Usamos cookies para personalizar e melhorar sua experiência em nosso site e aprimorar a oferta de anúncios para você. Visite nossa Política de Cookies para saber mais. Ao clicar em "aceitar" você concorda com o uso que fazemos dos cookies

Marca Bahia Notícias Holofote
Você está em:
/
/
Entrevistas

Entrevista

Técnico do time baiano bimundial no futebol de 5 reclama de falta de apoio da CBDV e imprensa

Por Edimário Duplat

Técnico do time baiano bimundial no futebol de 5 reclama de falta de apoio da CBDV e imprensa
Gerson Coutinho, técnico do Instituto de Cegos da Bahia. Foto: Naya Video Lab
Hexacampeão nacional e Tetra regional, a equipe do Instituto de Cegos da Bahia se prepara para mais uma conquista importante na sua história. Preparando-se para o tricampeonato mundial da modalidade, que será disputado na República Tcheca em junho, o treinador Gerson Coutinho realizou uma entrevista com o Bahia Notícias, onde contou um pouco da história da equipe e das dificuldades em realizar o esporte em solo baiano. Além disso, o técnico contou um pouco da história de Jefinho e criticou a falta de interesse da imprensa pelo esporte. “A própria imprensa só dá brecha quando chega paralímpiadas, de forma bem pontual. Quando chegam com a medalha de ouro eles querem fazer, mas fora isso ninguém lembra.” Leia a entrevista completa.

Como se iniciou o seu trabalho no Futebol de 5?
Bom, eu comecei a trabalhar no Instituto de Cegos em 1983, e na verdade não tínhamos a intenção de formar uma equipe pra chegar a esse nível. Em primeiro lugar porque não tínhamos material, a bola era muito difícil de conseguir, por exemplo. E com isso trabalhávamos com natação e atletismo. Por volta de 20 anos atrás, começamos a fazer algum trabalho com o futebol, mas sem participar de competições. Desse grupo que está agora no auge, temos ainda Selmir e Alex, que são os mais velhos. Naquela época fazíamos apresentações entre nós mesmos e jogávamos em escolas, faculdades que ministravam educação física adaptada, mas tudo sem muita pretensão. Somente em 2003 é que começamos a participar de campeonatos, mas como a associação nacional (ABDC) que organizava não admitia institutos, só associações e sindicatos, nos inscrevemos pela ABC (Associação Baiana de Cegos) e conseguimos garantir vaga na Série A do Futebol de 5. Só que em 2004 estávamos mais envolvidos com o esporte escolar e preferíamos ir para os Jogos Escolares Brasileiros de Deficientes visuais, já que para o Brasileiro não tínhamos nenhum apoio em relação às passagens, por exemplo.

E como aconteceu a entrada do Instituto no Futebol de 5?
Em 2006, já tínhamos outra federação cuidando desse esporte e eles aceitaram a participação do Instituto. Com isso, nos inscrevemos e esse grupo de hoje foi formado desde aquele momento, apesar de que alguns como Jefinho já estavam no time de 2003. Interessante que nesse caso ele foi pela primeira vez com 14 anos e muitas pessoas disseram que era um jogador novo demais para disputar o torneio, mas era eu que decidia e não via problema nisso. Resultado é que ele foi o melhor jogador da competição e hoje é essa assombração que todo mundo elogia. Talvez, se ele não tivesse tido aquela oportunidade, poderia até ter abandonado o esporte.

Você disse que existia uma dificuldade na implementação do Futebol de 5 por conta da questão do material. No período anterior as disputas, como acontecia a prática do esporte?
Já praticávamos o Futebol de 5, mas não trabalhamos em cima das regras oficiais. Por exemplo, existe uma regra onde um marcador precisa avisar ao oponente que vai efetuar a marcação. Outra era a questão das bandas que fazem com que a bola não saia pelas laterais e não tínhamos isso. Nossa quadra é tão pequena que só treinávamos três contra três e o esporte tem quatro na linha e um no gol. Era completamente diferente. Mas gradativamente quando fomos participando dos eventos profissionais, passamos a nos adaptar. Hoje temos um convênio com a Unime que nos cedem à quadra em dimensões oficiais e nos auxiliam com isso. Mas no primeiro campeonato que fomos campeões ainda usávamos nossa velha estrutura ou usávamos uma quadra emprestada para armar melhor o time. Hoje temos um convênio que melhorou nossa situação sensivelmente, e de lá pra cá fomos campeões no acesso em 2006, terceiro lugar em 2007 e 2008 na Série A e de 2009 para cá fomos campeões em todos que participamos.

O Instituto também é campeão mundial da modalidade. Como foram as disputas dos mundiais?
O torneio acontece todo ano na cidade de Bučovice, na Republica Tcheca. Fomos campeões em 2013 e 2014 e esse ano nós vamos participar novamente. A Sudesb já nos cedeu as passagens e vamos já no dia 11 de junho onde faremos uma adaptação em Viena, além de efetuar algumas apresentações e workshops lá, já que a Áustria ainda está começando no Futebol de 5. E de 19 a 22 é o torneio.

Para entrar no Futebol de 5, como funciona o processo de formação de um atleta no esporte.
Veja bem, o senso comum não entende que trabalhamos com as potencialidades. Trabalhamos com cada deficiente visual o que existe de potencial nele. Por exemplo, não vamos conseguir um Jefinho, o nosso grande mérito foi descobrir ele, treiná-lo em cima de seu talento nato. Não vamos criar um Messi.


