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Negra e mãe, Rita Batista diz que é preciso ter ‘sangue frio’ para lidar com o preconceito

Por Júnior Moreira Bordalo / Ian Meneses

Negra e mãe, Rita Batista diz que é preciso ter ‘sangue frio’ para lidar com o preconceito
Foto: Priscila Melo / Bahia Notícias

O ano de 2018 para a jornalista Rita Batista surgiu como uma nova fase em sua vida. Após conceber o seu filho Martin em novembro de 2017, ela confessa que teve que se readaptar para poder dar conta de sua rotina como mãe, partindo do princípio de que “o tempo fica muito mais curto [...] e não tem mais isso de emendar uma coisa na outra, sair de manhã e só chegar de noite”. Bater o ponto em casa no meio do dia virou uma obrigação. Com o filho ainda bebê e tendo que amamentar, ela aproveitou para pensar em si mesma e por isso percebeu que “o tempo tomou uma outra conotação na vida”. 

 

De início “era enlouquecedor”, por Rita se considerar uma pessoa “muito urgente” ao ponto de se estressar com essa rotina multiplicada por dois. No entanto, hoje, ela vê os lados com menos tensão. “Aos poucos você vai retomando a sua vida, vai encontrando esses outros caminhos e vai conseguindo fazer o que você fazia antes e com uma nova atribuição de cuidar de um menino”, conta.  

 

“Nunca foi projeto da minha vida”, diz Rita ao tratar do ser mãe. Ela confessa que “foi um susto da porra” ao saber que estava esperando um filho. Indecisa sobre ter ou não filhos, a jornalista decidiu congelar óvulos, mas para isso precisaria suspender o contraceptivo que usava. E então veio o Carnaval: “Foi uma trepadinha de nada, na madrugada, tirando a maquiagem, a purpurina. Só que depois de 18 anos tomando anticoncepcional, eu tinha parado 30 dias”. Sem uso do método contraceptivo, ela hoje define que a folia de 2017 “foi o Carnaval da despedida da Rita não mãe”.  

 

Os desafios de criar um filho negro começaram logo na maternidade, quando Rita se deparou com uma incoerência na Declaração de Nascido Vivo, um documento fundamental para fazer a Certidão de Nascimento. Ao receber o papel das mãos de uma enfermeira, ela recebeu a orientação para conferir todos os dados de Martin ali contidos. “Cor: branca. Eu falei: Oi? ‘Ah, não é branco não?’, perguntou a profissional de saúde. Eu falei: 'Não. Qualquer neném nasce branco'. Aí ela falou: ‘Pardo!’. Eu parida, depois de 18 horas de trabalho de parto, só disse: 'Minha filha, conserte isso. É negro. Traga outro documento certo'”, lembra. 

 

As situações não pararam por aí e dispara: “Marcel [esposo de Rita] sai com Martin e é tudo certo. Eu, quando saio com Martin, as pessoas olham”. Além de olhar, o preconceito velado vem com as palavras. “Uma vez com ele bem novinho, era bem mais clarinho e uma mulher chegou assim: ‘Ele é novinho não é?’ Eu disse: 'Tem três meses'. E ela: ‘E a mãe já deixa assim passeando?’. Eu falei: 'É, talvez porque ele está passeando com a mãe dele mesmo'. ‘Ah minha filha desculpa, porque parece branco’. Mas não é não, é preto”, pontua. 

 

Enfrentar o racismo em 2018 foi um desafio ainda maior para a jornalista, depois que decidiu apresentar o programa político do candidato a presidência Fernando Haddad (PT) e passou a receber vários comentários desrespeitosos em suas redes sociais. Mas não eram apenas sobre discordância política: os xingamentos estavam sempre relacionados ao fato dela ser mulher e negra. “Esse país é machista, é racista. A ofensa não vai contra o seu argumento, a ofensa vai contra a sua pessoa, a ofensa é por conta do que você é”. 

 

Mesmo com o lado negativo, não houve arrependimento com a decisão de aparecer no horário eleitoral. "Sabia que ia ser porrada. Pode ser todo o dinheiro do universo, mas só vale fazer se você acredita. Se você tem uma similaridade com aquele projeto, se você tem apreço… Quando eu falo um negócio eu falo acreditando cada sílaba, cada palavra, cada vírgula, eu estou acreditando naquilo. Se eu não acreditasse naquele projeto político, ainda mais naquele momento que o Brasil estava completamente polarizado, ainda está, e [sabendo] que porrada ia vir de todos os lugares... Você imagina como isso se ampliou. ‘Ah, horário político ninguém assiste…’. Assiste".

 

Rita aproveita para refletir que a atitude dessas pessoas tem forte influência em quem elas escolhem como referência: “Tinha um bocado de gente que tava ali segurando a onda, mas a partir do momento que há uma permissão, permissão de um candidato que estava ali na frente das pesquisas e que achava tudo isso besteira e mimimi, então, fica o povo colocando as asas de fora. Essas sempre existiram, estão juntos conosco, próximas da gente. É preciso que a gente se ligue”. 

 

Para se sentir encorajada e conseguir encarar essas pessoas, Rita acredita que precisa “ter sangue frio, sangue de barata”. E para lidar com a onda de agressões verbais na internet, sabendo que os processos por racismo são demorados e despendiosos, ela preferiu não reagir com agressividade, mas com inteligência: “O ímpeto da pessoa é reagir e xingar também. Eu não perco meu tempo, eu me divirto. Destruir a pessoa com meu argumento é diversão. Por isso que eu printo e eu mando, a pessoa manda e eu respondo, porque aí a pessoa vai ficando louca e vai perdendo as estribeiras".