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Sem apoio, paratletas bancam a tentativa de realizar sonhos com o próprio bolso

Por Leandro Aragão / Nuno Krause

Sem apoio, paratletas bancam a tentativa de realizar sonhos com o próprio bolso
Nayara Falcão ficou fora das Paralimpíadas | Foto: Reprodução / Instagram

Campeã mundial de paracanoagem em 2017 (lembre aqui), Nayara Falcão ficou fora dos Jogos Paralímpicos de Tóquio 2020. A decepção, contudo, não foi por não conseguir a classificação pelo desempenho numa seletiva, e sim por pura falta de investimento. No ano passado, a pandemia do novo coronavírus provocou o adiamento do evento e da Olimpíada. Na esteira das crises sanitária e financeira, um patrocinador voltou atrás e não renovou o contrato com a atleta. Sem dinheiro para manter os treinamentos em São Bernardo do Campo, a baiana acabou vendo seu sonho de brigar por medalha no Japão se esvair.

 

"Com o cancelamento dos Jogos, o patrocínio privado que tinha surgido para mim, o qual assinaria contrato no dia do meu aniversário, caiu. O patrocinador não manteve diante de todas as incertezas que estavam abalando o mundo todo", afirmou em entrevista ao Bahia Notícias. "Só coube uma única escolha, perceber que eu não tinha mais como continuar. Não tinha mais condições de ficar vivendo de ajuda dos outros, de ficar um ano e meio na incerteza financeira, sem ser reconhecida, sem ser valorizada", completou Nayara.

 

O Brasil é um país que só lembra dos seus atletas nos períodos das Olimpíadas. Se para estes já é difícil, a situação fica ainda pior quando se trata do paradesporto. De acordo com Nayara, a luta mais árdua dos paratletas é no âmbito financeiro: precisam tirar do próprio bolso até para pagar os técnicos na paracanoagem.

 

Na paracanoagem, os únicos atletas que conquistaram vagas antecipadamente foram três: Débora Benevides, na categoria VL2; Luís Carlos Cardoso, na KL1 e VL2; e Caio Ribeiro, na KL3 e VL3. Todos estavam treinando com o mesmo treinador, Akos Angyal. Ele é húngaro que já estava residindo no Brasil. "Os três faziam parte da equipe oficial da seleção brasileira de paracanoagem e pagavam do próprio bolso o trabalho do técnico", falou. "A seleção olímpica de canoagem de Isaquias [Queiroz], Erlon [de Souza] e outros atletas do masculino e feminino de caiaque e as atletas femininas de canoa, todos eram pagos pelo projeto do COB juntamente com a CBCa", comparou.

 

O preenchimento das vagas da paracanoagem para os Jogos Paralímpicos é feito por meio de competições oficiais disputadas no ano anterior, dentre elas o mundial. Para carimbar o passaporte para o Japão, Nayara precisava superar três etapas. A primeira era a escolha do técnico. A segunda era vencer uma seletiva para o mundial. E a terceira era a própria disputa do torneio que reúne os melhores do mundo.

Foto: Divulgação / Tokyo2020

 

Sem conseguir bons resultados, Nayara resolveu trocar de treinador no final de 2019. "Eu só via que esse melhor técnico [Akos Angyal] era justamente o que já tinha colocado três atletas em Tóquio com o seu trabalho. Recebi o convite para fazer um teste com ele e fui", contou.

 

No mês de outubro daquele ano, ela conseguiu uma passagem para São Paulo junto à Superintendência dos Desportos do Estado da Bahia (Sudesb), que também bancou o transporte do seu carro para São Bernardo, cidade onde está localizado um dos centros de treinamento da Confederação Brasileira de Canoagem (CBCa).

 

Nessa época, a baiana fazia parte do Programa Estadual de Incentivo ao Esporte Amador Olímpico e Paraolímpico (FazAtleta), do qual participou entre 2018 e 2019. A iniciativa prevê que os patrocinadores (contribuintes do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS) tenham abatimento fiscal de 80% do valor total do projeto esportivo.

 

"Os valores pagos são muito abaixo para o atleta, que está ali buscando ficar entre os melhores do mundo, que era o meu caso, conseguir manter, minimamente, uma vida tranquila, e ter investimentos para isso. Eu ganhava R$ 2 mil e só tinha dinheiro para pagar o técnico. Mas o atleta precisa de uma equipe multidisciplinar. O atleta mais uma vez mobiliza pessoas, mobiliza profissionais que acreditam e sonham junto com ele", explicou.

 

Para Nayara, essa situação é reflexo da falta de gestão de quem comanda o esporte no país. "Não há uma gestão, uma estrutura para que isso aconteça. Poderia acontecer? Sim, através do Comitê Paralímpico, através da confederação, que percebesse aquele talento e pudesse pensar assim: 'Estamos investindo hoje para amanhã termos esse retorno num mundial, nos Jogos Paralímpicos'".

 

Apesar de aprovada pelo húngaro, Nayara não fazia parte da seleção brasileira de canoagem e, consequentemente, não vivia sob as asas da CBCa. Para isso, contou com a ajuda de amigos para morar de favor em São Paulo e se deslocava para São Bernardo do Campo. "Eu estava lá bancando tudo, inclusive bancando meu próprio carro. É uma inversão total de valores quando você presta atenção. É sempre o atleta que está investindo nele mesmo. O atleta que quer viver um sonho, ainda mais no paradesporto, precisa saber que vai investir não só tempo, não só sua saúde, mas acima de tudo, todo o dinheiro que consegue obter nesse caminho".