Treinador Gerson Coutinho e equipe do ICB. Foto: Gabriel Mayr/Divulgação

E como ocorrem os treinamentos?
Toda a parte de fundamentos funciona igual ao futebol convencional. Passes, domínio de bola, chute, jogada ensaidada, tudo é trabalhado da mesma maneira. Mas no futebol de 5 nós oferecemos as condições para que eles se apropriem do objeto. Por isso temos a bola com guizos e os avisos de marcação para que eles não colidam. De resto é tudo feito da forma com os videntes, com ênfase na repetição para transformar os lances de forma automática. Hoje, se você for a um jogo nosso, vai notar que efetuamos uma virada de bola de uma banda a outra de forma tranquila. Então, o fundamento é a parte primordial de todo o treinamento, mas a habilidade é de cada um.

Hoje na Bahia, como está o cenário do Futebol de 5?
Olha, hoje só existe a nossa por aqui. A UBC de Feira de Santana não foi para o regional e parece que acabou. O da Biblioteca Central também, a Associação acabou e o CAP tá parado e sem jogador para o regional. Rogo que voltem por que isso movimenta o cenário e faz com que tenhamos jogos além de treinos.

E em nível nacional e regional, quais são as equipes que se destacam?
Em nível regional, a equipe de Petrolina (APVP) e a da Paraíba (APAR) que tem três jogadores da Seleção Brasileira e rivalizam muito com a gente. Apesar de que hoje somos tetracampeões do nordeste e nessa fase de grupo tivemos jogos duros onde vencemos a APVP por 1 a 0 e na final derrotamos a APAR por 3 a 2. Nacionalmente, a equipe que temos mais rivalidade é a do Rio Grande do Sul, que tem o melhor jogador do mundo hoje, Ricardinho, e contratam jogadores da Argentina e de estados como São Paulo.

Hoje temos Cássio e Jefinho como titulares na Seleção Brasileira. Qual é a relação da equipe com a comissão técnica do Brasil? Existe algum intercâmbio de informações, um trabalho conjunto?
Não existe nada disso. De vez em quando eles querem exigir alguma coisa de nós, mas eu não aceito isso. Na minha opinião, treinar a seleção é a coisa mais fácil do mundo, porque você não faz jogador nenhum e convoca os melhores com todo material e estrutura necessária para efetuar um bom trabalho. Eu quero você treinar um clube, onde falta tudo. Aqui o técnico vai atrás de passagens, de material, de patrocínio, indo além da função de treinar o grupo. Se a seleção viesse dialogar, estaria tudo certo e conversaríamos, mas exigir a forma como temos que treinar não. Um exemplo dessa falta de dialogo é o que aconteceu no regional. Estamos sem bola para treinar e pedi ao coordenador técnico da Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes Visuais (CBDV), na época do Regional, por mais material. Só que chegou ao final do torneio e eles esqueceram o nosso pedido. Nada de bolas novas, velhas, usadas, hoje temos praticamente uma bola para trabalhar.


ICB conquista Mundial de 2013
Foto: Divulgação

Entrando neste foco, quais são as dificuldades enfrentadas pela equipe hoje na prática do esporte?
Olha, especificamente a nossa dificuldade maior é o material, principalmente as bolas. Elas são essenciais e não estamos conseguindo, porque elas não são vendidas e só podem ser adquiridas pela CBDV. Antigamente, elas eram feitas aqui na Fundação de Assistência ao Menor de Feira de Santana, eu tinha a ligação com o local. Era só levar a solicitação em oficio e eu conseguia 30 bolas. Hoje temos apenas três a quatro bolas e isso é muito ruim para os treinos.

E como funciona a relação com a Sudesb?
A Sudesb reconhece o nosso trabalho. Ela selecionou o Futebol de 5 junto com Boxe e Canoagem como um dos três esportes de alto rendimento para fazer um projeto ao Ministério do Esporte. Mas o projeto desandou porque hoje falta dinheiro pra tudo. Ele está pronto, mas falta só o sinal verde. Mas de resto, temos total apoio com passagens e hospedagens com o Mundial e o Brasileiro, além da Bolsa Esporte.

E em relação ao público, o que você sente em termos de receptividade do esporte?
Muito pouca receptividade. A gente fez o Brasileiro da Série A de 2013 aqui na Unime e tivemos até boa presença por conta de muitos estudantes da faculdade e familiares. Mas de resto é muito pouca. Muita gente nem sabe que esse esporte é praticado ou existe. A própria imprensa só dá brecha quando chega paralímpiadas, de forma bem pontual. Quando chegam com a medalha de ouro eles querem fazer, mas fora isso ninguém lembra.

Mas com a chegada dos Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro, o torneio não pode ganhar um reconhecimento mais duradouro no país?
Hoje se fala muito em legado, mas já tivemos os Jogos ParaPan-Americanos também no Rio e não vimos acontecer nada. Vamos ver se com uma competição de nível maior aconteça alguma coisa, mas até agora nada, nenhum patrocínio ou apoio. Espero que isso mude, mas vamos ver o que vai acontecer. 


Foto: Naya Video Lab/Reprodução/Facebook