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'Nas condições mais precárias surge o melhor tipo de arte', defende A Travestis

Por Bruno Leite

'Nas condições mais precárias surge o melhor tipo de arte', defende A Travestis
Foto: Reprodução / Instagram

Tertuliana Lustosa, piauiense, 23 anos. Muita gente talvez não a conheça por este nome, mas pela alcunha artística de "A Travestis" - nome da banda em que é vocalista. Figura marcante no cenário LGBT+ de Salvador e autora de singles como "Murro na Costela do Viado" e "Ele Senta na Prostituta", a artista carrega em seu percurso a repercussão nos paredões soterópolis afora e as participações nos trios da drag queen Pabllo Vittar (relembre aqui), d'A Dama e da banda La Fúria durante o Carnaval. Mas em sua trajetória impera a máxima: "quem vê close, não vê corre".

 

O início de tudo se deu com a literatura: ainda criança, nutria o sonho de ser escritora e inscrevia seus textos em concursos. "Por conta disso [do desejo artístico], resolvi fazer uma faculdade de História da Arte na UERJ [Universidade Estadual do Rio de Janeiro]", explica Tertuliana.


 
Tertuliana no Porto da Barra 
| Foto: Reprodução / Instagram

 

O caminho acadêmico e a permanência a levaram para a produção de festas junto com as pessoas do abrigo em que morava, o Prepara Nem. No embate ela atacou de DJ, a DJ Tertu. "A gente fazia festas para pagar o aluguel. De início eu ficava na portaria, no bar e comecei também a tocar, foi lá que eu aprendi". Foi essa experiência que possibilitou que pessoas próximas tivessem algum espaço na cena da música periférica carioca. "Tinha um estúdio em que eu fazia estágio e isso me possibilitava gravar podcasts de graça. Conhecendo um pouco a cena, vendo as pessoas que já estavam no meio LGBT e tinham vontade de gravar funk, gravei gratuitamente para muitas pessoas, uma oportunidade que é muito difícil".

 

Na conclusão do curso, a música deu o ar da graça e, com o diploma na mão e a vontade de seguir, Tertuliana chegou em Salvador. A razão, explica ela, seria sua mãe: "De certa forma, a gente faz companhia uma para a outra". Aqui, até por conta da oferta rarefeita de emprego para pessoas trans, foi para o Porto da Barra com os brigadeiros na mão em busca do seu "ganha pão".

 

O comércio lhe rendeu músicas como "Olha o Brigadeiro da Lôra", em referência ao seu trabalho, e um encontro com Caetano Veloso, de quem ela recebeu elogios. "A primeira vez que encontrei Caetano eu estava vendendo brigadeiro, aí na segunda eu estava gravando o clipe de 'Ele Senta na Prostituta'. Ele chegou e perguntou se eu era a travesti que deu entrevista na rádio e que ele tinha acompanhado. O clarinetista dele veio falar comigo, falou sobre meu trabalho, elogiando e disse que conversaram muito sobre minha música", contou.

 


O encontro de Tertuliana com Caetano no Porto da Barra | Foto: Reprodução / Instagram

 

Para ela, essas ocasiões trazem uma felicidade, por se tratar de espaços em que o "pagodão" tem mais dificuldade de penetração. "Acredito que é porque minha música é tão diferente de tudo que até escapuliu o mundo do pagode. Quando eu falo 'ele senta' é algo que não existe na música brasileira, essa coisa do homem passivo, tanto é que as pessoas cantam errado e dizem 'ela senta'. As pessoas não conseguem pronunciar esse sujeito com esse verbo. Na mente da sociedade só existe uma ordem das coisas", desabafa Tertuliana. 


ÊXODO TRANSTERRITORIAL
Nascida em Corrente, interior do Piauí, Tertuliana é afeita ao termo "sertransneja", um neologismo que ela defende lhe abarcar como mulher trans e vinda do interior. Sobre essa questão ela crava: "É uma realidade muito apagada. No interior existem poucas possibilidades e a maioria das travestis se retiram - assim como a maioria das pessoas se retiraram e ainda se retiram por questões geográficas, por falta de oportunidades de emprego, pela seca - por causa da pressão social, pela falta de cirurgia, de hormônio e de acompanhamento médico".


PAULILO PAREDÃO E CARNAVAL
O Paulilo Paredão (veja aqui) foi essencial para a trajetória artística d'A Travestis na capital soteropolitana. Convidada após uma entrevista que fez por admirar o projeto - algo semelhante ao que já fazia no Rio de Janeiro -, ela faz questão de citar o nome do evento em suas canções. 

 

E do paredão para o trio foi um salto. E quanto à dimensão de uma ascensão, em uma das maiores festas de rua do mundo, em um país que mais mata travestis e transexuais em todo o mundo - segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) -, ela diz: "acredito que no Brasil está havendo uma resposta artística ao extermínio - assim como na Ditadura Militar, que artisticamente o país borbulhou, tanto nas artes visuais, como na música -, esse é o momento das pessoas LGBTs mostrarem sua arte. Porque eu acredito que é exatamente nas condições mais precárias que surge o melhor tipo de arte, uma arte conectada com revolução social".

 


A Travestis no trio com a drag Pabllo Vittar