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Marca Bahia Notícias Holofote

Entrevista

Grag Queen apostou em estilo próprio e fé em si mesma para se tornar a 'Rainha do Universo'

Por Alexandre Brochado

Grag Queen apostou em estilo próprio e fé em si mesma para se tornar a 'Rainha do Universo'
Grag Queen | Fotos: Rodolfo Magalhães

Ganhadora da primeira edição do reality show internacional “Queen of the Universe”, a gaúcha Grag Queen tem conquistado fãs do Brasil e do mundo. De Canela, interior do Rio Grande do Sul, Grag impressionou os jurados Leona Lewis, Michelle Visage, Trixie Mattel e Vanessa Williams com suas técnicas vocais e referências do jazz e do blues, além das suas performances e figurinos deslumbrantes. Com produção executiva do ícone drag RuPaul, o reality foi transmitido no Brasil pelo Paramount+, plataforma de streaming da ViacomCBS.

 

Em entrevista ao Bahia Notícias, a drag queen contou sobre seu começo na arte, que segundo ela aconteceu por “acidente”, e quais decisões enquanto artista LGBTQIA+ a levaram a se tornar a “Rainha do Universo”. Para Grag, as oportunidades que ela recebeu foram o ponto principal para sua carreira. "Eu não teria chegado onde cheguei se não tivesse alguém ou algum país lá de fora que tivesse entendido antes o quanto a nossa orientação sexual, a nossa identidade, não nos distancia do que a gente faz".

 

Ao longo da entrevista, Grag ainda falou como foi começar a cantar na igreja, deu dicas para drag queens e revelou que um dos seus maiores desejos é realizar um show em Salvador: "Logo logo eu chego".

 

 

Você começou a cantar na igreja, que é um ambiente conservador. Quando você teve o estalo de iniciar na arte drag?
O estalo para começar na arte drag certamente não foi dentro da igreja. A igreja me trouxe muita referência musical, ela me proporcionou a oportunidade de estar em contato com instrumentos, cantores e musicalidade muito boas. Mas foi, obviamente, quando eu saí da igreja, na verdade fui convidado a me retirar, que fui convidado também a me conhecer, me amar e me aceitar. Foi a melhor coisa que me aconteceu, e logo eu ingressei em carreira musical. Eu sou de Canela e lá tem muito show de Natal. 

 

E depois um amigo meu, o Wes, que era de um projeto que fazíamos parte, o Armário de Saia, a gente meio que saiu dos musicais juntos e um dia ele me disse: “bicha, o que a gente vai fazer da vida?”, e eu respondi: “vamos fazer um vídeo para internet, vamos homenagear as drag queens do Brasil?”. Nós pagamos um maquiador para nos montar e daí esse vídeo viralizou. E quando esse vídeo viralizou os comentários eram: “Nossa, essas novas drags são incríveis”, “ai, como eu amo essas drags”. E eu assim: “Drags? Nós somos drags agora?”. Eu não sabia pintar o olho, um ano de carreira drag pra eu aprender a colocar os cílios. E foi assim, drags por acidente. Comecei a fazer drag por acidente e agora entendo que foi o melhor acidente que aconteceu na minha vida.

 

No Queen of the Universe você revelou algumas situações que passou com sua família devido a sua orientação sexual. Pessoas da comunidade LGBTQIA+ passam por obstáculos por causa da sexualidade e identidade. Qual decisão ou circunstância você acredita ter sido a mais importante para seguir sua carreira?
Eu acredito que tenham sido as oportunidades, que eu não teria chegado onde cheguei se não tivesse alguém ou algum país lá de fora que tivesse entendido antes o quanto a nossa orientação sexual, a nossa identidade, não nos distancia do que a gente faz. Então, sim, foram a oportunidades, porque a gente enquanto artista em um corpo que é taxado como “estragado”, de que “precisa consertar” e de é tido como “errado”, a gente acaba dando 200% sempre. Eu não conheço nenhum artista ou profissional LGBT que não seja muito bom no que faz. 

 

Em uma época atrás eu pensava lá no meu subconsciente: “já que eu sou ‘estragado’, já que a minha mãe tem vergonha de mim, eu vou ser o melhor cantor, eu vou ser o melhor ator”. Depois a gente entende que as nossas mães, as pessoas próximas, nos amam e nos aceitam, mas aí você já é o melhor ator e cantor e aí só tem a agradecer. 

 

Em suas redes sociais, sua mãe aparece te acompanhando nos eventos e falando com os fãs. Como é ter ela ao seu lado nesses momentos?
A minha mãe é quem faz os meus cabelos, ela é cabeleireira, e é ela quem monta as minhas perucas. Minha mãe é sempre muito engajada. No começo, quando comecei a fazer drag ela não entendeu muito, não botou muita fé, porque era meio estranho. Também não era tão bonita assim, depois com o tempo foi melhorando. Muitos fãs entram em contato com ela para falar “eu queria ter uma mãe assim que me aceitasse”, “queria ter uma mãe que me apoiasse”. E ela chora, bem pisciana, conversa com os fãs, manda áudio no WhatsApp pra eles. Ela é um anjo. Não é porque é minha mãe, mas eu nunca vi uma pessoa com uma energia assim tão evoluída, tão preparada para ser mãe, para ser uma apoiadora. Até mesmo com os clientes dela, ela pergunta “qual o seu problema” e vai ouvir, vai te dar uma solução. Eu não sei qual é a missão dela, mas ela é “babadeira”.

