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A vitória de quem resiste para existir

Por Liana Lutz

A vitória de quem resiste para existir
Foto: Arquivo Pessoal

Em 05 de março deste ano, o Brasil pôde vivenciar um grande avanço na luta pela igualdade de gênero: A concessão de medidas protetivas a mulheres trans nos moldes previstos na Lei Maria da Penha. A decisão foi proferida nos autos de um processo em que a vítima requereu a aplicação de prevenções de segurança em face de seu genitor, após ter sido submetida a agressões, em decorrência do agressor não aceitar sua condição de mulher transexual.



As medidas protetivas foram negadas pela primeira e segunda instâncias, sob o argumento de que a Lei Maria da Penha é aplicável apenas a pessoas que são mulheres sob a ótica biológica, ou seja, cisgênero. Inconformado com a decisão, o Ministério Público recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) alegando que o artigo 5° da Lei Maria da Penha deveria ser aplicado sem analogias, uma vez que a simples interpretação da ordem se refere à violência “baseada no gênero”, razão pela qual, é extensível às mulheres transexuais.



Após o ponderamento do Ministério Público, a 6ª Turma do STJ decidiu, por unanimidade, a concessão de medidas protetivas nos moldes previstos no artigo 22 da Lei 11.340/2006. O ministro Rogerio Schietti, relator do recurso, iniciou seu voto com a afirmativa de que o julgamento em questão tratava-se sobre a vulnerabilidade de uma categoria de seres humanos e que não pode ser resumida à objetividade de uma ciência exata.



“As existências e as relações humanas são complexas e o Direito não se deve alicerçar em discursos rasos, simplistas e reducionistas, especialmente nestes tempos de naturalização de falas de ódio contra minorias.” – Ministro Schietti.



Em verdade, o artigo 5° da Lei Maria da Penha é bastante claro ao deixar a sua intenção, uma vez que prevê que “configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. E de acordo com o Magistrado, o gênero é questão cultural, social, e significa interações entre homens e mulheres. Já o sexo, tem relação às características biológicas dos aparelhos reprodutores feminino e masculino.



Atrelado aos conceitos de sexo, gênero e da interpretação da lei, o Ministro ressaltou a necessidade de desconstrução do cenário da heteronormatividade em um país como o Brasil, que segue na liderança do ranking mundial de homicídios de pessoas transexuais, sendo possível, assim, a concessão de um tratamento equânime a pessoas levando em consideração as suas peculiaridades.



Apesar de seus efeitos serem aplicáveis apenas ao processo em que foi proferida, a inédita decisão pode ser classificada como necessária diante de uma sociedade que sufoca diariamente àqueles que não se enquadram em padrões pré-estabelecidos pela comunidade como um todo e poderá ser utilizada como precedente em outros processos que se encontram em curso.



Além de necessária, a ordem é, sem dúvidas, uma vitória a todos que precisam resistir para conseguir viver um dia de cada vez. Afinal, a justiça tem o objetivo de conseguir atender o direito de cada indivíduo para que assim, possamos viver em uma sociedade pacífica.



*Liana Lutz é advogada, especialista em Direito do Consumidor, Processo Civil e Previdenciário, e em Ciências Criminais com ênfase em Violência Doméstica.

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias