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A comumente prática de governar mediante decretos

Por Gustavo Barretto

A comumente prática de governar mediante decretos
Foto: Divulgação

Recentemente, foi publicado no Diário Oficial do Estado da Bahia a exoneração de diversos cargos da Polícia Militar e Civil, sob a ordem do Governador do Estado, Rui Costa. O Chefe do Poder Executivo do Estado da Bahia tem sempre realizado mudanças nas condições de seus servidores através de decretos. Governar mediante decretos tem se tornado, paulatinamente, um exercício comum dos Chefes do Executivo, a exemplo também do Presidente da República.


Nesse caso em específico, publicado no sábado do dia 20 de julho de 2019, trata-se de cenário habitual. Faz-se, sempre quando pode, uma reestruturação dos cargos de direção, gestão ou comissionados nas áreas da Polícia Militar e da Polícia Civil. Seria uma raridade se, por algum motivo, um servidor questionasse a legalidade do ato praticado.
Entretanto, outros casos podem gerar grande rejeição do quadro de colaboradores da Administração Pública. Pode-se falar do caso envolvendo o pagamento de insalubridade dos servidores da Secretaria de Estado de Saúde do Estado da Bahia, representados pelo Sindsaúde-BA, outrora veiculado aqui pelo Bahia Notícias.


Os atos normativos do Poder Executivo devem estar coerentes com a legislação e a Constituição Federal, motivo pelo qual são denominados de atos infralegais. A hierarquia normativa obriga que os decretos executivos sejam condizentes com as regras legais, sob pena de serem anulados pelo Poder Judiciário, no exercício do seu controle de legalidade dos atos administrativos.
Na situação dos servidores do Sindsaúde-BA, o ato foi manifestamente ilegal e inconstitucional, pois retirou a gratificação propter personam, chamadas também de gratificação de serviço, dos colaboradores da Secretaria do Estado de Saúde sem instaurar qualquer procedimento administrativo que legitimasse a prática do ato.


A extinção de qualquer direito do administrado pela Administração Pública implica, necessariamente, no direito ao contraditório e da ampla defesa pelo interessado. A consolidação desse entendimento é tamanha que foi reproduzida pelas Súmulas de nº 3 e 473 do Supremo Tribunal Federal. A própria Lei Federal de nº 9.784/99, no art. 53, só permite a anulação pela Administração Pública, de seus próprios atos, desde que seja respeitado o direito adquirido.


Não obstante o arcabouço jurídico sobre o tema, não foi como ocorreu no caso aqui suscitado, uma vez que o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia determinou a reinclusão da gratificação propter personam de insalubridade, pois o ato praticado foi feito sem sequer notificar os colaboradores. Simplesmente, no mês seguinte, a gratificação não estava mais no contracheque de seus servidores.


Trata-se de desrespeito, inclusive, a entendimento do Supremo Tribunal Federal em diversos casos similares, a exemplo do RE de nº 423715, AI de nº 712316 e RE de nº 502389, que retratam cenário idêntico ao dos servidores prejudicados, quando ocorre a retirada de benefícios sem a instauração de procedimento administrativo regular.


Portanto, na retirada de direitos benéficos aos administrados, deve a Administração Pública contemplar o princípio do contraditório e da ampla defesa em procedimento administrativo regularmente instaurado, a fim de que proporcione legitimidade à prática do ato administrativo pretendido.


Se o Chefe do Poder Executivo não se atentar à hierarquia normativa, acabará sendo submetido ao controle de legalidade do ato pelo Poder Judiciário, exatamente como ocorreu no caso dos servidores da Secretaria de Estado de Saúde do Estado da Bahia. Faz bem lembrar que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal também deferiu parcialmente a medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 6121 MC/DF no decreto que determinou a extinção de diversos conselhos nacionais que foram criados mediante legislação ordinária, arguindo a Corte Suprema que havia um desrespeito à vontade das Casas Legislativas que promoveram a instituição daqueles órgãos públicos.


Sem contar que todo cuidado é pouco quando o Poder Executivo decide governar exclusivamente mediante decretos, como se tem observado na atual política brasileira. A exclusão da participação do Poder Legislativo na organização administrativa do Estado ou a prática de atos administrativos que versem sobre direitos dos administrados sem a instauração de procedimento legitimador do ato não é condizente com um Poder Executivo atento aos princípios precípuos de um Estado Democrático de Direito.

 

* Gustavo Barretto é advogado, especialista em Direito Público, Professor de Direito Constitucional da UNIFACS e Diretor da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB-Ba

 

* Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias