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Entrevista

Mauro Ricardo Costa garante que mudanças no IPTU não significam aumento do imposto - 09/09/2013

Por Rodrigo Aguiar / Sandro Freitas / Bárbara Affonso

Mauro Ricardo Costa garante que mudanças no IPTU não significam aumento do imposto - 09/09/2013
Fotos: Sandro Freitas e Rodrigo Aguiar / Bahia Notícias

Ao detalhar as mudanças no cálculo do IPTU em Salvador, o secretário municipal da Fazenda, Mauro Ricardo Costa, assegura que a medida não quebra a promessa de campanha do prefeito ACM Neto, de não aumentar impostos na cidade. “O que nós fizemos foi uma justiça fiscal. Não atualizar a planta é um descumprimento à legislação estabelecida. Além disso, há uma obrigação legal de o prefeito fazer a atualização destes valores e encaminhar no primeiro ano de mandato. Não fazer também seria uma prevaricação”, alegou ao Bahia Notícias. O gestor declarou ainda que não considera o acréscimo na cobrança, de "no máximo 25%", significativo para a classe média. “É um projeto Robin Hood, que reequilibra as forças tributárias do Município”, batizou. Na entrevista, Mauro Ricardo explica como foi calculado o valor venal dos imóveis na cidade, informa que foram estabelecidas travas para reduzir a cobrança e critica a utilização de créditos tributários para fazer desapropriações. "Não tem jeito de você receber amigavelmente o crédito tributário que não seja superfaturando", cutucou. Ex-titular de Finanças na prefeitura de São Paulo, Mauro Ricardo credita à experiência anterior a facilidade de lidar com as contas da capital baiana. “Em todos os locais pelos quais passei, as minhas contas foram sempre aprovadas. A expectativa é que ocorra da mesma forma aqui”, estimou. Para isso, o secretário pretende, a partir da mudança na tributação, “segurar um pouco” as despesas com pessoal. “Não que a gente queira diminuir o número de pessoal, mas ampliar a receita. Eu acho que o orçamento do ano que vem ultrapassará a casa dos R$ 5 bilhões”, vislumbrou.

Bahia Notícias – O senhor já está há oito meses à frente da Secretaria Municipal da Fazenda. Que situação encontrou, o que mudou e qual é a situação atual da prefeitura?

Mauro Ricardo Costa – A cidade estava em desordem. O que precisa ser feito, e o que nós estamos fazendo ao longo desses oito meses, é um choque de ordem na cidade: ordem nas finanças públicas, ordem na saúde, ordem na educação, na assistência social, no cuidar na cidade. Nós encontramos a cidade muito desordenada. Sob o aspecto financeiro, com dívidas de R$ 3,5 bilhões. Dessas dívidas, em torno de R$ 560 milhões já vencidas e não pagas, sem a disponibilidade financeira para honrar estes compromissos. Uma cidade com um orçamento de R$ 4 bilhões, superestimado de receitas e subestimado de despesas; o que levou à necessidade de um grande contingenciamento – em torno de R$ 500 milhões – logo no início do ano. O nosso grande desafio é botar ordem nisso. E foi isso que fizemos ao longo desses oito meses. O orçamento atual da prefeitura, em torno de R$ 4 bilhões, é insuficiente para você atender a todas as demandas da cidade. Isso está claro. Basta olhar a cidade e verificar se é possível tratá-la com esse orçamento. 
 
BN – Recentemente, o senhor anunciou que tirou a cidade do Cadastro Único de Convênios (Cauc) e que a cidade já pode pegar recursos federais. O prefeito ACM Neto também fez uma reunião, na última semana, onde anunciou que é hora de fazer obra na cidade porque já se tem dinheiro em caixa. Como foi essa reunião? A prefeitura tem, mesmo, dinheiro em caixa?
 
MRC – Tem, porque nós, ao longo desses oito meses, fizemos a licitação e vendemos a folha de pagamento da prefeitura. Foram R$ 126 milhões que ingressaram logo no mês de fevereiro. Todas essas medidas, que estamos adotando até agora, nos deram uma disponibilidade de caixa de mais de R$ 100 milhões, que estão sendo aplicados em várias áreas: saúde, educação, assistência social, operações de recapeamento – São Pedro que não tem nos ajudado muito. Se ajudasse mais, nós teríamos avançado muito mais nas obras de infraestrutura da cidade do que efetivamente estamos podendo fazer. Então, tem recurso hoje para fazer os investimentos básicos que a cidade necessita. Inclusive, fizemos o reajuste dos servidores públicos. O projeto que foi enviado recentemente para a Câmara, concedendo reajuste salarial, é basicamente a recuperação das perdas oriundas da inflação. Nós estamos conseguindo dar ordem às finanças do Município. Com os projetos que foram aprovados, da reforma tributária um, e a parte dois, agora, relativa ao IPTU, estamos dando inúmeros instrumentos para que a gente possa alavancar significativamente as receitas da cidade. No ano que vem, certamente, nós teremos um orçamento bem maior que os R$ 4 bilhões que estão sendo hoje executados pela prefeitura. Eu acho que o orçamento do ano que vem ultrapassará a casa dos R$ 5 bilhões.
 
BN – No começo do ano, a organização McKinsey foi contratada para fazer uma auditoria na prefeitura. O que foi encontrado?
 
