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Coluna

Tributo em Pauta: A cobrança de ICMS - Antecipação parcial dos contribuintes do Simples

Por Rafael Figueiredo

Tributo em Pauta: A cobrança de ICMS - Antecipação parcial dos contribuintes do Simples
Foto: Divulgação

O Estado da Bahia exige dos comerciantes que adquirem mercadorias de outros Estados da Federação para posterior revenda o ICMS a título de antecipação parcial, que nada mais é do que uma cobrança antecipada do imposto que será devido na venda seguinte a ser realizada (art. 12-A da Lei Estadual n.º 7.014/96). 

 

Por conta desta previsão legal, toda vez que um comerciante baiano compra mercadoria advinda de outro Estado para comercialização é obrigado a antecipar aos cofres do fisco baiano uma parte do ICMS desta venda subsequente.
A justificativa para a instituição desta cobrança antecipada é preservar o mercado baiano, pois como as alíquotas de ICMS aplicáveis às operações interestaduais (4%, 7% ou 12%) são sempre menores do que a alíquota interna (18%, em regra), seria mais vantajoso comprar de fora do Estado da Bahia, uma vez que esta operação seria tributada em percentual menor. 

 

Então, institui-se o ICMS antecipação parcial, que é calculado justamente pela aplicação da diferença entre a alíquota interna e a alíquota interestadual aplicada à aquisição perante comerciante situado em outro Estado, com o fundamento de que isso protege o comércio baiano. No entanto, há de se questionar se, de fato, tal justificativa se concretizou. Isso porque o que seria uma mera antecipação do imposto pode representar aumento de carga de tributária.

 

Para os contribuintes que recolhem o ICMS pelo regime normal, de conta corrente fiscal, no qual são apurados mensalmente todos os créditos e os débitos do imposto, o ICMS antecipação parcial representa apenas um adiantamento do imposto estadual, que será abatido do imposto a ser pago quando da efetiva venda subsequente.
Contudo, para os contribuintes que não estão sujeitos a este regime de conta corrente fiscal do ICMS, tais como os optantes do Simples Nacional, o ICMS antecipação parcial acaba sendo um custo muito alto, pois não pode ser compensado com o imposto a pagar na saída subsequente, representando autêntico aumento de carga tributária. 
O Simples Nacional é um regime tributário diferenciado destinado apenas às micro e pequenas empresas e decorre de um mandamento constitucional que determina que elas devem ter um tratamento beneficiado (art. 179 e art. 146, parágrafo único da Constituição Federal).

 

Este regime autoriza que as micro e pequenas empresas que se enquadrem nos requisitos legais optem por apurar os seus tributos sobre a receita bruta, sem aproveitamento de quaisquer créditos. Aqui, a intenção do legislador foi estimular o surgimento de novos pequenos negócios, fomentar a economia e a geração de empregos.

 

Por isso, soa completamente contraditória a instituição de uma sistemática de cobrança de ICMS antecipação parcial que representa aumento de carga tributária para as pequenas e microempresas optantes do Simples Nacional, enquanto, para as demais médias e grandes empresas que apuram o ICMS pelo regime de conta corrente fiscal, representa tão somente um adiantamento do imposto devido.

 

A constitucionalidade desta cobrança foi questionada na justiça e, infelizmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, em maio de 2021, em sede de repercussão geral, que é constitucional tal cobrança (RE n.º 970.821/RS – Tema 517).

 

Prevaleceu no STF o entendimento de que a opção pelo Simples Nacional é facultativa no âmbito da livre conformação do planejamento tributário, devendo o contribuinte arcar com o bônus e o ônus decorrentes dessa escolha empresarial que, em sua generalidade, representa um tratamento tributário sensivelmente mais favorável à maioria das sociedades empresárias de pequeno e médio porte.

 

Os contribuintes lamentaram muito a decisão do STF, pois ela pode até mesmo esvaziar as vantagens da opção pelo regime beneficiado do Simples Nacional. Ou seja, os comerciantes baianos que compram mercadorias fora do Estado da Bahia para revenda devem pensar seriamente se o regime do Simples Nacional ainda é a melhor opção.

 

Muitos contribuintes esperavam que a decisão do STF no mencionado RE n.º 970.821/RS (Tema 517) fosse semelhante à proferida na ADI n.º 5.464/DF, que afastou a cobrança do diferencial de alíquotas para os comerciantes optantes do Simples Nacional. Todavia, este não foi o entendimento do STF.

 

Quando do julgamento da ADI n.º 5.464/DF, o STF determinou o afastamento da cobrança do ICMS diferencial de alíquota para os optantes do Simples Nacional, que havia sido instituído na Cláusula Nona do Convênio ICMS n.º 93/2015, por entender que somente a lei complementar poderia instituir cobrança neste sentido.

 

Trocando em miúdos, os efeitos práticos destas duas decisões no comércio baiano são os seguintes:


a)     Quando um comerciante optante do Simples Nacional localizado fora do Estado da Bahia vende mercadoria para consumidor final localizado no território baiano, ele não precisa pagar a diferença de alíquotas para o fisco baiano;

 

b)    Quando um comerciante optante do Simples Nacional localizado no Estado da Bahia compra mercadoria advinda de outro Estado para revender em território baiano, é obrigado a pagar o ICMS antecipação parcial, calculado mediante a aplicação da diferença entre a alíquota interna e a interestadual sobre o valor da mercadoria.

 

Este cenário atual, acompanhado do inevitável crescimento do comércio eletrônico, cada vez mais estimulado pelos incontáveis marketplaces disponíveis na internet, faz com que o pequeno comércio presencial no Estado da Bahia esteja seriamente ameaçado pelo risco de extinção.

 

Neste ponto, há de se observar que o pequeno comércio presencial ainda é responsável pela movimentação da economia de muitos municípios do interior da Bahia, sendo uma das principais, senão a principal, fonte de geração de empregos em algumas municipalidades.

 

Por mais que reconheçamos que o comércio eletrônico é uma inovação irreversível típica das facilidades decorrentes dos avanços tecnológicos, ainda é sim comum ver consumidores que preferem escolher presencialmente seus produtos, ou que precisam das facilidades de pagamento oferecidas por lojas presenciais.

 

Trata-se de uma concorrência extremamente desleal, pois o comércio eletrônico consegue praticar preços muito mais vantajosos que os pequenos comércios presenciais, visto que trabalham em larga escala.

 

É justamente nesse contexto que se propõem uma reflexão sobre o tema aqui discorrido, qual seja: Como se não bastasse todas as circunstâncias atuais que dificultam a concorrência do pequeno comerciante presencial com o comércio eletrônico, é justo que ele ainda tenha que enfrentar uma carga tributária maior em razão do ICMS antecipação parcial cobrado pelo Estado da Bahia?

 

Como dito acima, a esperança era que o STF corrigisse esta situação, o que não ocorreu. Contudo, nada impede que esta solução venha a ser adotada pelo poder legislativo. E, para tanto, nem mesmo seria necessária uma mudança de lei complementar, a qual precisa ser feita no Congresso Nacional e com quórum qualificado. Talvez, a solução possa ser mais simples: uma mudança na legislação estadual da Bahia para afastar a cobrança do ICMS Antecipação Parcial para os optantes do Simples Nacional representaria um grande alívio nas contas destes pequenos comerciantes e significaria uma redução de arrecadação irrisória para o Estado.
 

*Rafael Figueiredo é advogado Tributarista, professor de Direito Tributário, ex-Conselheiro do Conselho de Fazenda do Estado da Bahia e mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia