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É preciso descriminalizar a atividade empresarial

Por Izaak Broder

É preciso descriminalizar a atividade empresarial
Foto: Divulgação

Já milito na seara tributária há quase 25 anos e ao longo de todo esse tempo vivenciei diferentes formas de cobrança realizadas pelo fisco federal, estadual e municipal daqueles contribuintes que se encontram em situação de inadimplência fiscal. Cito, como exemplos, as representações fiscais para fins penais instauradas pela Receita Federal do Brasil com base no art. 83 da Lei nº 9.430/96, bem como as diversas medidas administrativas aplicadas pelo Estado da Bahia que, amparadas pela Lei Estadual nº 3.956/81, resultam na interdição de estabelecimentos, apreensões de mercadorias, impedimento de emissão de documentos fiscais, descredenciamentos, perda de benefícios fiscais, além da negativação dos nomes das empresas e de seus sócios, tudo isso para, por vias reflexas, levar o empresário a pagar o débito tributário que, muitas vezes, mostra-se indevido.

 

Não raros foram os excessos cometidos pelos Entes Tributantes na utilização de tais expedientes ao longo de todos esses anos, o que já levou o Poder Judiciário a, quando acionado, reconhecê-los e desfazê-los em diversas oportunidades, inclusive reconhecendo o dano moral sofrido pelo Comerciante. De uns tempos para cá, além dessas já conhecidas e desproporcionais “formas de cobrança”, a SEFAZ/BA, em especial, passou a se utilizar rotineiramente de procedimentos de natureza criminal para forçar a imediata regularização fiscal, podendo-se citar, apenas a título de ilustração, a criação de diversos órgãos estaduais de combate à “sonegação fiscal”, como o Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (CIRA), o Grupo de Atuação Especial em Combate à Sonegação Fiscal (GAESF) e a Delegacia Especializada no Combate aos Crimes Econômicos e Contra a Administração Pública (DECECAP).

 

Já tive a oportunidade de acompanhar muitos clientes em interrogatórios realizados no âmbito de tais órgãos, com a oitiva realizada por Delegados e Promotores, e o receio dos Empresários, nas implicações criminais decorrentes de suas atividades, é tão grande que, quando possível, é feito um sacrifício financeiro pessoal para regularização de “dívidas” da empresa onde detém participação societária e que, muitas vezes, são plenamente questionáveis tanto quanto ao mérito quanto pelos encargos financeiros em excesso. Não se está a criticar, de forma alguma, a existência e funcionamento dos referidos órgãos de fiscalização e repressão, pois é inconteste que seus agentes vêm trabalhando incansavelmente para combater e reprimir diversos crimes contra a ordem tributária, evitando a concorrência desleal e dando efetividade na recuperação de ativos financeiros de titularidade do Estado contra aqueles que, deliberadamente, envolvem-se em algum tipo de fraude fiscal. O que se traz à reflexão, no momento, é que na grande maioria das vezes o não pagamento dos impostos não decorre de nenhuma “sonegação fiscal”, tratando-se, em verdade, de momentânea incapacidade financeira, normalmente agravada em períodos de crise econômica (como a atual, decorrente da pandemia do Coronavírus), bem como por possíveis e justas discordâncias jurídicas quanto à incidência tributária pretendida pelo Fisco, em um sistema de apuração fiscal extremamente complexo e dispendioso. Infelizmente, procedimentos para apurar crimes contra a ordem tributária ganharam força após a decisão do STF (RHC nº163.334), em dezembro de 2019, que permitiu a prisão do devedor de ICMS que declara e deixa de recolher o tributo de forma contumaz e dolosamente.

 

Por outro lado, a jurisprudência do próprio STF é pacífica no sentido de expressamente vedar as denominadas sanções políticas, pelas quais o Fisco se utiliza de instrumentos de coação para forçar o contribuinte a pagar os tributos  (Súmulas 70, 323 e 547), bem como os Tribunais já vêm entendendo que a configuração do crime de apropriação indébita tributária exige a comprovação da intenção apropriativa e do inadimplemento contumaz (não eventual) do agente, aspectos que devem ser analisados em cada caso concreto. Somente aqueles empresários que já foram alvo de procedimentos criminais sabem o peso do poder do Estado e a aflição que enfrentam no campo comercial, pessoal e familiar, sendo preciso, com urgência, “descriminalizar” a atividade econômica, identificando, com clareza, quais fatos devem ser tipificados pela legislação como ilícito penal, passível, portanto, de processo criminal.

 

É a velha máxima: “É preciso separar o joio do trigo”, ou seja, aplicar o processo criminal para aqueles que, de fato, cometem crimes e as organizações criminosas e abrir espaço para aproximação do Estado com os verdadeiros empresários que buscam, em essência, a manutenção e desenvolvimento de suas legítimas atividades comerciais.


*Izaak Broder é advogado tributarista, sócio do Nogueira Reis Advogados

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias