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Coluna

Tributo em Pauta: Imposto de Renda e investimento internacional

Por Anderson Pereira

Tributo em Pauta: Imposto de Renda e investimento internacional
Fotos: Arquivo pessoal

Nos últimos anos, a B3 (sigla de Brasil, Bolsa e Balcão) tem noticiado a entrada de milhares de investidores pessoa física no mercado de capitais. O movimento de isenção de despesas de corretagem, iniciado nos Estados Unidos pela corretora Robinhood em 2013, foi importado por instituições brasileiras e se somou às baixas da taxa básica de juros (que chegou a ficar 6 meses estagnada 2% nos últimos anos) para estimular o apetite pelo risco inerente à renda variável, em troca de um maior prêmio.

 

Segundo a B3, de 2018 até fevereiro de 2022, o número de CPFs cadastrados em corretoras saltou de aproximadamente 800 mil para 5 milhões. Esse incremento é refletido também no número de aportes em ativos que tem ganhado popularidade recentemente, como os BDRs, que tiveram um crescimento de 994% na comparação com 2020, momento em que a Comissão de Valores Mobiliários passou a permitir o acesso de investidores em geral (Resolução CVM 3, de 11 de agosto de 2020).

 

Brazilian Depositary Receipts (BDR) correspondem a “recibos depositários brasileiros", numa tradução livre e literal, e são negociados em meio a propagandas da possibilidade de investir em empresas conhecidas globalmente, como Apple, Amazon, Tesla, Alphabet (controladora do Google), Meta (controladora do Facebook), Disney, Coca-Cola, McDonald’s, dentre outros sem a necessidade de conta em corretoras americanas. Serve ainda de atrativo a ideia de internacionalizar investimentos como forma de diversificação e proteção do capital.

 

Os BDRs possuem negociação similar à das ações de empresas nacionais listadas na bolsa de valores (Ato Declaratório do Secretário da Receita Federal nº 25, de 18 de abril de 2000) e são caracterizados pelo número “34” (há exceções, já que existe mais de um tipo de BDR) existente ao final de seu código de identificação na bolsa (ticker). Mas, embora a aquisição desses recibos seja tão simples como a das ações, atualmente, a sua tributação pelo imposto de renda não é a mesma, demandando cautela e atenção do investidor.

 

Antes de tudo, é preciso entender que BDR não é a mesma coisa de uma ação. Quem o detém não é considerado acionista da respectiva companhia, mas, tão somente, detentor de um certificado que representa as ações da empresa no exterior, por meio de uma instituição depositária que é a responsável pela compra desses papéis, que ficam mantidos em depósito por uma instituição custodiante. A legislação também diferencia o ganho de capital obtido com a compra e venda destes certificados do rendimento eventualmente recebidos.

 

O ganho líquido obtido nas operações de compra e venda se sujeita à mesma alíquota da tributação das ações, de 15%, exceto nas operações iniciadas e encerradas no mesmo dia com o mesmo ativo (conhecidas como day-trade), cuja tributação é de 20% (art. 2º da Lei nº 11.033/2004).

 

Mas os BDRs não possuem a isenção nos valores iguais ou inferiores a R$ 20.000,00, concedida expressamente às ações e ao ouro ativo financeiro pelo art. 3º da Lei nº 11.033/2004 e nem a isenção para valores iguais ou inferiores a R$ 35.000,00, prevista no inciso II do art. 22 da Lei nº 9.250/1995, porque os ganhos de capital da sua alienação são tributáveis com as regras aplicáveis à negociação de ações brasileiras (item 1 do Ato Declaratório SRF nº 25/2000) e não como ganho de capital derivado da alienação de bens e direitos adquiridos em moeda estrangeira (art. 24 da MP nº 2.158/2001 com a interpretação vinculante dada pela Solução de Consulta Cosit nº 264/2019).

 

Assim como nas ações, o imposto sobre os ganhos de capital dos BDRs deve ser apurado e recolhido até o último dia do mês subsequente àquele em que foram percebidos (art. 26, § 4º, da Lei nº. 8.383/1991 c.c. art. 8º da Lei nº 9.959/2000 c.c. art. 123 do Decreto nº 9.580/2018), ficando sujeito à multa e juros, aquele que, equivocadamente, aguarde a declaração anual de ajuste para informá-los. 

