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Entrevista

Lincoln aposta em diversidade para que todas as idades e gêneros possam ouvir músicas

Por Júnior Moreira Bordalo / Ian Meneses

Lincoln aposta em diversidade para que todas as idades e gêneros possam ouvir músicas
Foto: Priscila Melo / Bahia Notícias

Vocalista do grupo Lincoln e Duas Medidas, Lincoln Senna tem planejando seguir antenado com as mudanças na sociedade para refletir o novo em seus trabalhos. Para ele, é regra “sempre tentar fazer uma música que todas as idades, todos os gêneros possam ouvir”. Apostando na diversidade como em “Carnavrau”, o artista disse ter buscado uma fórmula de comunicação sem perder a essência do grupo. 

 

A associação da banda ao foco na dança não aflige o cantor. Formado em educação física, ele reforça a importância do corpo em movimento e, mesmo entendendo que a dança é vista como um “primo pobre”, classifica a linguagem dessa arte como “fantástica” por fazer “muitas pessoas interagirem, sorrirem e se libertarem”. 

 

Em relacionamento com a esposa Monique Paim desde os 17 anos, Senna mantém sua vida pessoal com discrição e critica o fato de outras pessoas se perderem por não saberem “dividir o que é seu particular e o que é de todos”, expondo, assim, os familiares e os relacionamentos. Para ele, para responder e lidar com perguntas da vida pessoal é preciso, exclusivamente, ter responsabilidade pelas pessoas que estão relacionadas com a sua vida. 

 

"Carnavrau" é a sua aposta para o verão?
Temos um filosofia de tentar interpretar nosso trabalho como uma distribuição ao longo dos 12 meses, apesar de reconhecer o Carnaval como ápice da nossa música. As nossas músicas vão crescendo a longo prazo, não temos respostas imediatas, vide "La Raba", que continua tendo crescimento em algumas cidades da Bahia e fora também. É uma das apostas por ser a mais recente. 

 

O que você acha que "Carnavrau" tem de diferente das outras músicas?
Ela tem uma história que traz com muita propriedade. Ouvimos muitas histórias, principalmente das amigas, de mulheres. Elas sempre protagonizam praticamente todas as nossas músicas. Hoje com essa questão do empoderamento feminino, o homem pode ter um amigo sonso, cachaceiro e descarado, assim como a mulher também pode ter. Isso não a coloca em uma qualificação abaixo ou acima do homem. Nossa música também dialoga o tempo inteiro com os jovens de hoje. Tentamos trazer para nosso trabalho uma comunicação sem perder a nossa essência. Sem perder a criticidade de ver até onde vai nosso limite. Se foge a nossa linguagem particular, não trazemos para nossa música. Sempre tentamos fazer uma música que todas as idades, todos os gêneros possam ouvir. "Carnavrau" tem um eletrônico predominante, tem o refrão pagode baiano e de repente a gente se comunica com o brega funk. 

 

Vocês já comentaram em uma outra entrevista que vocês fazem o eletrobalance. O que seria isso? 
Tentamos dar nome a tudo o que a gente faz. Fizemos uma brincadeira no estúdio e percebemos que isso era um balanço eletrônico. Temos muitas referências boas de cenários diferentes que já misturam isso antes mesmo de nós. Apesar de não terem dado esse nome, como o BaianaSystem, o Àttooxxá, como o cantor Robson de uma banda chamada Puro Love. É uma mistura com pagode e música eletrônica. A gente está fazendo o que o mundo está fazendo. 

 

Sobre "Carnavrau", o clipe conta com participações diversas. Por que apostar nessa diversidade no clipe? Para vocês isso é importante?
Eu fico feliz de fazer música de entretenimento que não tenha um cunho reflexivo, político diretamente nas letras, mas nas suas adjacências dá para fazer política de uma forma branda, de uma forma tranquila. Antes mesmo desse clipe, eu fiz o clipe de "Que Meu Ex Se Lasque", que a abertura era com uma mulher com vitiligo, uma outra protagonista plus size e outra negra. As três introduzem o clipe como protagonistas. À medida que vamos tendo mais autonomia na nossa carreira, colocamos vários pensamentos nossos em nossas músicas. Em "Canavrau", a ideia é justamente essa. Nunca tinha ouvido falar sobre invisibilidade em minha escola e, às vezes, a gente se culpabilizar por não ter refletido sobre certas questões é até injusto, porque na nossa infância e adolescência não foi problematizado. De três anos para cá isso veio à tona e causa desconstruções. Nunca tinha ouvido e busquei conversar com pessoas que me levaram a um processo de empatia. Trouxe isso em "Carnavrau", justamente por ser uma festa que você encontra todas as classes sociais no espaço público, porque não trazer isso para o clipe também? Quando eu coloco essas pessoas no meu clipe, sinto um dever com minha consciência que vai além da minha questão de ser artista. Eu estou doido para fazer outro clipe para chamar mais dessas pessoas. 

