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Crise dos opioides nos EUA pode piorar tratamento contra dor na América Latina

Por Cláudia Collucci | Folhapress

Crise dos opioides nos EUA pode piorar tratamento contra dor na América Latina
Foto: Marcos Santos / USP Imagens

A epidemia de overdose por consumo de opioides no Estados Unidos pode restringir ainda mais o acesso a esses medicamentos no Brasil e em outros países da América Latina onde a dor já é historicamente subtratada.

O alerta é de especialistas em dor e cuidados paliativos que estiveram reunidos na semana passada em Lima, no Peru, para discutir políticas de cuidados paliativos, que incluem o alívio da dor de doentes graves e sem chances de cura.

"Se o médico do Brasil e da América Latina não tiverem o perfeito conhecimento do emprego adequado dos opioides e do quanto ele é importante não só no final da vida mas em tantas situações clínicas, ele importará o medo, a opiofobia. O impacto pode ser gigantesco", diz João Batista Garcia, presidente da federação latino-americana para o estudo da dor.

Os Estados Unidos registraram no ano passado cerca de 72 mil mortes por overdose de drogas, a maior parte por uso de opioides como heroína, fentanil e oxicodona, entre outros. O número de mortes por overdose aumentou cerca de 10% em relação ao registrado em 2016 -e mais americanos morreram de overdose do que de causas como acidentes de carro e tiros.

Dados da IAHPC (Associação Internacional de Cuidados Paliativos) mostram que o controle da dor no mundo é altamente desigual: os países de alta renda, que representem 15% da população mundial, consomem 94% da morfina disponível. O restante disputa os outros 6%.

"Com tudo o que estamos vendo nos EUA, já é possível que as pessoas pensem que negar medicamento a uma pessoa com dor aguda, que está morrendo, seja uma forma de prevenir o vício. É um perigo", afirma Felícia Marie Knaul, da Universidade de Miami e da Fundação Mexicana para a Saúde.

Segundo ela, políticos e governantes latino-americanos têm medo de ter esses remédios em seus países, sem considerar que, nas mãos de médicos capacitados, são armas valiosas no tratamento e não causam dependência.

"Analisamos o caso dos EUA e encontramos muitos médicos desinformados, prescrições muito mais prolongadas do que deveriam ser. Por exemplo, prescreviam 30 dias [de opioides], quando só precisariam três. As autoridades também demoraram a reconhecer o problema."

Segundo ela, os países latino-americanos estão numa situação oposta. "Temos falta de acesso, muitos pacientes com doenças crônicas ou terminais sentindo muita dor. Nossos países não chegam nem a pedir autorização [a um grupo internacional de controle de narcóticos] para a compra."

Para a médica Tania Pastrana, diretora da Associação Latinoamericana de Cuidados Paliativos, a opiofobia pode piorar a rejeição -muito forte no Brasil e outros países latinos- ao uso de remédios como a morfina.

"As pessoas têm resistência, não querem que o parente tome morfina porque a associam à morte. Os médicos também resistem na prescrição."

A saída, segundo Tania, é a educação dos profissionais da saúde, da comunidade e das autoridades sanitárias.

Na avaliação de Nicolás Dawidowicz, coordenador do Programa Nacional de Cuidados Paliativos da Argentina, o medo não se justifica porque a via de acesso à medicação no Brasil e na América Latina é bem diferente da que existe nos EUA.

"O paciente que tem uma doença grave, como um câncer, busca o serviço de saúde e é medicado por um problema que causa dor. Nos EUA e no Canadá, muitos casos [de dependência] são de pessoas que procuram as clínicas de dor para conseguir uma receita, às vezes, inventam uma dor para conseguir isso."

Segundo ele, mesmo com a crise americana, todos os organismos internacionais regulatórios falam em diminuir barreiras para garantir o acesso aos medicamentos para dor. "É uma situação específica a que acontece nos EUA e Canadá. Tem a ver com abuso de substância e um desvio de tratamento. Não é paciente de cuidado paliativo."