 

Os dividendos, por sua vez, exigem ainda maior atenção, pois são isentos quando pagos por empresas brasileiras listadas na B3 a seus acionistas (art. 10, § 4º, da Lei nº 9.249/1995), mas o mesmo não ocorre no caso dos BDRs, que não se encontram dentre as espécies de ações previstas no art. 15 da Lei nº 6.404/1976, como já mencionado, e ainda se sujeitam às regras aplicáveis a investimentos realizados no exterior, quanto aos rendimentos (item 2 do Ato Declaratório SRF nº 25/2000), e que podem variar de mercado para mercado, bem como à tabela progressiva prevista no art. 1° da Lei n° 11.482/2007, com a redação que lhe foi dada pelo art. 1° da Lei n° 13.149/2015.

 

Tomando como exemplo empresa listadas em bolsas dos Estados Unidos, como a NYSE ou Nasdaq, apontadas como as maiores do mundo, o dividendo pago sofrerá tributação de 30% na fonte, de modo que o proprietário do BDR receberá apenas 70%, considerando as informações do serviço de receita dos Estados Unidos (Internal Revenue Service ou IRS), se não incidirem outras despesas com a instituição custodiante e/ou com a instituição depositária.

 

Há, porém, entendimento de que existe reciprocidade no tratamento do imposto de renda entre os dois países (Ato Declaratório SRF nº 28, de 26 de abril de 2000), o que possibilita compensar o imposto retido na origem com aquele devido no Brasil (art. 5º da Lei nº 4.862/65 c.c. art. 12, VI da Lei nº 9.250/95 e regulamentado pelo art. 115 do Decreto nº 9.580/2018).

 

Entretanto, o trabalho pode não ser tão simples. Se, com ações, o investidor às vezes encontra dificuldade para calcular o custo de aquisição e/ou despesa de venda, para fins do rateio proporcional facultado pelo art. 56, §§ 3º e 4º, da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1.585/2015, nas operações com BDRs deve também lembrar que a cotação do dólar utilizada nas conversões necessárias é a do último dia útil da primeira quinzena do mês anterior ao pagamento (arts. 5º e 6º da Lei nº 9.250/1995), informação disponível na página do Banco Central do Brasil, mas com alto potencial de causar confusão em quem não está acostumado a lidar com as peculiaridades da legislação tributárias.

 

Logo se vê que as operações de investimento internacional no mercado de capitais privilegiam conhecimento prévio de todos os seus aspectos por diversas razões, seja para a tomada de decisão sobre um investimento, o que exigirá tempo e cuidado para um controle rigoroso das operações, de modo a cumprir adequadamente as obrigações tributárias decorrentes, seja para evitar a possibilidade de corrosão dos resultados positivos obtidos pelas sanções derivadas do eventual descumprimento das obrigações junto ao fisco.

 

O perigo está no fato de que o investimento em BDRs, atualmente, nem sempre é por opção do investidor. Em outubro de 2021, acionistas do Itaú Unibanco, empresa que costuma figurar na lista de ações mais negociadas da bolsa de valores ao longo do ano, deliberaram a favor da operação de cisão do banco com a XP Investimentos, o que se materializou por uma operação que lhes destinou BDRs proporcionais ao número de ações que detinham, já que a XP possuI ações listadas nos EUA.

 

Nada impede que mais eventos societários com repercussões semelhantes venham a surgir, diante da recente preferência de empresas brasileiras por abertura de capital no mercado americano, como PagSeguro e Vinci Partners, dentre outras.

 

Nosso propósito com esse esboço geral deste aspecto da tributação não é assustar ou afugentar interessados nas possibilidades de investimento internacional, que podem render bons frutos, para quem souber aproveitá-las. É bom apenas ficar atento, pois, além dos riscos inerentes às operações no mercado de capitais, não é só gado que pode depender do olho do dono para atingir melhores resultados.

 

*Anderson Pereira é advogado tributarista licenciado, professor de Direito Tributário e conselheiro do Conselho de Fazenda do Estado da Bahia e do Conselho Municipal de Tributos de Salvador