 


Foto: Priscila Melo / Bahia Notícias

 

O seu público aparenta ser estritamente heteronormativo. A partir do momento que isso traz a diversidade pode trazer algum conflito com seu público. Isso é uma preocupação para você?
Nunca tinha parado para pensar nas fatias. Sempre coloco a turma para dançar no palco e vejo diversas possibilidades. Sobre a preocupação de causar conflito, não tenho medo de como ser interpretado. Acho que quando é feito com boa intenção, o que tiver que vir é só uma questão de vibração. Só vai do seu lado quem estiver na mesma vibração que a sua. Acredito muito no invisível, no que protege e suas intenções e assumir as consequências disso. Quero a parada plural. 

 

A banda tem ficado conhecida por associar música com dança. É essa a proposta mesmo?
Conheci minha esposa [Monique Paim] com 17 anos e estou com ela até hoje. Estudávamos no Salesiano. Todas as vezes que íamos para um ambiente festivo, por sermos filhos da classe-média, a classe-média é uma gestora de dívidas. Parcelávamos os ingressos e chegava lá era "água". A gente não comia e nem bebia. Fazíamos só dançar. Entrei na Educação Física, que tem como objeto de estudo o corpo em movimento. Cheguei a estagiar em academia dando aula de swing baiano. Dava aulas para terceira idade, dava aulas para magistério, fui personal... O corpo estava presente em todo momento. Toda a música que colocávamos no repertório, mesmo que fosse música que falasse de amor e não induzisse a coreografia, eu estava fazendo passinho. Percebia que os passos que fazia, conseguia fazer com que o público reproduzisse. Quero aprender mais a dançar e fazer mais músicas para o povo dançar. Sempre fui fã de Xanddy, queria ser Xanddy, louco pelo Harmonia, que também traz a dança consigo. 

 

Ao cantar com Ju Moraes "Desacelera", você mostrou um Lincoln mais desconhecido em que sua voz veio em primeiro lugar. Você se incomodaria de ficar marcado por ser um cantor que só faz música para dançar?
Durante essa caminhada do sonho, não consegui colocar para fora tudo que eu tenho. É diferente de mostrar tudo o que eu sou, porque mostrar o que sou remete a dar satisfação. Não tenho essa necessidade, estou em paz comigo. Em um documentário de Ingrid Guimarães sobre o humor, "Viver do Riso", ela fala como a comédia é vista como o primo pobre e o drama é visto com outro patamar, ao ponto de ser premiado com o Oscar com muito mais frequência. A dança também é vista como o primo pobre. Eu acho incrível que até os que não gostam de dançar, quando vão para um casamento ou formatura e no repertório do DJ bota É o Tchan, todo mundo dança. As pessoas interagem sem nem mesmo se conhecerem. A linguagem do corpo é silenciosa e eu acho isso fantástico. A dança é o primo pobre, mas faz muitas pessoas interagirem, sorrirem e se libertarem. 

 

O mundo da música é cruel e nesse sentido, ainda mais hoje, é muito focado em visualizações, em cliques e reproduções. Muitos dos seus trabalhos estão associados ao FitDance, que é um dos canais mais populares no YouTube. Como é isso para você? 
Não posso ser hipócrita. Dizer que eu sou alheio a isso é uma grande mentira. Existe um Lincoln e Duas Medidas antes e depois da FitDance. A FitDance deu uma sobrevida a muitas bandas. Inclusive, grandes nomes de hoje que viviam momentos nebulosos em versões ao vivo, com erros de gravações, foram apropriados pela FitDance e colocados como coreografia. Aquilo gerou números e a partir dali aquela nebulosidade começou a sair e esse artista começou a aparecer novamente. Toda a comunidade entende que existe uma moeda chamada @. Agora, você tem que ver até que ponto vale você interagir com essa ferramenta como propulsora ou degrau, para você projetar a sua carreira e seu trabalho. Tem gente que está indo para o "vale tudo". E repito: no "vale tudo", na minha visão, o perigo não é nem o que as pessoas vão achar dele. É que quem está indo para o "vale tudo" está tentando sem sombra de dúvidas contra si. Tem muita gente ficando triste, se perdendo, sem saber porque. Em troca do patrocínio, do público, não está sabendo dividir o que é seu particular e o que é de todos. Relacionamentos estão sendo expostos, famílias estão sendo expostas. 

