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Novos horizontes para o futebol brasileiro

Por Alexandre Martfeld

Novos horizontes para o futebol brasileiro

Recentemente o Cruzeiro iniciou o seu processo de transformação do Clube em Sociedade Anônima do Futebol, obedecendo os ditames legais estatuídos pela Lei nº 14.193/2021. A bem da verdade, não haverá um processo de transformação societária, mas uma operação de drop down entre a associação civil sem fins lucrativos e o recém-constituído Cruzeiro S.A.F, em conformidade com o disposto no art. 2º, II da Lei que institui a Sociedade Anônima do Futebol.



A operação se desenha com a criação de uma nova entidade que, revestida do tipo de Sociedade Anônima do Futebol, terá como capital social os bens e direitos outrora titularizados pelo Cruzeiro em sua modalidade associativa que, por sua vez, deterá participação acionária no Cruzeiro S.A.F. Não apenas o Cruzeiro, mas outros clubes de destaque no futebol brasileiro, organizam-se societária e financeiramente para assumir uma nova feição, uma feição empresarial, dentre eles o Botafogo, América Mineiro e Chapecoense.



Esse movimento é consequência da entrada em vigor da Lei nº 14.193/2021, cuja contribuição para o ordenamento advém da promoção de uma nova sistemática organizacional para os clubes de futebol, que podem optar por abandonar a sua modalidade associativa e assumir o modelo da Sociedade Anônima do Futebol.



Há tempos que o meio futebolístico roga por uma nova versão de si mesmo. As relações econômicas travadas por alguns clubes de futebol, na atualidade, não comportam mais a estrutura jurídica de uma associação civil sem fins lucrativos, que remonta a um modelo recreativo. O futebol cresceu. Profissionalizou-se. As relações contratuais tornaram-se complexas e, em muitos casos, demandam um fluxo de capital tamanho, que é capaz de revelar, por si só, o seu intuito lucrativo.



Embora trate-se, à primeira vista, de uma inovação no ordenamento jurídico, a possibilidade de utilização de um tipo empresarial com finalidades desportivas já esteve presente no corpo legal brasileiro. Tomemos como exemplo, portanto, o texto contido no art. 11, da revogada Lei Zico, que atribuía às entidades de prática desportiva a faculdade de “manter a gestão de suas atividades sob a responsabilidade de sociedade com fins lucrativos".



A distinção entre a Lei nº 14.193/2021 e os demais marcos legislativos reside na implementação mais efetiva de transparência e governança corporativa para os clubes que adotarem o modelo da Sociedade Anônima do Futebol. A identificação da estrutura do negócio e de seus investidores tornam-se ponto chave no novo diploma legal.



Não obstante a existência de uma prévia possibilidade de transformação, a novíssima Lei nº 14.193/2021 surge- muito mais edificada- comprometida com o incentivo ao aporte de investimentos e reestruturação da dívida existentes nos clubes de futebol que optarem por seguir o modelo da S.A.F.



Segundo levantamento financeiro divulgado pela Enerst and Young, no ano de 2020, as receitas líquidas dos 23 clubes brasileiros somaram 5.3 bilhões de receitas (-14% em relação à 2019), enquanto o endividamento líquido resultou em 10.3 bilhões de reais (+19% em relação à 2019. É evidente que o impacto financeiro deriva da pandemia do COVID-19, sem embargo, a cultura do endividamento sempre esteve presente no Brasil.



Nesse diapasão, dentre as vantagens oferecidas pela legislação alvissareira, destacam-se a (i) proteção conferida ao patrimônio da sociedade em relação às dívidas que forem anteriores à sua constituição ou não forem específicas do desenvolvimento de seu objeto social; (ii) um plano de destinação de receitas para o adimplemento dos débitos contraídos; (iii) o regime centralizado de execuções, com a possibilidade de negociação coletiva da dívida; (iv) possibilidade de submissão à sistemática da recuperação (extra)judicial; (v) novo modelo de financiamento, através da emissão de debentures (debentures-fut) regulada pela própria legislação.



Além disso, é inerente ao próprio gênero de sociedades empresárias a possibilidade de distribuição de lucros, o que torna, por consequência lógica, o tipo de sociedade mais atrativa ao investidor que, certamente, aportará o capital nos investimentos que melhor lhe retornarem rendimentos.



Fatores que cruzam a via contrária demonstram que a permanência do modelo associativo ainda contém características que o tornem duradouro. Além da impossibilidade de falência, a associação mantém privilégios tributários que, até o momento, as Sociedades Anônimas do Futebol não ostentam. São isenções tributárias na esfera do IRPJ e CSLL, conforme estatuído no art. 15 da Lei nº 9.532/2021, e do IPTU para os clubes localizados na cidade de São Paulo, entre outras.



De mais a mais, para aqueles clubes que gozam de um expressivo número de associados, que frequentam as suas instalações com propósitos outros (recreativo, social etc.), que não o futebolístico, a transformação do tipo societário poderá acarretar ônus demasiado excessivo às pessoas físicas, com a implementação de obrigações legais equiparadas a de um acionista de uma Companhia. Nesses casos, a operação de cisão, é a que melhor parece se adequar à salvaguarda de todos os interesses envolvidos.



Por fim, é válida a seguinte observação: ainda que tenhamos avançado na confecção de um ambiente de incentivo aos investimentos nos clubes de futebol, não há espaço para devaneios. Sem uma gestão eficiente, preocupada com o destino do clube e satisfação de seus torcedores, não haverá modelo societário que salve o clube de suas derrotas. A torcida continuará sendo a pedra de toque para accountability do clube.

 

*Alexandre Martfeld é advogado no Costa Oliveira Advogados, pós-graduando em Direito Público pela PUC/RS e membro da Young International Council for Commercial Arbitration (ICCA)

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias