver navios e continuamos pagando os elevadíssimos preços atualmente cobrados pelos combustíveis, sem qualquer horizonte de melhora. Se o preço da gasolina está alto até para o “embaixador” Gustavo Lima, imaginem para a gente, meus amigos.

 

Enquanto isso, a Petrobrás bate recorde de lucro, os Estados batem recorde de arrecadação de ICMS, e quem paga esta conta somos nós.

 

*Rafael Figueiredo é advogado tributarista, professor de Direito Tributário, mestre em Direito pela UFBA- Universidade Federal da Bahia, MBA em Gestão Tributária pela USP-Universidade de São Paulo, com especialização em Direito Tributário pelo IBET-Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, e ex-Conselheiro do CONSEF-Conselho de Fazenda do Estado da Bahia.