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A inconcebível recorrência do assédio moral nos escritórios de advocacia do país

Por Gabriel de Britto Silva

A inconcebível recorrência do assédio moral nos escritórios de advocacia do país
Foto: Arquivo Pessoal

No dia 11 de agosto comemora-se o dia do advogado, dia em que, no ano de 1827, foram criados, por Dom Pedro I, os dois primeiros cursos jurídicos do Brasil. O último dia 11 seria dia de comemoração, porém um grave fato obscureceu a data neste ano de 2022. Um estagiário do escritório Mattos Filho tentou se suicidar no ambiente de trabalho. Tal fato deve ter o condão de dar luz ao ambiente de trabalho que se experimenta nos escritórios de advocacia do país.

 

Extraoficialmente, circulam em grupos de Whatsapp que, na quarta-feira, dia 10, o estagiário teria levado uma bronca pública de sócio em aplicativo de videoconferência pela perda de um prazo, sendo essa a gota d´água, somada ao acúmulo de pressão quanto a inúmeros prazos e a horas ininterruptas de trabalho. 

 

Independente dos fatos motivadores da tentativa de suicido no específico caso, até o momento da finalização deste artigo existiam quase 2200 comentários à Nota de Esclarecimento postada pelo escritório no Instagram. Em tais comentários, há incontáveis relatos das situações pelas quais passam diariamente os advogados e estagiários nos escritórios de advocacia do Brasil.

 

Nos dias atuais, exatamente 2022 anos depois de Cristo, numa sociedade em permanente evolução da proteção à saúde do trabalhador, à honra, à intimidade, à dignidade e à imagem, não mais são toleradas práticas que possam levar o ser humano a situações vexatórias, seja qual for a relação posta em causa.

 

Quanto ao ambiente de trabalho, é certo que o proprietário dos meios de produção, no uso do poder de comando quanto à tomada de decisões, deve fazê-lo sempre em observância a princípios de maior relevância para a coletividade, mantendo um ambiente saudável de trabalho, respeitando os seus colaboradores e fazendo com que a sua propriedade cumpra a função social prevista na constituição da república.

 

A constituição assegura a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, cujo desrespeito a tais garantias atrai a indenização pelo dano material ou moral.

 

Ameaças, retaliações, discriminações, grosserias, humilhações, metas abusivas, são inconcebíveis, e demonstram desprezo às regras dotadas de conteúdo civilizatório.

 

O Supremo Tribunal Federal, em decisão em Medida Cautelar em Mandado De Segurança nº 38.411, de relatoria do Ministro Nunes Marques, e, publicada no dia 25/02/2022, aborda caso de prática de assédio moral no ambiente de trabalho, caracterizado por "humilhações públicas à exposição e hostilidade por escrito e em instrumentos de comunicação; desvios de função; exigência de trabalho superior às competências e ao cargo; sobrecarga de funções; práticas de de abuso de poder diretivo e disciplinar; desrespeito a direitos de descanso, intervalo e horário fora de expediente; punições pelo mero exercício regular de direito, além de xingamentos".

 

Em 12/10/2020, o Tribunal Superior do Trabalho condenou Sociedade de Advogados de Belo Horizonte (MG), a pagar indenização no valor de R$ 3 mil por cobrar de um advogado multas por descumprimento de rotinas administrativas (Processo nº AIRR-2538-90.2014.5.03.0183). A condenação por abusividade da conduta institucional foi mantida pela Sétima Turma do TST. Além das ordens dos gestores, e-mails demonstraram a existência de ameaças de aplicação de multas por erros em tarefas burocráticas, como a baixa em solicitações no sistema. Para o Juízo, a ameaça é uma conduta ilícita.

 

Do mesmo modo, o Tribunal Superior do Trabalho, através de decisão publicada no dia 09/08/2022, de relatoria do Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, em sede de ação civil pública interposta pelo Ministério Público do Trabalho em face da Empresa Brasil de Comunicação S.A. – EBC, tendo como objeto o  assédio moral sofrido por empregados da reclamada, pontuou que: “Caracteriza-se o assédio moral na esfera trabalhista pela prática sistemática e reiterada de atos hostis e abusivos por parte do empregador, ou de preposto seu, em face de um determinado trabalhador, com o objetivo específico de atingir sua integridade e dignidade física e/ou psicológica, degradando as condições de trabalho, de molde a comprometer o desenvolvimento da atividade laboral”.

