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Tributo em Pauta: Por que aviões e lanchas não pagam IPVA?

Por Anderson Pereira

Tributo em Pauta: Por que aviões e lanchas não pagam IPVA?
Foto: Divulgação

Quem tem o trabalho de consultar um dicionário, físico ou eletrônico, provavelmente se questiona sobre o motivo pelo qual aviões, helicópteros, lanchas e iates, dentre outros bens de alto valor, não pagam o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) como os automóveis e motocicletas.


Todos são capazes de se deslocar por seus próprios meios, como esclarece o “pai dos burros", ou seja, são “veículos automotores”, aumentando ainda mais a dúvida. A Bahia, inclusive, prevê a cobrança do IPVA para aeronaves e embarcações, com alíquota de 1,5%, conforme art. 6º, inciso III da Lei Estadual nº. 6.348/1991.


Mas, por força de uma decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos Recursos Extraordinários (REs) 134.509/AM e 255.111/SP, há quase 20 anos, a cobrança foi afastada e vem sendo rejeitada pelos tribunais.


Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento do Ministro Sepúlveda Pertence, que resgatou trabalho próprio realizado antes de tomar posse no STF (e da própria Constituição Federal de 1988), sustentando-se em parecer do então Procurador da República Moacir Antônio Machado da Silva, o qual, por sua vez, incorporou ao próprio texto noções extraídas de outro parecer, este elaborado pela Consultoria Jurídica do Ministério da Aeronáutica, para questionar a inconstitucionalidade de dispositivos da legislação dos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, com conteúdo semelhante.


Em síntese, os referidos pareceres apontaram que a expressão “veículos automotores” normalmente era empregada na legislação para se referir aos veículos de circulação terrestre, exclusivamente, diferenciando-os daqueles de circulação aérea, que recebiam a designação de “aeronave", quando expressamente mencionados. Em outras palavras, afirmava-se que quando a lei pretendia se referir a embarcações e aeronaves, o fazia claramente.


Outro aspecto considerado relevante foi a origem do IPVA na Taxa Rodoviária Única (TRU), a qual teria substituído. Por consequência, defendeu-se que a Constituição utilizava a expressão “veículos automotores” com o mesmo intuito de se referir apenas a transportes terrestres, apontando ainda que os textos constitucionais anteriores, quando queriam tratar de embarcações e aeronaves, os mencionavam expressamente (por exemplo, art. 6º, nº. II da Constituição de 1934 e art. 20, nº. II da Constituição de 1937).


Pesou também na análise o fato de que o IPVA tem sua receita dividida entre o Estado e o Município onde o veículo se encontra licenciado (art. 158, III da Constituição Federal de 1988), disposição que não é totalmente compatível com aeronaves e embarcações, cujos registros são atrelados ao Registro Aeronáutico Brasileiro (arts. 72 a 74 da Lei Federal nº. 7.565/1986) e ao Tribunal Marítimo (Lei Federal nº. 7.652/1988), respectivamente, ambos com abrangência nacional.


Além disso, também pontuou contra a possibilidade de cobrar o IPVA o fato de que os Estados somente possuíam competência supletiva para legislar sobre tráfego e trânsito nas vias terrestres, porém, esta prerrogativa não alcançaria a navegação marítima ou aérea, cuja legislação compete privativamente à União. Neste ponto, aliás, a Constituição Federal de 1988 (CF/88) foi ainda mais restritiva ao fixar a competência privativa da União para as matérias (que antes eram de competência concorrente), admitindo-se apenas a delegação de pontos específicos para que os Estados possam vir a legislar sobre trânsito e transporte, como reconheceu o STF ao decidir a Suspensão de Segurança nº. 1.193/RS.


Olhando por este ângulo a discussão se torna um pouco mais complexa do que parece inicialmente. Existem etapas importantes a superar para tornar a cobrança possível. Sem modificar a forma como a CF/88 trata do IPVA, principalmente no que diz respeito à sua repartição com os Municípios, o entendimento do STF possivelmente permanecerá valendo.


Apesar disso, é certo que, em um país com alta desigualdade e uma carga tributária cujo retorno percebido não reflete adequadamente seu peso para quem a suporta, não há dificuldade jurídica que faça parecer aceitável ou consiga justificar a ausência de um imposto sobre meios de transporte acessíveis apenas a quem indiscutivelmente detém maior poder aquisitivo.


De acordo com a Marinha do Brasil, existem pelo menos 971.675 embarcações registradas no país, considerando dados atualizados até maio de 2020. Do total, 343.189 correspondem a lanchas, iates e motos aquáticas. Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), existiam 22.410 aeronaves no Registro Aeronáutico Brasileiro, até setembro de 2020. Nenhum sofre a cobrança do IPVA. Não dá para dizer que faltam razões para encontrar meios de superar os obstáculos.

 

*Anderson Pereira é advogado tributarista licenciado, professor de Direito Tributário e conselheiro do Conselho de Fazenda do Estado da Bahia e do Conselho Municipal de Tributos de Salvador