
Saudade de quando arapongas eram apenas aves
por Fernando Duarte

Ah, as arapongas. Aves tão discretas que o nome foi transportado da ficção de Dias Gomes para o imaginário popular com um atrapalhado ex-agente dos serviços de informações do regime militar, vivido nas telas por Tarcísio Meira. Quem dera tivesse ficado nas novelas. As arapongas estão à solta, mesmo que os pássaros estejam ameaçados de extinção. Sabe quem são? Membros da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que fizeram um papelão para a nação ao trabalharem para defender o senador Flávio Bolsonaro no caso das “rachadinhas”.
A denúncia da revista Época deveria ter uma ampla repercussão. Ultrapassa qualquer limite de aparelhamento do estado para fins privados. O senador em questão é filho do presidente da República, Jair Bolsonaro. A Abin é um órgão federal, subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional. Mesmo que o titular da pasta, Augusto Heleno, tenha negado, a própria defesa de Flávio admitiu a existência da apuração. Há ainda quem duvide de interferência estatal em assuntos privados da família presidencial. Não é o meu caso há muito tempo.
O senador, segundo denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro, cometeu quatro crimes: peculato, lavagem de dinheiro, apropriação indébita e organização criminosa. Porém o Estado brasileiro segue sendo subvertido pelo presidente para defender o Zero Um. Isso seria inadmissível em um país normal. No Brasil, tudo não passa de mais um escândalo para a imensa lista envolvendo o clã Bolsonaro, que não existe para os apoiadores deles.
Admito, no entanto, não ter ficado surpreso. Tanto com o uso da Abin quanto a repercussão dada no entorno de quem apoia o governo federal. Não ficaram incomodados e, rapidamente, surgiram cortinas de fumaça para tentar fingir a normalidade que vivemos há alguns anos. O que me incomoda é a falta de barulho por parte de lideranças relevantes na cena política nacional. Houve um silêncio absurdo diante de revelações tão delicadas quanto o uso da inteligência do Estado para fins pessoais. Nenhuma linha ou discurso que valha destaque.
É certo que ninguém mais aguenta entrar nas sucessivas batalhas ideológicas criadas e alimentadas pelo bolsonarismo. Há um cansaço físico e mental que nos leva a manter certo grau de letargia quando nos deparamos com tantas loucuras. E aí normalizamos o absurdo. Achamos que usar a Abin, a Polícia Federal ou qualquer outra instituição federal como o quintal de uma família é algo comum. Cadê os verdadeiros líderes desse país? Calados.
Saudade das arapongas. Não dos espiões que agem “nas entocas” para desestabilizar a institucionalidade do Estado brasileiro. Das aves de canto alto e estridente, que não lembra uma música, mas que deveria nos manter alertas e acordados.
Este texto integra o comentário desta segunda-feira (14) para a RBN Digital, veiculado às 7h e às 12h30, e para a rádio A Tarde FM. O comentário pode ser acompanhado também nas principais plataformas de streaming: Spotify, Deezer, Apple Podcasts, Google Podcasts e TuneIn.
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