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Entrevista

Fim da produção automotiva na BA pode acarretar perda de R$ 5 bilhões por ano, aponta SEI-BA - 18/01/2021

Por Ailma Teixeira

Fim da produção automotiva na BA pode acarretar perda de R$ 5 bilhões por ano, aponta SEI-BA - 18/01/2021
Armando Castro | Foto: Acervo Pessoal

Responsável por alimentar o governo estadual com informações que contribuam para o planejamento das ações públicas, a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI-BA) ressalta que vinha analisando os impactos da saída da Ford do Brasil mesmo antes da empresa anunciar a medida na última segunda-feira (11). Em 2019, eles produziram um relatório, estimando os desdobramentos desse eventual fechamento na economia do estado, já que uma das fábricas da montadora fica em Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador (RMS).

 

“A produção da indústria automotiva na Bahia representa 2,1% de todo valor bruto da produção do estado e emprega, segundo a Rais [Relação Anual de Informações Sociais], 8 mil trabalhadores. Utilizamos a matriz insumo-produto para estimar os impactos e os resultados mostram que eliminação de todo o setor tem potencial para reduzir a riqueza gerada no estado, o Valor Adicionado, em 2% ao ano, algo em torno de R$ 5 bilhões. Em termos de emprego, as estimativas divergem a depender do método empregado variando entre 21 mil e 60 mil empregos encerrados em diversos setores da economia baiana”, estima a SEI-BA, representada pelo diretor de Indicadores e Estatística, Armando Castro, em entrevista ao Bahia Notícias.

 

A superintendência aponta que, somado a esse problema, o panorama da economia baiana já não se encontra em um de seus melhores momentos diante da retração das atividades produtivas e dos postos de emprego. Com isso, a avaliação geral é de que "o ritmo de qualquer recuperação do emprego e da renda se encontra incerto". "Nesse contexto, o segmento automotivo baiano já vinha dispondo de uma dinâmica com mais desligamentos do que admissões nos últimos anos - sinalizando, assim, dificuldades em empreender um ritmo de recomposição", pontua Castro.

 

Ao falar com o BN por e-mail, ele ainda abordou o impacto do fim do auxílio emergencial em meio à segunda onda da Covid-19 e a relevância da parceria comercial com a China e outros países asiáticos no atual cenário de crise.

 

Com a saída da Ford do Brasil, o governador Rui Costa disse que já busca alternativas para substituir a fábrica em Camaçari. A informação ainda é muito recente, mas a SEI, enquanto órgão responsável por estudos, e ligado ao Executivo, já tem agenda com outros entes para discutir o assunto? Qual o papel da superintendência em situações como essa?

A SEI tem produzido informações sobre possíveis impactos da saída da Ford desde que esse assunto veio à pauta. Em 2019, produzimos um relatório com base na matriz insumo produto do Estado, estimando desdobramentos em termos de produto e emprego na economia baiana considerando a saída do setor automotivo de nossa estrutura produtiva. Nosso papel é subsidiar o governo com informações e estudos que ajudem o planejamento das ações públicas e na tomada de decisão.

 

A Fieb sugeriu que a Tesla, empresa automotiva e de armazenamento de energia, poderia ser uma alternativa para ocupar o parque fabril. Na avaliação da SEI, quais são as opções viáveis neste momento?

A sugestão da Fieb é muito pertinente, pois os carros com motor à combustão estão com os dias contados. No Reino Unido, por exemplo, serão proibidos de serem adquiridos em 2030 e os carros elétricos já representam 7% da nova frota e os híbridos 25%. Na Noruega e em regiões da França já em 2025 não poderão ser comercializados automóveis à gasolina ou diesel. A China selecionou uma ilha com 9 milhões de habitantes chamada Hainan para substituir toda frota de veículos em circulação até 2030 por carros movidos a energia eólica ou solar. Se funcionar, reproduzirão o modelo em todo país. Qualquer grande investimento de longo prazo no setor automotivo deve levar em conta a transição tecnológica, e, hoje, a Tesla está à frente na produção de carros elétricos. Evidente que ainda há uma estrada no sentido de plena viabilidade econômica, porém, é uma realidade irreversível. Algumas montadoras tradicionais também já estão produzindo carros elétricos ao redor do mundo. Claro que o mercado na América Latina é bem diferente do europeu ou do chinês e se conseguirmos atrair uma montadora de qualquer natureza será uma grande vitória.

