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A ilegalidade por trás da nova Resolução n° 465/202 da ANS que atualizou o rol de procedimentos dos planos de saúde

Por Jéssica Oliveira

A ilegalidade por trás da nova Resolução n° 465/202 da ANS que atualizou o rol de procedimentos dos planos de saúde
Foto: Divulgação

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é uma agência reguladora vinculada ao Ministério da Saúde responsável pelo setor de planos de saúde no Brasil.  Significa dizer: a ANS é um órgão governamental que tem exclusivamente o papel de fiscalizar, regulamentar e controlar os serviços dos planos de saúde visando atender ao interesse público.

 

De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC, cabe a ANS verificar a atuação das operadoras de planos de saúde e o cumprimento da lei; regular a relação das operadoras com os prestadores de serviço (médicos, laboratórios e hospitais) e consumidores; normatizar os aspectos da Lei de Planos de Saúde; autorizar os reajustes das mensalidades dos planos individuais e familiares; entre outras.

 

Pois bem. Ocorre que foi aprovada pela Diretoria Colegiada da Agência, no último dia 24 de fevereiro, a atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que estabelece a cobertura assistencial obrigatória a ser garantida nos planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e naqueles adaptados conforme previsto no art. 35 da Lei n.º 9.656, de 3 de junho de 1998.

 

O aludido Rol é a listagem mínima obrigatória de exames, consultas, cirurgias e demais procedimentos que os planos de saúde devem oferecer aos consumidores. De acordo com a Agência, o rol é destinado aos beneficiários de planos novos (contratados a partir de 1º de janeiro de 1999) ou adaptados à lei, devendo-se, também, observar a segmentação contratada pelo consumidor (ambulatorial, hospitalar com e sem obstetrícia, odontológico e plano referência). A atualização do rol é bianual.

 

A Resolução Normativa nº 465/2021, prevista para entrar em vigor no próximo dia 1º, insere 69 novas coberturas, sendo 50 relativas a medicamentos e 19 referentes a procedimentos, e inclui em seu artigo 2º a taxatividade do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, divergindo, assim, da RN anterior que caracteriza o rol como uma lista de procedimentos de cobertura mínima e exemplificativa.


Apesar de a Resolução em comento acrescentar coberturas com o intuito de evitar ambiguidades e aumentar a segurança jurídica, se faz necessário considerar que a incorporação de novas tecnologias e eventos em saúde não acompanha o rol de procedimentos definido pela ANS – atualizado apenas a cada 02 anos, e pautado em premissas econômicas que resultam em uma defasagem ainda maior a cada dia.


Além disso, o artigo 17, I, "c", a RN 465/2021 define como experimental o "uso off-label de medicamentos, produtos para a saúde ou tecnologia em saúde", salvo se incorporado pelo SUS ou autorizado pela Anvisa. Com isso, além de violar a lei, a ANS também excede suas atribuições e invade competências.


Isto porque a Lei que criou a ANS, a saber Lei nº 9.961/2000, dispõe em seu artigo 4º, III, que é da competência da ANS "elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei no 9.656, de 3 de junho de 1998, e suas excepcionalidades". (Grifos aditados)


Resta hialino, portanto, que conforme definido por Lei, o rol de procedimentos da ANS é de referência básica de cobertura, ou seja, cobertura mínima obrigatória. Em se tratando de hierarquia de normas, nenhum regulamento pode ultrapassar os limites da lei. Assim, não pode a própria Agência estabelecer em uma mera resolução que seu rol de procedimentos passou a ser taxativo, sob pena de clara extrapolação de sua competência.


Não se pode confundir a determinação do dispositivo legal da Lei Federal que atribui competência a ANS para elaborar o rol, com atribuição completamente diversa e ampliativa, qual seja, de a ANS delimitar a natureza jurídica do rol. 


Nesta senda, segundo a problemática alusiva às fontes do direito e à hierarquia das normas jurídicas, é inaceitável que qualquer norma de natureza regulamentar, possa ampliar, reduzir, ou, enfim, modificar o sentido da lei que atribuiu o poder regulamentar à Administração Púbica.


A taxatividade ou não do rol de procedimentos da ANS é uma das matérias que mais leva litígios ao judiciário brasileiro, tendo as decisões que abordam a exclusão de coberturas ou negativas de tratamentos liderado os julgamentos. O tema ainda é controverso no próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde ocorrerá o julgamento – ainda sem previsão – do Recurso Especial nº 1.733.013/PR que discute a tese.


Apesar disso, a ANS se antecipou ao julgamento da ação e editou a indigitada Resolução assumindo um caráter político/corporativo, decorrente da influência do lobby das operadoras de planos de saúde, contrariando, assim, lei federal, e sobretudo, divergindo do objetivo de sua criação que é atender ao interesse público.


Frise-se, pela sua importância, que a ANS também extrapola suas competências relativamente à classificação dos tratamentos off-Label como experimentais. Haja vista conforme o art. 7º da Lei nº 12.842/2013, é o Conselho Federal de Medicina que fixa os critérios para a definição do caráter experimental de procedimentos em medicina. Adicionalmente, com essa atitude, a Agência também interfere na própria autonomia do médico assistente.


Conclui-se, portanto, que a ANS se precipitou – para dizer o mínimo – ao taxar o rol de procedimentos e classificar tratamentos, adotando claramente uma postura corporativista inadequada que servirá para impulsionar ainda mais os litígios entre consumidores e operadoras de planos de saúde, quando deveria apenas se ater às suas funções primordiais incitas na legislação, que visam a proteção e defesa dos consumidores.

 

*Jéssica Oliveira é especialista em Direito do Consumidor, pós graduada em Direito Tributário, pós-graduanda em Direito Público e Digital, Sócia Fundadora do Escritório Oliveira & Vieira Advogados

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias