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Desigualdade de Gênero na Tributação Brasileira

Por Ingrid Radel

Desigualdade de Gênero na Tributação Brasileira
Foto: Arquivo Pessoal

Para tratarmos de desigualdade de gênero na tributação, antes é preciso considerar o lugar da mulher na sociedade brasileira, em perspectiva financeira. Do total da população brasileira, 54% são pessoas negras e 27,8% são mulheres negras, 57 milhões de lares são chefiados por mulheres, o que representa 40% das famílias brasileiras, e dessas famílias chefiadas por mulheres, 57% estão abaixo da linha de pobreza. Ainda entre as mulheres negras, esse percentual sobe para 64,4%.
 
De acordo com o IBGE, as mulheres ganham 22% menos que os homens; entre as mulheres que têm ensino superior essa diferença sobe para 40%, e, entre homens brancos e mulheres negras, o gap salarial é de 44%. Conclui-se, portanto, que quem menos aufere renda no Brasil são as mulheres negras.
 
Ademais, as mulheres se dedicam o dobro de horas aos afazeres domésticos e ao cuidado de pessoas se comparadas aos homens, independentemente de estarem inseridas no mercado de trabalho:
 
Mulheres: 12.3 horas por semana;
Homens: 10.9 horas por semana.
 
É importante observar ainda que 44,74% da tributação brasileira é incidente sobre bens e serviços; 21,72% sobre a renda e 4,64% sobre a propriedade e que a tributação fortemente concentrada no consumo é regressiva. Assim, proporcionalmente, quem ganha menos paga mais tributo no Brasil. E quem são os mais pobres? As mulheres e especificamente as mulheres negras. Portanto, o sistema tributário é incentivador da desigualdade tributária. Ademais, a quem os benefícios fiscais sobre a renda atendem? Ao homem branco, que está numa posição privilegiada.
 
Podemos fazer a análise da desigualdade na tributação de gênero partindo de uma primeira premissa: a da regressividade tributária, gerada pela tributação sobre o consumo, que afeta mais severamente as mulheres.
 
A segunda premissa é a discussão sobre o “Pink Tax”, que não é um tributo, mas uma imposição do mercado que torna os produtos endereçados ao público feminino mais caros do que os produtos tipicamente masculinos. É a diferença de preço entre eles. Esse termo surgiu nos EUA, através de uma pesquisa feita pelo departamento de consumo da cidade de Nova Iorque, que demonstrou como os bens femininos são mais caros do que os masculinos. Na Espanha, os perfumes infantis femininos são em média 40% mais caros do que os infantis masculinos. Brinquedos, mamadeiras, mochila, pasta de dente, uma diversidade enorme de produtos revelam essa discrepância injustificada, pois a função do produto é a mesma, mas há uma presunção de que as mulheres estão dispostas a pagar mais, então, o mercado cobra mais. Esta é uma prática institucionalizada, pois não há nenhuma alteração no processo produtivo, o pigmento rosa custa o mesmo valor que o pigmento azul. Então, é necessário que as consumidoras façam uma pesquisa de mercado e observem os produtos similares masculinos, a exemplo das lâminas de barbear e desodorantes, pois além de economizar, irão desincentivar o “Pink Tax”.
 
Evidente que este é um tema mais voltado para o Direito do Consumidor que demandaria uma pesquisa ampla de órgãos de fiscalização e a atuação do Ministério Público, em virtude da ofensa à isonomia. A discussão tributária é indireta, porque a mulher acaba pagando mais tributo sobre o consumo, se o tributo está embutido no preço e o preço é mais alto, naturalmente a mulher paga mais. Ademais, as mulheres ganham 22% menos que os homens, chefiam famílias, a maioria está abaixo da linha de pobreza e ainda há uma imposição de mercado que cobra mais sobre produtos femininos. É por isso que o “Pink Tax” é tão nocivo para mulheres, do ponto de vista tributário.
 