 

A Confederação Nacional da Indústria (CNI), por exemplo, já pressiona para que os governos federal, estaduais e municipais atuem para reduzir o Custo Brasil. Seria essa uma das soluções para evitar que outras grandes empresas sigam os passos da Ford?

Essa é uma pauta importante do setor industrial, porém requer uma análise mais aprofundada para cada caso específico, pois o outro lado da moeda da renúncia fiscal é o impacto sobre o orçamento público e as consequências em termos de realização de políticas públicas. Alguns negócios necessitam, sim, de redução de impostos para se tornarem economicamente viáveis e outros buscarão localidades que ofereçam tais vantagens. Porém, a decisão da Ford está mais relacionada com estratégias globais e mau desempenho de seus produtos. Notem que, enquanto lamentamos os empregos perdidos na Bahia, as ações da Ford disparam. 

 

Em relação aos prejuízos, o Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari estima que a fábrica gere 12 mil empregos diretos e mais 60 mil indiretos. A SEI reconhece esses números? Qual deve ser o prejuízo em termos de empregos perdidos com o fechamento da montadora?

A produção da indústria automotiva na Bahia representa 2,1% de todo valor bruto da produção do estado e emprega, segundo a Rais [Relação Anual de Informações Sociais], 8 mil trabalhadores. Utilizamos a matriz insumo-produto para estimar os impactos e os resultados mostram que eliminação de todo o setor tem potencial para reduzir a riqueza gerada no estado, o Valor Adicionado, em 2% ao ano, algo em torno de R$ 5 bilhões. Em termos de emprego, as estimativas divergem a depender do método empregado variando entre 21 mil e 60 mil empregos encerrados em diversos setores da economia baiana. Isso ocorre porque a cadeia de suprimentos envolve setores importantes em nossa economia como metalurgia, plástico, borracha e química, setores estes que também apresentam suas relações próprias com outros segmentos.

 

Manifestação de funcionários da Ford em frente à fábrica de Camaçari | Foto: Reprodução/ STIM Camaçari

 

Quanto ao quadro geral do desemprego na Bahia, o IBGE apontou no final do ano passado que a taxa de desocupação no estado era de 19,8%, índice mais alto desde maio. Qual a estimativa da SEI para o ano de 2021? Há sinais de recuperação?

A economia local se encontra em um dos seus momentos mais delicados, marcada por retração das atividades produtivas e do emprego. Assim, com o problema sanitário ainda na expectativa de uma solução definitiva e um cenário permeado por imprevisibilidades, não há outra compreensão senão a de que o ritmo de qualquer recuperação do emprego e da renda se encontra incerto nesse instante – até porque, normalmente, o mercado de trabalho se constitui num dos últimos pilares a efetivar uma recuperação. Os números mais recentes revelados pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) superaram, até mesmo, as expectativas mais otimistas (agosto: +8.219 novos postos; setembro: +17.121 postos; outubro: +15.169 postos; novembro: +13.881 postos). Ainda assim, até novembro, o saldo acumulado do ano apontou uma perda líquida de 5.177 vínculos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho.

 

A contração no mercado de trabalho formal baiano ao longo deste ano se limitou a dois estratos setoriais, já que houve geração líquida em três deles. Os Serviços e a Indústria geral foram os que exibiram dispensa líquida de trabalhadores no citado intervalo na Bahia, com a eliminação de 12.626 e 2.431 postos, respectivamente. Como se pode observar, os trabalhadores do setor de Serviços foram os que mais sofreram os impactos da crise. Por outro lado, os resultados mais proeminentes foram observados, por ordem decrescente, nas seguintes categorias: Agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura (+4.544 postos), Construção (+3.112 postos) e Comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas (+2.603 postos).

 

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), com base em seus resultados mais recentes, revelou uma realidade laboral muito debilitada no estado. A desocupação, por exemplo, atingiu 20,7% da população na força de trabalho no terceiro trimestre. Tal fração representou a maior taxa trimestral de desocupação desde o começo da pesquisa. Além do mais, entre as unidades federativas, a Bahia exibiu a taxa mais elevada – fato repetido pela sexta vez em sequência. A mencionada taxa subiu pela terceira vez consecutiva e acumulou uma alta de 4,3 pontos percentuais ao longo deste ano. Essa guinada altista resulta dos efeitos devastadores da crise do novo coronavírus no Brasil e no mundo. Dessa forma, no contexto atual, toda a perspectiva de reabilitação nutrida até final do ano passado deixou de ter sentido.

