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Negócio jurídico celebrado pelo analfabeto: como caso 'Luva de Pedreiro' trouxe tema à tona

Por Breno Contreiras

Negócio jurídico celebrado pelo analfabeto: como caso 'Luva de Pedreiro' trouxe tema à tona
Foto: Arquivo Pessoal

Nos últimos meses, você certamente deve ter ouvido falar no único brasileiro digital influencer seguido pelo perfil oficial do Instagram: Trata-se de Iran Ferreira, mais conhecido, popularmente, como “O Cara da Luva de Pedreiro”. O jovem, novo embaixador da Adidas, já conta com mais de 17 milhões de seguidores no Instagram, sendo a sua vida, tanto pessoal quanto profissional, objeto de manchetes de jornais por todo o mundo. 

 

Na atualidade, ainda, ganhou-se repercussão a insatisfação, por uma série de fatores, do digital influencer com o seu agora ex-empresário, Allan Jesus, sócio-administrador da ASJ Consultoria, cuja qual, trata-se da holding que administrava a empresa anteriormente responsável pelo recebimento dos ganhos publicitários de Iran Ferreira, qual seja: O Cara da Luva De Pedreiro Produções Artísticas SPE Ltda. 

 

Com a manifestação de vontade de Iran Ferreira, o Luva de Pedreiro, pela anulação do contrato empresarial, o influencer, através da sua assessoria jurídica, ingressou com ação que tramita no Estado do Rio de Janeiro. O processo corre em segredo de justiça, mas, segundo o seu advogado, em entrevistas a diversos veículos de comunicação (exs: lance, terra), o que ali se busca é a anulação do contrato com base em duas possibilidades, quais sejam: Eventual lesão (desproporcionalidade desarrazoada das obrigações), bem como pelo fato do seu cliente, supostamente, ser um analfabeto e não ter sido assistido na celebração do negócio, sabendo ler e escrever tão somente o próprio nome, não tendo, assim, o discernimento mínimo para entender as cláusulas contratuais. 

 

Daí surgem algumas dúvidas por parte do leitor. Exemplos: Pode um analfabeto firmar um negócio jurídico contratual? Ele possui capacidade jurídica? Há requisitos? Pode um analfabeto abrir uma empresa na junta comercial? E o que seria um analfabeto para o direito? O que seria vício de consentimento para o direito? Como interpretá-la para se buscar eventuais resoluções de negócios jurídicos firmados? 

 

Bom, de início, vale ser dito que, em regra, a legislação rege pela continuidade e cumprimento de todos os contratos firmados entre as partes, porém, diga-se, alguns elementos precisam ser observados no plano da validade dos contratos, quais sejam: Capacidade (O agente deve ser capaz), liberdade (vontade livre, sem vícios, bem como consentimento dos termos contratuais), licitude (objeto do contrato deve ser lícito) e adequação (requisitos formais que devem ser cumpridos para que determinados tipos de negócios tenham validade). 

 

Com relação a capacidade do analfabeto, sob observância da legislação brasileira, cumpre observar que este é plenamente capaz para exercer todos os atos da vida civil, tal afirmativa, frise-se, é inequívoca ao observarmos o disposto no art. 215, §2, do Código Civil, haja vista que, o dispositivo supra mencionado dispõe que, dentro das situações em que se exigem escrituras públicas, outra pessoa capaz deve assinar por quem não sabe ler e escrever, assim, ao usar o prenome “outra”, a nossa legislação deixa clara que o analfabeto é capaz, sem contar que todos são iguais perante a lei, consoante nossos preceitos constitucionais, porém, deve estar o analfabeto assistido ao firmar contratos deste tipo. Tal regramento se estende também para abertura de empresas limitadas, como é o caso, por exemplo, da empresa “O Cara da Luva de Pedreiro Spe Ltda”. Faz-se indispensável, caso o “Iran” seja analfabeto, que no momento de abertura ele estivesse acompanhado de procurador, pelo que rege a Lei Complementar nº 147, de 7 de agosto de 2014, e Instrução Normativa DREI nº 26, de 10 de setembro de 2014, válida para sociedades limitadas. 

 

Caso o Iran Ferreira tenha constatado o seu analfabetismo e tiver assinado o contrato de abertura da pessoa jurídica sem está assistido por um representante alfabetizado, o negócio jurídico celebrado será nulo de pleno direito, ou seja, perderá todos os seus efeitos, haja vista que não cumpriu requisitos de adequação exigidos por lei (art. 166, IV, Código Civil). Diferentemente ocorre, por exemplo, se fosse constatado que ele é alfabetizado e o contrato é extremamente oneroso a ele (se encaixa aí o vício de consentimento, lesão), com cláusulas desproporcionais. Nesse caso, o instrumento assinado seria tão somente anulável, devendo ser, prioritariamente, mantido em todos os termos possíveis, anulando-se somente o indispensável, em observância ao regramento pela manutenção dos negócios jurídicos. 

 

Em síntese, caso o “Iran Ferreira” tenha o seu analfabetismo reconhecido e não tiver sido assistido na constituição da empresa, o “Allan Jesus” não fará jus a quaisquer recebimentos pactuados a título de multa prevista para eventual inadimplemento contratual, porém, se a causa da nulidade for outra das aqui mencionadas, como cláusulas onerosas (multa prevista a somente uma das partes, multa excessiva, etc), o juiz do caso pode abalizar a situação e tão somente reduzir o valor da quantia. Ou seja, haverá grande diferenciação, vez que os mesmos confirmam que a importância discutida supera, no mínimo, a cifra de R$5.000.0000,00 (Cinco Milhões de Reais). A onerosidade levará em conta, também, as condições econômicas das partes. 

 

Por fim, questiona-se: O que seria o analfabetismo? O direito não delimita um grau de escolaridade específico para tal conceituação, porém, o art. 32 da Lei de Diretrizes Básicas da Educação Nacional, em seu inciso I, dispõe que até o 9º ano, deve a escola deixar o cidadão com plena capacidade de leitura e compreensão. No caso narrado, o “Luva de Pedreiro” afirma ter feito até o 8º ano do ensino fundamental, mas que só sabe ler e escrever o nome, não entendendo o básico sobre leitura. Vislumbra-se, portanto, uma possibilidade de o juiz solicitar o histórico escolar do mesmo e expedir ofícios para as instituições de ensino que o mesmo tenha estudado, de modo a aprimorar os seus fundamentos na decisão. 

 

Saliente-se que as jurisprudências possuem, em regra, uma interpretação mais restritiva do analfabetismo, entendendo ser aquele que não saber ler e escrever, porém, pelo clamor popular e particularidades do caso, abre-se caminho para novos entendimentos. Portanto, resta-nos aguardar o imbróglio jurídico que pode consolidar um julgado essencial para novas perspectivas sobre negócios celebrados à luz da legislação brasileira. 

 

*Breno Contreiras é advogado do Anjos e Barreto Advocacia e Consultoria, pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Baiana de Direito