A tributação de absorventes é outro tema (não se confunde com o Pink Tax), que precisa ser debatido na sociedade brasileira. O Brasil é um dos países que mais tributa absorventes no mundo (a tributação chega a 25%), o que revela uma forte discriminação, já que apenas mulheres, por uma condição biológica, utilizam absorventes e não há um bem similar para os homens.
 
Existe um movimento mundial para redução de alíquotas incidentes sobre os absorventes na Itália, Alemanha, Estados Unidos e Reino Unido. O Canadá, por exemplo, zerou a tributação, porém, no Brasil, pouco se discute sobre o tema. Apesar de ter zerado o IPI, há incidência de ICMS, PIS/COFINS e não há distribuição gratuita de absorventes na rede pública, o que faz com que muitas meninas deixem de ir à escola durante a menstruação porque não têm acesso a absorventes, o que revela que esse é mais que um problema tributário: é um problema de saúde pública que demanda políticas públicas que assegurem o direito à aquisição de absorventes.
 
Outra premissa é a tributação de bens de higiene pessoal e cosméticos que são considerados bens supérfluos. Será que são mesmo supérfluos para o público feminino? Em ambientes profissionais e corporativos existe uma exigência social do que é esperado em termos da aparência da mulher. A validação não é apenas intelectual, mas também da aparência física - e se isto está correto ou errado é tema para outro debate -, mas, de fato, essa imposição existe. Somado a isto, as mulheres usam mais produtos cosméticos do que os homens, além do shampoo e sabonete, usa o condicionador, o leave-in, o hidratante, a maquiagem e por aí vai. Ser mulher é caro e não é uma questão de escolha, é uma imposição social, infelizmente.
 
Com relação à tributação sobre a renda, embora não haja obrigatoriedade de declaração conjunta da renda pelo casal, no Brasil, há a possibilidade de dedução integral da pensão alimentícia da base de cálculo do IRPF (Imposto de Renda de Pessoa Física), que geralmente é paga pelos homens, o que corrobora a posição da mulher como cuidadora e responsável pelos filhos, na hipótese de separação do casal. A mãe que recebe a pensão, por sua vez, deve oferecer o valor da pensão à tributação se quiser obter a dedução do dependente. O valor, portanto, precisa ser declarado como Rendimentos Tributáveis Recebidos de Pessoa Física.
 
Por fim, sobre os rendimentos isentos, os homens têm R$ 614 bilhões de rendimentos isentos declarados em face de R$ 293 bilhões de rendimentos isentos declarados por mulheres. Isso decorre da isenção da distribuição dos lucros e dividendos. Esses homens, que recebem os dividendos das empresas e estão no topo da pirâmide remuneratória do Brasil, são homens brancos. A isenção de distribuição de lucros e dividendos da pessoa jurídica para a pessoa física beneficia majoritariamente os homens brancos, o que evidencia mais uma discriminação.
 
Então, o problema não está apenas na tributação sobre o consumo, mas também na tributação da renda, já que existem disfuncionalidades claras que precisam ser corrigidas.

Por fim, é importante frisar que esse é um debate que nasce das mulheres e na Academia é majoritariamente enfrentado por mulheres, porque nos impacta mais diretamente. Mas, sobretudo, esse é um debate social, pois uma sociedade mais igualitária acarreta em maior eficiência econômica. 

Esse não é apenas um tema social e político de gênero, que levanta a bandeira feminista, mas um tema tributário, porque capacidade contributiva e igualdade são princípios tributários. 


Nosso sistema tributário é desigual e quando se faz um recorte para o gênero feminino, essa desigualdade é ainda mais gritante. Por isso, é preciso criar espaços para discutir o assunto e cobrar providências do poder público.
 
*Ingrid Radel é advogada tributarista, sócia do Costa Oliveira Advogados, especialista pelo IBET, mestra pela Universidade de Coimbra-Portugal e professora universitária.