 

Nesse contexto, o segmento automotivo baiano já vinha dispondo de uma dinâmica com mais desligamentos do que admissões nos últimos anos – sinalizando, assim, dificuldades em empreender um ritmo de recomposição. Conforme o Caged, os saldos de postos de trabalho deste ramo industrial indicaram perdas de 256 e 598 vagas nos anos de 2019 e 2020, respectivamente. O estoque de empregos formais no segmento automotivo, por exemplo, segundo a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), apresentou em 2019 (último ano com dados disponíveis pela RAIS) o menor quantitativo do período de 2006 a 2019, um montante de 8.200 empregos formais - volume abaixo do registrado em 2013, quando se dispôs do maior nível e foram registrados 10.604 vínculos formais de trabalho. Cabe destacar também que, em termos proporcionais, em 2019, a porção de empregos formais alocados no segmento automotivo foi a menor da série analisada, registrando menos que 0,4% naquela ocasião.

 

Não faltam previsões de que as economias do Norte e do Nordeste serão as mais afetadas com o fim do auxílio emergencial. Qual o cenário da Bahia especificamente no panorama em que a segunda onda da pandemia já é realidade e os índices de desemprego seguem altos?

O fim do auxílio emergencial impactará significativamente na vida da população, pois ainda temos atividades com restrições de funcionamento e setores parados, como o de eventos. O valor que deixa de ser transferido chega a corresponder a 25% do PIB de determinados municípios baianos. A taxa de desemprego cresceu como prevíamos durante o processo de reabertura de algumas atividades. Isso é explicado porque o volume de pessoas que voltaram a procurar emprego supera as vagas nessa abertura. Muitas empresas não sobreviveram e o processo de recuperação está condicionado à eficiência e ao tempo de vacinação da população. Com a total falta de planejamento do governo federal, aliada a um descaso explícito para com a Covid, é possível que o processo de recuperação econômica em curso se dê de forma lenta. Aqui na Bahia, o governo estadual já preparou 5 mil salas de vacina nos 417 municípios, contando com 50 mil profissionais de saúde e distribuição de mais de 10 milhões de seringas e agulhas e lançou um plano que prevê 5 milhões de vacinados até maio. Precisamos torcer pra o governo federal não atrapalhar mais.

 

Vocês publicaram uma nota essa semana sobre a liderança da Ásia nas exportações do estado, informando que o índice ficou acima do esperado em 2020 com uma queda de 4,2% ante a retração de 7% no âmbito nacional. Como as parcerias com países do continente, em especial a China, podem ajudar na recuperação econômica da Bahia?

A China apresenta uma importância enorme como principal parceiro econômico do Brasil. A Bahia exportou U$ 2,5 bilhões para China em 2020, com soja, químicos, minérios e algodão dentre os principais produtos exportados. Nosso saldo comercial com eles é positivo em U$ 1,6 bilhão.  Enquanto a economia global decresceu em 2020, a China cresceu 1,8%. A previsão para 2021 é de crescimento da economia chinesa em 8%. Temos investimento chinês no Nordeste inclusive em áreas de alta tecnologia, alvo de disputas geopolíticas. A ambiciosa estratégia de desenvolvimento chinês impulsionará seus parceiros comerciais com potencial de complementaridade das cadeias produtivas. Um parceiro como este deve ser priorizado numa estratégia de atração de investimentos, ainda mais com a Europa e EUA patinando na recuperação econômica. Consideramos uma estratégia importante a iniciativa do governador em buscar investimento automotivo ou de outros segmentos industriais na China, Índia, Coréia do Sul e Japão.

 

Além disso, principalmente em Salvador, que é uma cidade de serviços, há os impactos das restrições de eventos. A prefeitura cogita um Carnaval em julho, mas o cenário é totalmente incerto e o secretário de Turismo do estado até já ressaltou que não vê possibilidade de realização de Carnaval nem São João neste ano. O que tem sido feito ou deve ser feito para atenuar essas perdas em mais um ano?

É um risco afirmar que teremos Carnaval em julho. A realização de qualquer festa depende do calendário de vacinação e pelo plano nacional não há data ainda para as pessoas com menos de 60 sem comorbidades. São 120 milhões de pessoas sem data de vacinação. Tanto o Carnaval quanto o São João são eventos que atraem pessoas do mundo todo e resto do Brasil, portanto mesmo fazendo bem nosso papel, dependemos do sucesso dos demais entes federativos no processo de vacinação. A melhor política neste momento para planejamento de festas importantes para nossa economia é a vacinação, e como dito anteriormente a Bahia está organizada e preparada para isso.