 


Foto: Priscila Melo / Bahia Notícias

 

Para você tem um limite claro até onde vai por esses números?
Tem. Por exemplo, eu sou um cara extremamente família, mas não vão achar foto dos meus pais na minha rede. Eu saio de mão dada com minha mãe no shopping, beijo meu pai. Não se trata de constrangimento ou vergonha, se trata de preservar a saúde. É tentador você postar algo. 

 

Você deixou de fazer trabalhos ao longo da carreira porque não se encaixava com tudo isso que acredita?
Já, muitas vezes. Eu sei o quanto se torna desinteressante para a própria matéria. Anos atrás, ainda imaturo, eu respondi uma pergunta sobre um lugar inusitado que eu fiz amor. Falei tal lugar. Eu estou com minha mulher desde os 17 anos, foi piada no trabalho dela. No momento que estou respondendo as minhas coisas, eu estou tendo responsabilidade pelas pessoas que estão relacionadas com a minha vida. 

 

Vocês já foram apontados como o "novo" , uma aposta do cenário da música baiana. Como você absorve essa análise e de que forma você se posiciona em relação ao mercado da música baiana que vem passando com o Axé, principalmente, um período de instabilidade? 
Tudo é cíclico, e por ser cíclico, independente do que cada um esteja produzindo, em cada momento vai ser uma música, um ritmo, uma pessoa que vai estar em foco. Também existem algumas responsabilidades nossas. Por exemplo, tem12 meses no ano e eu fico pesquisando bastante coisa do mundo inteiro e tento pesquisar coisas da nossa terra, que eu só encontro perto do Carnaval. Alguns artista colocando na rua "o prato" do seu "restaurante". O "restaurante" fica fechado o ano inteiro e quando chega em novembro, o "restaurante" abre com um "prato" com o qual não foi criado uma intimidade ao longo do processo. Todo mundo olha a música e estranha. Todos os outros gêneros, como o sertanejo, brega funk, funk e até a good vibes, como o Melim, a turma está gerando música o ano inteiro e a nossa geração tem todas as plataformas, onde está todo mundo sedento. Quem for acessar música baiana, de certos artistas, não vai encontrar nada de novo. Viemos da década de 2000 como protagonistas da indústria fonográfica, que no formato antigo quebrou, que era com CD, vinil e outras vias. Nesse processo, a Bahia, que estava protagonizando esse cenário, deixou de entender qual era o caminho. Os artistas começaram a fazer clipes de um ano e meio para cá e ainda assim não são todos. De 10 grandes artistas da música baiana, nesses últimos dois, cinco ou dez anos, quais foram os que produziram clipe e quantos clipes produziram? Qual a importância do clipe? É a comunicação mundial hoje, é audiovisual. Eu acho que na nossa geração ninguém está tendo paciência para as coisas amadurecerem. O que vem acontecendo com a minha carreira é um amadurecimento coletivo, Carnaval a Carnaval, mês a mês. A gente não se acha melhor que ninguém, nem uma aposta mais que a outra. Estamos produzindo. Quem olhar na entrevista, no palco, no trabalho, veja, no mínimo, a seriedade do que estão fazendo. 

 

Como estão os planos para o próximo Carnaval e como conciliar a rotina de apresentações? 
Vamos fazer Porto Seguro, Barreiras, camarote, pipoca... Meu estilo de vida me favorece. Dificilmente eu me sinto cansado. Eu pratico atividade física desde os meus 16 anos, que foi quando meus pais me permitiram fazer musculação. Não faço uso de bebida alcoólica, não faço uso de drogas. De quatro anos para cá, tenho buscado um estilo de vida de alimentação cada vez mais saudável. Para potencializar, acabei de entrar no crossfit e tenho um escritório que tem uma responsabilidade muito grande, me dando todo um aparato. Eu acabo chegando no Carnaval com o psicológico e o físico em plena saúde. Medito, faço leituras, assisto vídeos, busco o autoconhecimento para entender meus limites físicos, mental e espiritual. Me preparo o tempo inteiro para entregar o meu melhor e eu fico feliz de quem me olha e se sente-se motivado a ser feliz. E faço um Carnaval abençoado por Deus e bonito por natureza. Por fim, uma ideia fantástica do meu escritório, três produtos da casa, Lincoln e Duas Medidas, O Poeta e La Fúria, em um ensaio coletivo, dias 15, 22 e 29 de janeiro, no Jardim dos Namorados.