 

Necessário destacar que tal conduta inegavelmente traduz dano ao patrimônio moral do colaborador, mostrando-se apta a dar ensejo à indenização considerando preenchidos os requisitos da existência efetiva de dano, do nexo causal e de culpa, conforme o art. 186 combinado com o art. 927 do Código Civil.

 

No caso, além da condenação da EBC à indenização por danos morais coletivos, no importe de R$ 200.000,00, houve a condenação nas seguintes obrigações de fazer e de não fazer, entre outras:

 

“1) ABSTENHA-SE de permitir, praticar, promover ou tolerar condutas de assédio moral em seu ambiente, seja assédio interpessoal seja organizacional;
2) MANTENHA um canal de comunicação para orientar, receber e investigar denúncias de assédio moral;
(...)
7) PROMOVA o acompanhamento da conduta de seus empregados que, comprovadamente, tenham praticado atos de assédio, de modo a impedir que novos casos venham a ocorrer;
8) DIVULGAR em nota pública, após a sentença - independente de trânsito em julgado - por quaisquer de seus veículos de alcance nacional, em ao menos duas inserções diárias, a existência da ação civil pública e o teor da condenação, durante 30 dias;
9) REALIZE pesquisa de clima organizacional, mediante contratação ou parceria com ente que possua serviço especializado, comprovando nos autos até 90 dias após a sentença, independente do trânsito em julgado;


(...)
11) TREINAR a cada 6 meses, seus gestores e chefes, inclusive seu corpo diretivo, buscando a sensibilização e conscientização sobre assédio moral e práticas nocivas de gestão, com profissionais e técnicas especializadas para melhoria de clima organizacional, gestão humanizada, comunicação não violenta, ética nas relações, valorização da diversidade e da dignidade dos trabalhadores”.

 

Do mesmo modo, a 4ª Vara do Trabalho de Porto Velho (Processo nº 0001183-96.2011.5.14.0004) condenou Sociedade de Advogados ao pagamento de mais de R$ 165 mil reais para advogada que foi submetida à assédio moral. A sentença reconhece a forma abusiva com que o chefe da filial em Porto Velho se referia à reclamante: "Assevere-se ainda que tal postura do chefe se dava com outros funcionários, inclusive com a testemunha. E corrobora com o fato a confissão do reclamado de que até mesmo o preposto da empresa sofrera tal tipo de reprimenda".


 
Frise-se que, a prática de assédio moral é conduta enquadrada nas hipóteses previstas no art. 11 da Lei nº 8.429/92, e representa ato de improbidade administrativa quando perpetradas no setor público.

 

Importante legislação estadual refere-se a do Estado de Goiás. A lei estadual nº 18.456/2014, dispõe sobre a prevenção e punição do assédio moral no âmbito da Administração Pública Estadual e estabelece em seu artigo 2 que, considera-se assédio moral toda ação, gesto ou palavra, praticada de forma repetitiva por agente público que, abusando da autoridade que lhe conferem suas funções, tenha por objetivo ou efeito atingir a autoestima e a autodeterminação de outro agente público, com danos ao ambiente de trabalho, ao serviço prestado ao público, ou ao próprio usuário, bem como obstaculizar a evolução na carreira e a estabilidade funcional do agente público constrangido.

 

Felizmente, inciativas para barrar o assédio moral na área jurídica começam a tomar corpo. A OAB/MG, no dia 08/03/2022, lançou a campanha "Advocacia sem Assédio". Agora, a OAB/MG conta com um canal de denúncias online para coibir essa prática e cria uma rede de apoio para advogadas e profissionais do Direito de todo Brasil que já sofreram assédio em escritórios, fóruns e tribunais. 

 

Nessa linha, no dia 26/05/2022, o Conselho Pleno da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Piauí, aprovou uma resolução que estabelece políticas de prevenção e enfrentamento ao assédio moral no âmbito da instituição. O projeto foi proposto pela vice-presidente da OAB Piauí, Daniela Freitas, que assim expôs: “A proposta aprovada visa proteger os colaboradores, funcionários e todos aqueles que vivem sob o regime de uma condição de trabalho vinculada à instituição OAB. Caso ocorra alguma situação de assédio e discriminação dentro da instituição, será criado um comitê para apuração e serão tomadas as medidas cabíveis”.

 

Necessário, portanto, que seja banido em definitivo o assédio moral nos escritórios de advocacia e que todas as falas de humanização, de atuação em prol de um ambiente de trabalho igualitário e inclusivo, e de compromisso em ter as pessoas no centro do negócio, se efetivem. Em qualquer contrato de trabalho, vende-se o tempo de vida, jamais está à venda, porém, a saúde.