 


Em relação ao Queen of the Universe, conta pra gente sobre como funciona a montagem das apresentações e inspirações. Você escolhe as músicas ou existe alguma interferência da produção?
A gente já tinha os episódios pré-articulados, né? Antes de entender como episódios, eles eram temas. Nos era dada uma lista grande de episódios, e cada tema a gente escolhia uma base de cinco músicas para dar opções. Eles sempre amaram as minhas primeiras opções. No início eles não entenderam, “como a gata vai cantar Amy Winehouse, depois ela vai cantar Cindy Lauper, ela vai cantar Andra Day”. E eu disse “amiga, acalma seu coração, eu tô chegando e você vai entender”. E foi aí que eles entenderam.

 

No seu estilo de cantar tem alguns elementos que lembram Gal Costa, Jessie J e Elis Regina. Quais são as suas referências musicais e como se deu o processo de formação desse seu estilo?
Eu sempre amei ser único, sabe? Eu sempre fui apaixonado por fazer aquilo que ninguém sabia. Óbvio que tecnicamente, para fazer o que eu faço, essas brincadeiras com a voz, tem que saber, precisa ter muita base. Então eu sempre amei realmente o que a Jessie J fazia, sempre fui fã da Gal Costa competindo com a guitarra. Na igreja também tem muitas pessoas que fazem coisas diferentes. Eu sou muito doido por jazz, por scat [improvisação vocal com vocábulos sem palavras]. Enquanto meus amigos ouviam outras coisas que estavam rolando na cena, eu estava doido ouvindo Etta James. Ninguém entendia, mas hoje eu entendo o porquê, e enfim… a musicalidade é uma coisa que a gente desenvolve, ela não vem com a gente. A musicalidade é a junção de todos esses efeitos que você teve durante toda a sua vida musical. Eu acho que tenho muito dedo do jazz e do blues. 



Nas suas músicas autorais, você fala muito sobre acreditar em si mesmo e dar o primeiro passo em busca dos seus sonhos. Essa é uma forma de encorajar seus fãs com inspiração nas suas vivências?
Quando eu escrevi essas músicas recentes que lancei a gente estava no meio de uma pandemia, estávamos doidas por uma vacina, por um governo organizado. E como comunicador, porque eu sinto que as nossas letras têm que comunicar, eu não sentia a vontade de mandar as pessoas descerem até o chão e balançarem a bunda, porque estava horrível. Inclusive, quando eu escrevi “Bota Fé” meu pai estava entubado por causa da Covid, a minha mãe estava na UTI e eu estava longe e sem dinheiro nenhum. Então por que eu ia escrever para as pessoas tirarem o pé do chão se o que a gente precisa hoje é dizer para as pessoas colocarem fé em si mesmas? Saírem do sofá, levantarem e se mexerem mesmo sem saber para onde, mover essa energia... Com certeza isso é reflexo do que eu estava vivendo naquela época. E eu resolvi realmente viver as letras das minhas músicas, eu coloquei tanta fé em mim que acabei virando a Rainha do Universo. Hoje vivemos em outra realidade e vamos viver outras comunicações. Eu sempre vou ser a doida que vai chegar e dizer: “e aí, vai ficar reclamando o dia inteiro?”, “vai ficar reclamando dos resultados se o caminho é sempre o mesmo?", “vamos agir, a gente tem 24 horas na porta do dia para a gente agir". Você vai ficar aí fazendo o quê?”. Então, acho que sempre vai ter nas músicas esse “se liga”.

 

Sobre seus próximos projetos, estão vindo shows e lançamentos por aí?
Podem esperar tudo, porque vem aí. Vêm músicas novas, clipes… quem sabe uns novos projetos. Logo começarei a soltar e divulgar shows, e eu tô muito ansiosa pra gente se ver novamente. 

 

Salvador tem uma cena Drag forte, conhecida pelo público LGBTQIA+. Muitas drags baianas se inspiram no reality RuPaul's Drag Race, em drags nacionais, como Pabllo Vittar, Gloria Groove e no seu trabalho. Você já veio à capital baiana? Já conhece a cena drag daqui? 
Eu não conheço Salvador ainda, eu passei na cidade por escala no aeroporto, mas não vale, né? E tem um negócio em comum com as pessoas que já foram em Salvador, pois todas elas são apaixonadas. Todo mundo ama. Eu já comi comida baiana, já conheci pessoas que são da Bahia e é tudo perfeito e só falta eu pisar aí. Tem muito fã da Bahia, só faltou a madrinha colocar o pezão dela aí. E eu tenho certeza que quando eu colocar meu pé aí eu vou me conectar, vou amar. Um dos meus maiores desejos é fazer uma coisa aí, fazer um show na cidade. Inclusive, contratantes, falem com a mamãe, façam um esforço para a mãe se apresentar em Salvador.


Qual mensagem você deixaria para as drag queens soteropolitanas?
Um recado para as drags de Salvador é: esperem que logo logo eu chego. E não importa de onde você é, eu vim lá do interior do Rio Grande do Sul e a gente conseguiu chegar no topo do universo. Não exitem em acreditar em vocês mesmos. Parece papo para boi dormir, mas não. Seja você mesmo, acredite em você, porque em algum lugar você vai chegar, ainda mais sendo drag brasileira. As drags brasileiras não têm pra bater, a gente tem o ziriguidum, que é ser do Brasil.