Foto: Reprodução / Instagram

 

Mesmo com a escassez de investimento, Nayara continuou lutando e conseguiu bater o tempo da seletiva nacional para o mundial. No entanto, ela não chegou a disputar a última etapa do caminho de Tóquio, pois ficou sem patrocinador com os adiamentos da competição internacional e dos Jogos. Além da baiana, o Brasil também saiu perdendo, já que não levou nenhuma representante da categoria dela, a KL2.

 

"Como é que a confederação e o CPB não perceberam que eu poderia ser uma representante do caiaque? O caiaque da categoria KL2 não teve representante feminina, mas poderia ter e a Bahia também não chegou junto. Se hoje Nayara não conseguiu chegar nas Paralimpíadas, não foi porque não conquistei a vaga. Eu poderia ter ido para o Mundial, poderia ter conquistado sim, mas nem isso eu tive possibilidade, nem isso tive a chance, porque mais uma vez eu só não estou lá, porque não consegui ter dinheiro para continuar investindo em mim", lamentou.

 

SEM PASSAGEM DE BASTÃO
Quem também não está presente nos Jogos Paralímpicos de Tóquio é a nadadora baiana Verônica Almeida, que foi medalha de bronze em Pequim-2008, e até hoje segue competindo. O motivo, porém, foi outro, e mais delicado. Verônica tem a síndrome de Ehlers-Danlos, que afeta principalmente o tecido conjuntivo e não tem cura. Entre os principais sintomas, estão articulações flexíveis, corcunda, pés chatos e pele elástica.

 

Em 2020, ela até chegou a conquistar um dos índices para participar dos Jogos, mas uma lesão na cervical a impediu de disputar o segundo índice. Agora, a nadadora fará uma cirurgia para resolver o problema, e terá de passar por uma "reclassificação" para voltar a participar de competições. 

 

Verônica Almeida foi medalha de bronze também no Parapan de Toronto 2015 (Foto: Daniel Zappe / MPIX / CPB)

 

De qualquer forma, o fato de não ter surgido nenhum nadador baiano depois dela, que, lembrando, está desde 2008 competindo em Olimpíadas, incomoda. "Eu acho que deveriam existir mais políticas públicas, porque a Bahia é um celeiro de campeões. Grande parte das medalhas vêm daqui. O esporte, hoje, é caro. Fazer natação é caro, encontrar uma pista de atletismo é caro. Existe hoje uma bolsa estadual, que dá um suporte, mas não é o suficiente", opinou, em entrevista ao Bahia Notícias. 

 

Atualmente, Salvador possui duas piscinas olímpicas, mas nem sempre foi assim. Após a demolição da Fonte Nova, em 2010, que abrigava a única à época, a capital baiana teve de esperar seis anos para ter um novo equipamento. Em março de 2016, foi inaugurada a piscina olímpica localizada na avenida Mário Leal Ferreira, a Bonocô. A segunda foi entregue em dezembro de 2018 e tem foco no atendimento da população carente. Inclusive, o primeiro baiano medalhista olímpico na natação, Edvaldo "Bala" Valério, é quem coordena o espaço.

 

Por conta disso, Verônica teve de se mudar para Uberlândia (MG) durante o período, para se preparar para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Atualmente, ela treina na Bonocô. A falta de estrutura não é um problema exclusivo da natação, como pontua Nayara. 

 

"Salvador não oferece nenhuma estrutura para a prática desportiva, de lazer para a inclusão e acessibilidade para a pessoa com deficiência. E a paracanoagem aqui piorou. Aqui não tem nada, mesmo após eu ter trilhado ao longo desses anos, ter conquistado mundial na África do Sul e conquistado esse título vindo de uma vaquinha virtual, do fator humano, vindo de pessoas sonhando junto comigo, se mobilizando. Ao longo desses anos, o fator humano foi o que mais me manteve nessa trajetória, nesse caminho de Tóquio. Eu não tinha estrutura alguma, tudo foi conquistado", destacou. 

Foto: Reprodução / Instagram

A paratleta da canoagem também ressalta que só conseguiu patrocínio após a o título mundial. "Se eu não tivesse o mundial, não conseguiria ter expressão", pontuou.

 

Em nota à reportagem do BN, a Superintendência dos Desportos da Bahia (Sudesb) informou que mantém diálogos com os atletas com deficiência, seja paralímpicos ou não.

 

"Nos equipamentos de esporte que têm a gestão da autarquia, temos garantido treino dos atletas paralímpicos, a exemplo da piscina olímpica, onde regulamente temos a presença de Verônica Almeida. Outra política adotada por esta autarquia é por meio dos projetos sociais de iniciação esportiva, seja aqueles executados diretamente ou em parceria com organizações sociais, para promover o esporte inclusivo, contemplando o público com deficiência", diz o comunicado.

 

Nayara e Verônica foram duas das atletas apoiadas pelo programa FazAtleta desde 2014. Além delas, no período, foram quatro: Igor Moreira (jiu-jitsu), Luan Guimarães (canoagem), Marcelo Collet (triatlo) e Leonardo Landim (triatlo). A principal dificuldade é com patrocínio, já que é preciso que haja uma empresa por trás para receber o benefício. 

 

O Bolsa Esporte, por outro lado, contemplou 22 atletas paralímpicos desde 2012. Após o bom desempenho baiano nos Jogos Olímpicos, o governador Rui Costa (PT) anunciou um novo edital do programa para 2021, de R$ 1,2 milhão, tanto para atletas olímpicos quanto paralímpicos. 

 

"São 37 modalidades olímpicas e 21 paralímpicas atendidas pelo edital, além de mais 25 classificadas como modalidades reconhecidas e vinculadas", afirmou à época (lembre aqui)Vicente Neto, diretor-geral da Superintendência dos Desportos do Estado da Bahia (Sudesb), autarquia da Setre, responsável pela gestão do programa em parceria com a Coordenação de Esporte do Estado, que tem como titular Gustavo Miranda.