Usamos cookies para personalizar e melhorar sua experiência em nosso site e aprimorar a oferta de anúncios para você. Visite nossa Política de Cookies para saber mais. Ao clicar em "aceitar" você concorda com o uso que fazemos dos cookies

Marca Bahia Notícias Justiça

Coluna

Tributo em Pauta: ICMS sobre Transferências - Manutenção e Transferência do Crédito

Por Rafael Figueiredo

Tributo em Pauta: ICMS sobre Transferências - Manutenção e Transferência do Crédito
Foto: Arquivo Pessoal

Em nosso último artigo aqui nesta Coluna tratamos da não incidência do ICMS sobre as operações de transferência entre estabelecimentos do mesmo titular e do direito à manutenção dos créditos das operações anteriores (veja aqui). 

 

Se não quiser ler também não tem problema. Vamos resumir aqui o que dissemos lá para você pegar o fio da meada.

 

Em síntese, nas transferências de mercadoria de um estabelecimento para outro do mesmo titular ocorre apenas a circulação física da mercadoria, a qual continua sendo do mesmo proprietário e, portanto, não há venda (operação de circulação jurídica de mercadoria) que justifique a incidência do ICMS.

 

Desta forma, transferir mercadorias está fora do campo de incidência do ICMS tal como o caso de uma mercadoria que fica encalhada na prateleira do mercado sem ser vendida, ou seja, a transferência não é uma circulação de mercadoria, pois esta continua sob a titularidade do mesmo contribuinte.

 

Por conta disso é que nos casos de transferências de mercadorias não se deve aplicar a exceção constitucional prevista no art. 155, §2º, II, “a” e “b”, a qual somente se enquadra nos casos em que há mudança de titularidade da mercadoria. Assim, deve ser reconhecido o direito à manutenção dos créditos pelo contribuinte que realiza a transferência de mercadoria entre estabelecimentos da sua titularidade.

 

Ocorre, caro leitor, que garantir o direito à manutenção dos créditos do ICMS não é suficiente, é preciso mais, é necessário que se permita ao contribuinte transferir estes créditos junto com a mercadoria para o seu outro estabelecimento (ambos do mesmo titular) que recebe as mercadorias a título de transferência, sob pena de criarmos uma situação ainda mais gravosa que é a inconstitucional cobrança de ICMS sobre as transferências entre estabelecimentos do mesmo titular. Expliquemos.

 

Até o presente momento, a cobrança do ICMS nas operações de transferência permite ao estabelecimento que recebeu as mercadorias em transferência se creditar do imposto na próxima operação de saída de mercadoria. Assim, exige-se inconstitucionalmente o tributo na operação, mas isso acaba se anulando com o creditamento do valor exigido na próxima operação. O contribuinte tem o custo do adiantamento do imposto que precisa ser pago na operação de transferência, mas não perde o direito aos créditos de ICMS referentes a todas as operações anteriores.

 

Frisamos que esta é a situação que vige até o momento, porque apesar de o STF ter concluído sobre a inconstitucionalidade da cobrança do ICMS nas transferências entre estabelecimento do mesmo titular, ainda não esclareceu a partir de quando vale esta decisão. Aparentemente, na melhor das hipóteses, a decisão passará a valer a partir de 2023.

 

O STF ainda está analisando a partir de quando valerá a decisão e também está enfrentando o ponto fulcral do nosso artigo, o direito à manutenção e à transferência dos créditos de ICMS referentes às operações anteriores à transferência entre estabelecimentos do mesmo titular.

 

Como a justificativa para a manutenção do crédito nós abordamos em nosso último artigo, vamos tratar aqui apenas da necessidade de se garantir a transferência dos créditos junto com a mercadoria.

 

Se não for reconhecida a possibilidade de tal transferência de créditos, o estabelecimento remetente da mercadoria em transferência irá acumular créditos em demasia, gerando um alto crédito com o Estado da Federação onde estiver localizado. Por sua vez, o estabelecimento destinatário da mercadoria em transferência, irá suportar uma incidência cumulativa do ICMS, o que é vedado pela Constituição Federal.

 

Assim, a necessidade de se garantir a transferência dos créditos decorre da própria não cumulatividade do ICMS prevista na Constituição.

 

Esta é atual posição do relator do caso no STF, o Ministro Edson Fachin, que proferiu voto em sede de Embargos de Declaração para que a decisão produza efeitos a partir de 2023, determinando ainda que até esta data o Estados devem disciplinar a transferência de créditos de ICMS, sob pena de ser garantido aos contribuintes o direito de transferir os créditos.

 

Veja que aqui nos deparamos com a perversidade do sistema tributário brasileiro.

 

Há décadas que já reconhecido pelos Tribunais Superiores (STJ e STF) que é inconstitucional a cobrança de ICMS em transferências entre estabelecimentos do mesmo titular. Apesar disso, a nossa legislação infraconstitucional continua a prever a exigência do ICMS nas transferências entre estabelecimentos do mesmo titular.

 

Aí então vem o STF para nos salvar desse manicômio tributário, como bem denominou o professor Alfredo Augusto Becker, e reafirma o que ele mesmo e também o STJ já diziam há muito tempo. Mas, agora é à vera, agora é valendo, para não ter mais dúvida: não incide ICMS nas operações de transferência entre estabelecimentos do mesmo titular. Olhe que máximo, agora está esclarecido, ok? Não, não está.

 

Isso porque ainda tem a questão de como é que serão transferidos os créditos do ICMS meus amigos. Porque a legislação não está “pronta” para isso. Parece piada, mas é verdade.

 

Apesar de a Constituição reconhecer, desde 1988, o direito ao crédito do ICMS incidente nas operações anteriores (o qual não é cancelado quando é realizada a transferência entre estabelecimentos do mesmo titular), até hoje, em pleno 2022, não se sabe ao certo como é que o contribuinte vai transferir o crédito junto com a mercadoria, sem que seja exigido de forma inconstitucional o ICMS sobre a transferência.

 

E é esta dúvida que ainda não foi esclarecida pelo STF. Como dito, o voto do relator (Min. Fachin) é de que a partir de 2023 não seja mais cobrado ICMS sobre transferências, reconhecendo o direito à manutenção e à transferência dos créditos de ICMS, e que até o início de 2023 os Estados devem disciplinar a transferência de créditos de ICMS, sob pena de ser garantido aos contribuintes o direito de transferir os créditos.

 

Já o Min. Dias Toffoli votou para que a decisão valesse após 18 meses da publicação da decisão, reconheceu o direito à manutenção dos créditos, mas disse que a questão da transferência dos créditos deve ser regulamentada por meio de lei complementar.

 

O julgamento ainda não terminou porque o Min. Kassio Nunes Marques pediu vistas. Continuamos aguardando a solução a ser dada pelo STF.

 

*Rafael Figueiredo é advogado tributarista, professor de Direito Tributário, mestre em Direito pela UFBA- Universidade Federal da Bahia, MBA em Gestão Tributária pela USP-Universidade de São Paulo, com especialização em Direito Tributário pelo IBET-Instituto Brasileiro de Estudos Tributários e ex-Conselheiro do CONSEF-Conselho de Fazenda do Estado da Bahia.