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Coluna

Tributo em Pauta: ISSQN e (mais um) problema quanto ao dever de retenção

Por Leandro Aragão Werneck

Tributo em Pauta: ISSQN e (mais um) problema quanto ao dever de retenção
Foto: Arquivo pessoal

No campo da cobrança do Imposto sobre Serviços (ISS), mais um problema acirra os conflitos entre os Municípios e os prestadores de serviços neles sediados, sob o tema de hoje, no contexto da retenção do imposto.

 

O art. 128 do Código Tributário Nacional e o art. 6º da Lei Complementar nº 116/2003 dão lastro para que cada Município fixe, na sua legislação, situações em que os tomadores - os clientes - possam ser indicados como responsáveis pela tributação devida pelos prestadores de serviços que lhes beneficiaram.

 

Isto significa que, embora o contribuinte seja ordinariamente o prestador de serviço, nas situações postas na lei de certo Município, o tomador daquele mesmo serviço pode ser chamado a pagar pelo ISS devido - multa e acréscimos legais também, viu? - quando se constate que o próprio prestador não o tenha recolhido na data esperada.

 

A lógica por trás deste mecanismo é o de dar praticidade à arrecadação - já que a riqueza tributada (preço) está em poder do tomador até o ato de seu pagamento - através de uma atmosfera de expectativa e desconfiança que ensaia uma “teoria dos jogos” na tributação: se a contraparte não pagar e eu posso vir a responder, certo ou errado, melhor então que eu recolha o imposto, pague só o preço líquido e ele que se resolva com a Fazenda se tiver de pedir restituição.

 

As leis municipais instrumentalizam isto com as regras de retenção na fonte, não só dando a legitimidade como obrigando o tomador a reter e recolher o imposto em nome de seu prestador. É como faz, por exemplo, o Município de Salvador no art. 99 do seu Código (CTRMS) e que fixa 34 incisos de diferentes hipóteses para este tipo de conduta.

 

O dispositivo tomado como exemplo fixa uma regra segundo a qual o tomador do serviço é o substituto tributário do prestador (art. 128, CTN), tornando-o irrelevante na exigência do ISS da qual o tomador se torna o alvo primário. Em certos casos, o prestador pode voltar à posição de devedor do ISS pelos serviços que prestou, destacadamente, quando o tomador não tenha feito a retenção do ISS (art. 101 do CTRMS).

 

A regra parece muito simples, muito clara, até começarmos a entrecruzá-la com operações em que o prestador de serviços está estabelecido em um Município (ex.: Salvador) e o tomador, em outro (ex.: Maceió). Em situações tais, instaura-se a dúvida sobre se deverá ou não haver a retenção do ISS, aplicando-se as regras dos arts. 99 e 101 do CTRMS.

 

Acho que agora vou te deixar um pouco confuso, leitor, porque há duas respostas para esta questão. Uma, a que que me parece ter sido a adotada pelo Supremo Tribunal Federal no seu último julgamento envolvendo algo do gênero. A outra é a que vai te livrar de dores de cabeça, porque é o entendimento dos órgãos fazendários do Município de Salvador.

 

Então, sigamos como Jack. Por partes.

 

A primeira resposta a este problema é de que sim, deve haver a retenção do ISS pelo tomador sediado fora do Município de Salvador e ele deve ser recolhido ao Município competente em nome do prestador, que não se responsabilizará pelo tributo se puder provar que sofreu a retenção.

 

Não interessa se o tomador tem ou não cadastro fiscal no Município de Salvador. Não interessa se isto torna para o Município um pouco mais custosa a fiscalização e a cobrança - e, nem tanto assim, porque basta ir à nota fiscal do prestador e se sabe quem foi o tomador, onde está sediado, seu CNPJ e todas as informações necessárias ao lançamento e cobrança do ISS.

 

Os arts. 99 e 101 do CTRMS não tomam estes critérios para indicar quando são aplicáveis. E nem adianta sugerir que o tomador não se sujeita à lei de Salvador só porque não está aqui sediado. Normas não se aplicam sobre pessoas, mas em razão de fatos. E se o fato se submete à lei municipal, as pessoas relacionadas atendem a ela, independente de serem locais, regionais, nacionais ou estrangeiros.

 

Leitores não juristas, pulem este parágrafo. Os demais, lembrem-se de Hans Kelsen e da estrutura da norma jurídica: hipótese e mandamento. A vigência espacial da lei permite a verificação de que a hipótese abstrata da lei (o fato jurídico) foi confirmado no mundo real (aqui, pelo serviço tributável por Salvador) permitindo-lhe o consequente (relação tributária, onde estarão os sujeitos). Onde está o sentido de considerar que, sem indicação expressa, o local do tomador - que não será o do fato - justifica o afastamento das regras sobre o fato?

 

Pois é. Mas, para economizar a dipirona dos contribuintes (já viram quanto está custando a cartela?!), melhor deixar aqui também o aviso de que esta posição não é a do Município.

 

No Município de Salvador - e, possivelmente, noutros tantos -, aquele entendimento já se viu vencido dentro da Administração e o que prevalece hoje é o de que o tomador de serviços sediado fora do território municipal não é alcançado pelas regras de retenção e recolhimento. Assim, pouco importará se o prestador provar que a retenção aconteceu. Se, por qualquer razão, o tomador não recolher o tributo para Salvador, é o prestador quem estará numa enrascada.

 

Então, para o prestador de serviços que atende a clientes situados fora do Município, só há uma solução livre de uma enxaqueca: sofrer a retenção, mas se assegurar com a prova (guia de pagamento e comprovante) do recolhimento para o Município competente. Tentar convencer seu cliente a não reter o imposto não se cogita. É um remendo que exige uma conduta ilegal da outra parte e que, ao fim, compromete todos os envolvidos.

 

Solução mais ou menos, né? E nenhuma luz ao fim do túnel para quem negocia com empresas de porte maior e de atuação regional ou nacional.

 

Isto porque, estas empresas costumam atender a regras e procedimentos internos prefixados e inflexíveis quanto a estas retenções, como forma de conter seu próprio risco tributário, inclusive quanto ao que elas mesmas interpretam que é o Município competente para receber o ISS que reteve - e nem sempre isto combina com o que cada Município entende que deve cobrar.

 

É muito comum que esta matéria seja objeto de controvérsia na negociação (ex.: o tomador entende que o ISS seria devido ao Município da sua sede, não ao da sede do prestador). E, em situações como esta, o prestador de serviços se vê prensado entre o poder econômico do tomador e o poder estatal dos Municípios. Sofre a retenção na fonte e ainda se vê forçado a pagar o ISS de novo, com multa e acréscimos moratórios.

 

Quando este é o caso, a busca por uma solução fica cercada ao Poder Judiciário, infelizmente. O prestador de serviços se verá obrigado a, das duas, uma: (a) ou ajuizar uma ação contra o seu cliente, para exigir dele que interrompa as retenções, se os recolhimentos estiverem sendo feitos ao Município errado; (b) ou ajuizar uma ação contra os Municípios, para declarar que nada deve a eles, utilizando disto para convencer e orientar a conduta dos seus clientes.

 

*Leandro Aragão Werneck é advogado, professor de Direito Tributário, doutorando e mestre em direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), especialista em Direito Tributário (IBET) e conselheiro do Conselho Municipal de Tributos de Salvador (2021-2022).