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Coluna

Tributo em Pauta: Errei, pedi perdão, mas o Estado não perdoa mais!

Por Anna Tereza Landgraf

Tributo em Pauta: Errei, pedi perdão, mas o Estado não perdoa mais!
Foto: Divulgação

Todo empresário sabe, ou pelo menos deveria saber, que, dentre os riscos inerentes à atividade empresarial, encontra-se a possibilidade de ser alvo de uma fiscalização tributária e de sofrer uma autuação pelo não recolhimento do tributo devido ou pelo recolhimento insuficiente. Mas, além da obrigação principal de pagar os tributos, os contribuintes também estão compelidos a praticar ou não praticar determinados atos previstos na legislação tributária, sempre no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos (art. 113, § 2º, do Código Tributário Nacional). São as chamadas “obrigações acessórias”, que, quando descumpridas, podem ensejar a aplicação de penalidades pela autoridade fiscal.


A Lei n. 7.014, de 04 de dezembro de 1996, é uma velha conhecida dos contribuintes de ICMS do Estado da Bahia, sobretudo pelas infrações e penalidades por ela instituídas. Temos um capítulo recheado de penalidades, que podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativamente, estando lá previstas multas (dos mais variados valores e percentuais), cancelamento de benefícios fiscais, cassação de regime especial e até o descredenciamento da empresa perante a Secretaria da Fazenda Estadual.


Devido ao avanço contínuo da tecnologia e ao cruzamento de informações prestadas pelos contribuintes, percebemos que, a cada ano, a fiscalização se torna mais eficiente e qualquer pequena inconsistência nas declarações apresentadas pode ser facilmente identificada pelo Fisco e acarretar a aplicação de multas.


Em muitos casos, todavia, o contribuinte consegue demonstrar, no curso do processo administrativo fiscal, que sua conduta não decorreu de dolo, fraude ou simulação, mas sim de mero erro contábil, e prova também que o erro cometido não repercutiu financeiramente, ou seja, não implicou em falta de recolhimento de tributo. Para contemplar estes casos, a redação original do § 7º do art. 42 da Lei n. 7.014/96 previa que as multas por descumprimento de obrigações acessórias poderiam ser reduzidas ou até mesmo canceladas pelo órgão julgador administrativo.
Sem dúvida, esse dispositivo garantia uma relação mais justa e cordial entre o Estado e os contribuintes, na medida em que permitia aos Conselheiros do Conselho de Fazenda Estadual - CONSEF regular o peso do “castigo” de acordo com a gravidade da conduta. 


Contudo, na contramão do que sugere e orienta o ideal de “justiça fiscal”, o Estado da Bahia revogou o parágrafo citado, através de projeto aprovado pela Assembleia Legislativa, retirando essa competência das autoridades julgadoras. Atualmente, mesmo que o contribuinte demonstre a inexistência de dolo, fraude ou simulação e que o Estado não teve a sua arrecadação prejudicada em função do erro cometido, os Conselheiros do CONSEF não mais dispõem de competência para dispensar ou cancelar a multa aplicada, por falta de amparo legal.


Os contribuintes foram bastante prejudicados por esta revogação e não há justificativa plausível para o caminho que o Estado resolveu trilhar. Agora, é preciso bater às portas do Poder Judiciário, valendo-se do direito de acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal) e pedir que seja reavaliada a decisão administrativa para adequar ou recalibrar a fixação da penalidade.


A discussão judicial, no tocante a gradação da penalidade tributária fixada pelos órgãos julgadores administrativos, não fica adstrita ao caráter confiscatório da multa, ou seja, não serve apenas para afastar multas de valores estratosféricos, que chegam a ultrapassar o valor do próprio tributo. O Poder Judiciário pode sopesar qualquer sanção tributária, dentro dos parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade, conforme o caso concreto, a fim de verificar se a multa fiscal aplicada é necessária para que atenda sua finalidade, que é, essencialmente, forçar o cumprimento de uma obrigação e não ampliar a arrecadação do ente federado.


E, nesse contexto, vale lembrar que somos o país onde se gasta mais tempo para cumprir obrigações tributárias. O Banco Mundial divulgou o relatório Doing Business Subnacional Brasil 2021, apontando que o tempo gasto pelas empresas, considerando o processo de apuração, declaração e pagamento dos tributos, varia de 1.483 a 1.501 horas por ano. 


Pagamos um preço altíssimo para estarmos em conformidade com a legislação vigente, o que torna ainda mais revoltante a decisão do Estado de retirar do contribuinte (aquele cumpridor de seus deveres) o direito de ter um tratamento diferenciado quando do julgamento das multas que lhe forem aplicadas. 


E, aqui, é importante entender que a obrigação tributária pode deixar de ser cumprida por diversos fatores. Pode ter sido uma decisão do contribuinte, mas também pode ter sido um erro contábil cometido durante o lançamento da informação ou, até mesmo, um equívoco na interpretação da lei, e cada situação merece ser tratada de uma forma específica. Não nos parece justo que quem decide, deliberadamente, esconder informações do Fisco com o propósito de sonegar seja punido da mesma forma que aquele que esqueceu de entregar uma declaração ou a entregou com atraso, sem que tal conduta tenha gerado qualquer perda financeira para o ente tributante. Uma vez demonstrada a sua boa-fé e a ausência de prejuízo para a arrecadação, justo se faz a redução ou mesmo o cancelamento da multa.
Imagine, caro leitor, a seguinte situação: uma empresa que, por equívoco, lançou créditos fiscais indevidos na sua escrita e foi autuada por este motivo. No processo administrativo fiscal, consegue provar que o erro ocorreu em um único mês e que tais créditos não chegaram a ser utilizados para abater saldos devedores de imposto a recolher, não havendo, portanto, descumprimento de obrigação principal (pagamento do imposto). Mesmo que a empresa faça o estorno desse crédito, ainda assim, estará sujeita a multa correspondente a 60% do valor do crédito fiscal utilizado, por força do art. 42, VII, “a” da Lei n. 7.014/96, e, assim sendo, receberá o mesmo tratamento conferido àquela outra empresa que, com dolo – ou seja, de forma intencional – fez uso indevido do crédito fiscal para deixar de pagar impostos nos últimos cinco anos. Parece-lhe razoável? 


A competência delegada anteriormente aos Conselheiros do CONSEF era um alento para aqueles que agiam sem o intuito de lesar o Fisco ou de evadir-se da obrigação tributária. Se não temos mais essa proteção, é preciso encontrar outros meios de racionalizar a política punitiva do Estado no âmbito fiscal, a fim de torná-la mais inteligente, justa e igualitária, evitando a judicialização de temas que não precisariam ocupar os nossos magistrados.

 

*Anna Tereza Landgraf é advogada e professora; especialista em Direito Tributário; com MBA em Planejamento Tributário e em Gestão e Administração de Negócios; e membro da Associação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT