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UE põe acordo com Mercosul na geladeira à espera de melhor momento, diz consultoria

Por Ana Estela de Sousa Pinto | Folhapress

UE põe acordo com Mercosul na geladeira à espera de melhor momento, diz consultoria
Foto: Reprodução / A Semana

A União Europeia colocou na geladeira o acordo de livre comércio com o Mercosul à espera de condições políticas mais favoráveis, afirma análise da consultoria Eurasia, uma das principais companhias de avaliação de risco político.

Segundo o diretor para a Europa da consultoria, Emre Peker, e o analista para o Brasil Filipe Gruppelli Carvalho, a desconfiança crescente de europeus de que o Brasil tenha compromisso com metas climáticas e ambientais estreitou as margens de negociação do acordo.

As conclusões vão na mesma direção de análises feitas à Folha por diplomatas e consultores que acompanham de perto os trabalhos nos dois blocos econômicos, e ganhou força com dados recém-divulgados de recorde de desmatamento na Amazônia.

"Para os europeus, a maior ameaça ao acordo é o presidente Jair Bolsonaro e sua desconsideração pela preocupação global com o fraco histórico ambiental do Brasil e o crescente desmatamento na Amazônia", escrevem os analistas da Eurasia.

Para que um acordo comercial passe a valer na União Europeia, precisa passar por várias etapas, que começam na Comissão Europeia -Poder Executivo do bloco, responsável por escrever os regulamentos comuns europeus e negociar tratados comerciais.

Quando terminam as negociações, é redigido um documento do acordo, que precisa passar por revisão legal nos dois blocos e tradução para todas as línguas dos países membros antes de ser assinado. O acordo entre Mercosul e UE está na fase da revisão legal, e seus problemas mal começaram.

Uma vez assinado, ele se torna uma proposta oficial de acordo comercial, que precisa ser aprovada por agentes políticos em três níveis -e já há oposição explícita ao tratado em todos eles no lado europeu.

O acordo só vale se tiver unanimidade no Conselho Europeu (órgão que reúne os líderes dos 27 países membros) e maioria no Parlamento Europeu (705 eurodeputados formam o Legislativo da UE).

Também precisa passar pelos parlamentos nacionais e regionais (no caso de federações, como a Bélgica); se for reprovado em qualquer uma dessas instâncias, ele volta à estaca zero.

Neste momento, o governo da Áustria já declarou oposição ao acordo, o que impediria a unanimidade no Conselho. No mês passado, ministérios da Holanda e da França, um dos países mais poderosos do bloco, lançaram a proposta de endurecer as regras de controle ambiental nos tratados não assinados (caso do Mercosul).

Na análise da Eurasia, o principal fiel da balança será a França. "Dada a iniciativa de Paris de consagrar o acordo climático nos acordos comerciais da UE e impulsionar sua implementação, qualquer desvio dos compromissos do Brasil por Bolsonaro tornaria impossível a Macron apoiar o acordo", afirmam eles.

A avaliação feita pelo governo francês depois que o texto estiver finalizado, que determinará a posição francesa, será um sinal importante, segundo os analistas.

No Parlamento Europeu, a Comissão de Comércio Exterior aprovou no dia 27 de maio uma moção de apoio a que o Acordo de Paris se transforme uma cláusula essencial dos tratados comerciais, o que facilita a retirada de benefícios comerciais por causa da alta de desmatamentos, como vem ocorrendo no Brasil.

Nas negociações, concluídas no governo Bolsonaro, o Brasil se comprometeu a seguir o Acordo de Paris para combater mudanças climáticas e reverter o desmatamento. "No entanto, com Bolsonaro defendendo as opiniões do presidente dos EUA, Donald Trump, sobre o clima e zombando do clamor internacional durante os devastadores incêndios florestais em 2019, os europeus estão perdendo a confiança nos compromissos do Brasil", afirmam os analistas da Eurasia.

É por isso que vários atores europeus querem transformar o Acordo de Paris em cláusula essencial do tratado comercial, o que permite medidas concretas se houver desvios, como o aumento no desmatamento. O acordo comercial com o Mercosul, cujas negociações começaram há mais de 20 anos, reflete uma ideologia antiga e não deve ser ratificado em sua forma atual, defendem eurodeputados.

Além disso, partidos que já se opunham ao acordo com o Mercosul no Parlamento Europeu, como o Verde, redobraram as críticas depois da divulgação do vídeo de reunião ministerial em que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sugeria aproveitar a pandemia de coronavírus para para aprovar reformas infralegais, incluindo alterações ambientais.

A eurodeputada alemã Anna Cavazzini afirmou que aprovar o acordo elevaria "a pressão sobre a Amazônia e a política de Bolsonaro, que já viola todas as obrigações ambientais previstas no pacto".

Além de regras ambientais vinculantes, parlamentares querem a introdução de novas regras que garantam "cadeias de suprimentos mais transparentes, éticas e livres de desmatamento", certificadas por empresas que operam na Europa.

À oposição no nível da União Europeia se soma a de deputados de três países até agora, nos quais maiorias Legislativas rejeitaram o acordo: na Áustria, na Holanda e na Valônia (região belga de língua francesa).

Para os analistas da Eurasia, outro determinante para as chances do acordo com o Mercosul são "medidas de Bolsonaro que corroem as promessas de clima e meio ambiente do Brasil, como um projeto de reforma agrária apresentado no mês passado, mas posteriormente retirado devido à falta de consenso."

Segundo eles, tais ações, juntamente com um aumento de 55% no desmatamento da Amazônia neste ano e os riscos de incêndios florestais na estação seca, alimentarão a oposição à parceria com o Mercosul.

Os obstáculos do acordo comercial são principalmente políticos, já que os dois lados preveem ganhos econômicos. O pacto daria à UE acesso a um mercado consumidor de 260 milhões de pessoas em economias ainda bastante fechadas, e reduziria em mais de 4 bilhões de euros por ano impostos atualmente pagos pelos exportadores, segundo a consultoria.

A crise do coronavírus pode trazer um apoiador importante, a Alemanha, país mais poderoso da Europa que depende muito das exportações e assume em 1º de julho a presidência rotativa da União Europeia, o que eleva sua já forte influência nas discussões entre os membros.

"A UE também será guiada por seus interesses estratégicos mais amplos. Uma das principais prioridades será coibir a crescente presença da China, principalmente na Argentina e no Brasil", avalia a Eurasia.

Segundo a consultoria, a UE quer concluir o acordo para expandir sua influência na região, em vez de "abandoná-la ao seu participante tradicional, os EUA".

Se tudo fracassar, a UE poderia tentar separar o tratado de livre comércio do acordo mais amplo, o que permitiria ratificá-lo sem precisar dos Legislativos nacionais e regionais, segundo os analistas da Eurasia.

Essa seria uma ação de alto risco político para a UE, pois abriria um flanco para o ataque de populistas, eurocéticos (os que se opõem à participação de seu país na UE), ativistas anticomércio e agricultores que se consideram ameaçados pela concorrência sul-americana.

Por enquanto, avaliam os analistas, a UE tentará ganhar tempo. Quando o texto jurídico estiver finalizado, serão necessários cinco meses para traduzi-lo em todas as 24 línguas oficiais da UE e do Mercosul. As discussões no Conselho não devem começar antes de outubro.

"A esperança entre os muitos defensores europeus do pacto será que Bolsonaro não balance muito o barco nesse meio tempo", diz a Eurasia.