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A armadilha de Dédalo, a Sociedade Dividida e a renúncia ao diálogo

Por Marcos Sampaio

A armadilha de Dédalo, a Sociedade Dividida e a renúncia ao diálogo
Foto: Bahia Notícias

Atenas devia um pesado tributo a Creta. Anualmente tinha que enviar jovens que deveriam ser colocados no labirinto para enfrentar o Minotauro - um monstro com corpo humano e cabeça de touro - ou por ele ser devorado como alimento. 

 

Logo após o herói ateniense Teseu ter encerrado a imposição de Creta, conseguindo superar o complexo labirinto e dele saindo vivo após matar a fera, foi a vez do rei Minos prender Dédalo e Ícaro no labirinto. Minos temia que o arquiteto revelasse os segredos da construção do labirinto. Dédalo se tornou prisioneiro de sua própria criação e passou a viver com seu sonho de liberdade até que construiu asas que lhe permitiria fugir voando.

 

As asas de cera, usadas por Ícaro sem a prudência recomendada, derreteu ao calor do sol, interrompeu seu voo, sua vida e também a alma criadora de Dédalo.

 

De alguma maneira, a renúncia ao diálogo tem colocado a sociedade brasileira na armadilha de Dédalo, gerando uma polarização em que cada um se torna prisioneiro de suas próprias ideias.

 

Segundo James Hoggan, autor do livro ''I'm Right and You're an Idiot'' (Eu estou certo e você é um idiota), a polarização é resultado de um estilo de discurso político preparado para dividir as pessoas em times que se opõem. Um projeto destinado a silenciar o debate e criar um estado de tribalismo onde o único interesse é vencer. 

 

Essa polarização não é nova e serviu para viabilizar rupturas democráticas nos anos 1960 e 1970 no contexto latino americano; impossibilitou arranjos políticos nos anos 1990, necessários à implementação de reformas no Estado e na Economia; patrocinou ascensão e queda de governos.

 

Essas tensões que se desdobram a partir de um “gap” ideológico marcado por um fosso de profundidade desconhecida, onde os contrários empacam, polarizam ricos e pobres, brancos e não brancos, gays e héteros, liberais e conservadores, esquerdistas e direitistas, nacionalistas e globalistas, et cetera. São muitos os pretextos para um racha.

 

A polarização como jogo de amigo versus inimigos ganhou ainda mais fôlego quando a sociedade se inseriu nas “câmaras de eco” das redes sociais, em espaços virtuais onde se convive unicamente com pessoas que pensam exatamente da mesma maneira. Essa convergência de iguais cria uma espécie de arquitetura social de controle na qual o diferente parece ser uma ameaça, quando, na verdade, o que está em perigo é a própria liberdade.

 

Além das polarizações político-partidárias superficiais e montadas para beneficiar partidos grandes o suficiente que possuem uma cauda eleitoral, entram em cena as “guerras culturais”. Tratam-se de debates ideológicos de caráter identitário versando sobre legalização das drogas, maioridade penal, descriminalização do aborto, a pauta LGBT e, lamentavelmente, sobre o controle estatal da liberdade de expressão artística. 

 

O problema é que, mesmo diante de algo tão importante, trocou-se o diálogo pela reafirmação de ideias próprias como verdades sacrossantas que em nada promovem o avanço da sociedade. Antes, nos aproxima da armadilha de Dédalo: sonhar com a liberdade para fugir do labirinto por nós mesmos criados e, depois, ao encontrar a solução para saída, nos perdermos nos encantos do voo, não perceber o perigo e nos lançar, sem vida, ao mar.

 

Nesse mundo tolamente dividido, afaga a alma ver um mexicano que vive na Califórnia responder saborosamente a um repórter de Tijuana que lhe perguntava porque vivia nos Estados Unidos, da seguinte forma: “estou me desmexicanizando para mexicompreender-me”. O repórter, ingénuo, insiste: “e como o senhor se considera?”. A resposta diz muito: “pós-méxico, pré-chicano, transterrado, arteamericano... depende do dia da semana e do projeto em questão”.

 

Recuperar o diálogo, conviver com a diferença e respeitar ao próximo. Coisas tão simples que se perderam no tempo.

 

* Marcos Sampaio é professor constitucionalista da UFBA 

 

* Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias