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Um mês após massacre, famílias de Suzano convivem com o luto e a dor

Por Dhiego Maia | Folhapress

Um mês após massacre, famílias de Suzano convivem com o luto e a dor
Foto: Reprodução / 24 Horas News

Toda vez que o relógio marca 13h, os vira-latas Pequeno e Pêti se agitam à espera de seu dono. É a partir desse horário que a dupla se acostumou a ganhar beijos, abraços e banhos.

A hora avança, os latidos ficam mais estridentes e só cessam quando o cansaço vira aviso: Cleiton não vai voltar. A cena se repete nos últimos 30 dias e tem dilacerado o motorista aposentado João Antonio Ribeiro, 61.

João é pai de Cleiton Antonio Ribeiro, 17, um dos cinco alunos mortos no massacre da Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano (SP) (lembre aqui). No atentado, que completa um mês neste sábado (13), também morreram duas funcionárias e o tio de um dos atiradores.

O primeiro mês sem o filho tem sido torturante, diz. "A coisa mais difícil é criar uma nova rotina. Toda vez que ele saía de casa, abaixava a cabeça para receber um beijo. Como tem sido difícil ficar sem isso."

João está só. Marlene, 57, mãe de Cleiton e casada com João há 35 anos, ainda não conseguiu voltar para casa. Refugiou-se na irmã, em Ferraz de Vasconcelos (Grande SP). À sobrinha Rosalina, a dona de casa explicou: "é doloroso voltar porque tudo lá em casa lembra o Cleiton".

João explica que a morte de Cleiton reabriu uma ferida do casal. Sete anos antes de o jovem nascer, a irmã mais velha dele morreu ainda criança devido a uma lesão no cérebro. "Voltamos a ficar sozinhos. Dessa vez é difícil de se conformar porque não foi por doença", afirma o aposentado.

Ele agora tenta voltar a viver com a mulher. "Já tirei todas as fotos dele da parede. Quem sabe assim ela consiga voltar logo para casa."

Quem também se lembra bem de Cleiton é o aposentado Lauro Takechi Umezu, 62. Foi ele quem levou um computador de presente a pedido de sua mulher para o menino, visto por ela como "um prodígio". "Veja só a ironia do destino. Eles agora estão juntos lá no céu olhando por nós."

Lauro, os três filhos e uma neta perderam Marilena Umezu, 59, professora de filosofia e coordenadora da Raul Brasil.

Na casa onde moravam havia apenas três anos, tudo foi planejado pela educadora. "Não mexi em nada. Quero continuar tendo a sensação da presença dela", afirma.

O viúvo também está só em casa. "Eu era ateu e fui convencido a acreditar, a ter fé por ela. E é por ela que vou tentar permanecer firme", diz Lauro.

O aposentado encontra alento na maior novidade entre os Umezus. "Minha segunda netinha vai nascer. Será um conforto enorme", afirma.

Já a aposentada Maria Helena de Melo Oliveira, 71, não consegue nem pronunciar o nome dos assassinos que tiraram a vida de seu "tesouro". "Não tenho pena. Eles acabaram com a minha família."

Maria é mãe de Eliana Regina de Oliveira Xavier, 38, a inspetora da Raul Brasil conhecida como "tia linda" e muito próxima de Marilena.

Eliana estudava pedagogia e era apaixonada por sua função. Desde o término de seu casamento, em 2016, vivia com a mãe, os filhos (um menino de 12 e uma menina de 16 anos), a irmã e a cadela Belinha. Na casa da família, ainda estão espalhados os brincos de Carnaval de Eliana e as apostilas da universidade.

Para enfrentar o luto por Caio, 15, os Oliveiras montaram em seu quarto um memorial. A irmã mais velha, Aline, 20, escreveu na parede trechos de "Eu sei que vou te amar", letra de Tom Jobim. Valéria, 19, chama o irmão de seu "eterno bebê". A cama do garoto continua forrada por uma colcha do Corinthians e, sobre ela, dorme a gata Nina.

Elisangela de Oliveira Cordeiro, 39, mãe do adolescente, ainda se pega chamando o filho para almoçar. "Eu já fiz isso várias vezes. Quando cai a ficha, eu choro muito."

Caio, dizem as irmãs, era leal. Morreu ao lado do amigo Kaio, 15, quando pegava uma autorização na secretaria para virar Jovem Aprendiz. "Eu insisti tanto para ele buscar essa declaração naquele dia. Não quero me culpar por isso", afirma Valéria.

Os demais familiares de vítimas foram procurados, mas não quiseram dar entrevista. Disseram não ter mais condições de falar do massacre.

Camila dos Santos, mãe de Douglas Murilo, 16, tirou a caçula da Raul Brasil. Gercialdo, pai de Samuel Melquiades, 16, tem se dedicado a pregar mensagens de conforto aos jovens. Kelly Limeira, mãe de Kaio Lucas, diz que ainda tenta voltar à rotina. A reportagem não localizou parentes de Jorge Antonio Morais, 51, empresário morto pelo sobrinho Guilherme Taucci, 17.

Todas as famílias, agora, terão que decidir se aceitarão ou não a indenização proposta pelo governo. João diz que encontrou a resposta no bilhete perdido na Bíblia de seu filho, Cleiton, que dizia "paciência".