MRC – A McKinsey não foi contratada para fazer uma auditoria. Ela foi contratada para fazer uma consultoria e aportar metodologia para a construção do planejamento estratégico da cidade, definindo para onde ela deve ir nas áreas de educação, de saúde, quais são os projetos estratégicos, as iniciativas que precisam ser implantadas ao longo destes quatro anos de governo. Isso vai estar expresso já – o primeiro resultado disso – no PPA [Plano Plurianual Participativo], que vai ser entregue à Câmara Municipal, e no planejamento estratégico da prefeitura. Neste planejamento estratégico, que está em fase final de elaboração, vão ter objetivos, metas, projetos e atividades consignados ao documento que já foi aprovado e discutido com os secretários. Teremos metas para todas as áreas de governo. Isso vai facilitar significativamente a gestão da prefeitura. O prefeito vai poder pactuar com os secretários essas metas e acompanhar efetivamente a execução. Vai ter um painel de controle em relação a cada área com o que deve ser feito, em que prazo deve ser feito e, a partir daí, facilitar a gestão, tanto do secretário quanto do prefeito cobrando dos secretários a implementação dessas metas. 

BN – Na época em que começaram as investigações sobre o processo de desapropriação do Parque das Dunas, no Abaeté, o prefeito deu entrevistas falando em “máfia das transcons”. A quê o prefeito estava se referindo naquela época? Foi encontrada alguma coisa?
 
MRC – Ao que se refere às dunas do Abaeté, nós fizemos uma auditoria da Secretaria da Fazenda com a participação da procuradoria, da área de administração tributária e da própria Sucom [Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo]. Construímos um grupo de trabalho com pessoas de diferentes formações e características, de modo que a gente pudesse analisar como se deu o processo de desapropriação amigável nessas áreas, o que gerou para a prefeitura um débito da ordem de R$ 340 milhões. Analisamos todos os processos individualmente – são processos muito semelhantes, porque todos os processos tiveram o mesmo procurador para tratar do assunto junto à prefeitura. Verificamos que havia diversas irregularidades nestes processos.
 
BN – O nome do procurador pode ser revelado?
 
MRC – É uma empresa. Acho que era Vértice, se não me falha a memória. A mesma empresa contratada para cuidar da desapropriação. Foram diversos proprietários sob um procurador, para que ele pudesse tratar desse assunto de forma muito semelhante. Eu diria que a irregularidade mais grave é o superfaturamento das áreas ou a supervalorização das áreas desapropriadas. Elas foram desapropriadas usando uma avaliação emprestada. Ou seja, não foi feita uma avaliação específica da área a ser desapropriada. Pegou-se uma avaliação de outra área, que não pertence à área das dunas, distante e extremamente valorizada. Então, as áreas foram desapropriadas com valores de R$ 230 o metro quadrado.
 
BN – E isso valeria quanto?
 
MRC – Se formos considerar os valores declarados de transação imobiliária, inclusive em duas áreas específicas que foram desapropriadas, elas foram adquiridas, um ano antes, por R$ 0,10 o metro quadrado e desapropriadas pela prefeitura por R$ 230 o metro quadrado. Então, há coisas bem interessantes dentro do processo. Nós também solicitamos à Caixa Econômica Federal que fizesse uma reavaliação das áreas, hoje. A Caixa avaliou todas as áreas e chegou a um valor em torno de R$ 100, hoje, o metro quadrado daquelas áreas. É um processo que está eivado de indícios de irregularidades. Que não passou, por exemplo, pela área jurídica da prefeitura, apesar de em alguns casos ter despachos nesse sentido, de que fosse ouvida a área jurídica ou de que fosse feita uma avaliação específica da área, por exemplo, que foram desconsiderados. Há despachos, dentro destes processos, desconsiderados, que poderiam evitar que fatos dessa natureza acontecessem. Nós – a auditoria – identificamos isso tudo, submetemos o processo à procuradoria, que ratificou as conclusões apresentadas e, então, submetemos ao prefeito, que solicitou que fossem ouvidos os desapropriados. Nós estamos hoje nesta nessa fase: foi dada a eles [desapropriados] a oportunidade de se manifestar em cima desse relatório de auditoria, para que a gente possa, a partir desta manifestação, tomar uma decisão em relação às áreas. A não ser que aconteça um fato novo, inusitado, que a gente não teve conhecimento no momento da auditoria. Fora isso, caminha-se hoje para tornar nulos esses atos de desapropriação, caso eles não tenham uma justificativa plausível para tudo isso que acabei de citar.
 
 
BN – Na gestão passada, houve críticas de diversos setores de que o empresariado, em Salvador, conseguia lucrar, mas não dava retorno à prefeitura. Os empresários dão retorno do que eles ganham à prefeitura?
 
MRC – O dever do empresário é pagar os impostos correspondentes. Logicamente, a prefeitura não pode exigir nada além do pagamento dos impostos. O que nós tínhamos aqui era uma situação em que muitos deles não estavam pagando o que deviam à prefeitura, através de vários subterfúgios para a sonegação ou inadimplência de tributos, usando o Judiciário para postergar o pagamento de tributos. O projeto de reforma tributária nos deu vários instrumentos para agir em cima dessas pessoas, e isso possibilitou que nós aumentássemos a arrecadação já este ano, tanto do Imposto Sobre a Transição Intervivos [ITIV] quanto do ISS [Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza], o que tem permitido que a gente possa, por exemplo, disponibilizar esses mais de R$ 100 milhões, além dos R$ 120 milhões que foram disponibilizados inicialmente, com a alienação da folha de pagamento, para aplicar na cidade. Corrigir essas falhas que estão presentes e que vemos no dia a dia da cidade.
 
BN – A Reforma Tributária aprovada pela Câmara Municipal saiu do jeito que o senhor queria ou houve insatisfação em relação a alguma emenda?
 
MRC – Acho que ela foi aperfeiçoada pela Câmara. O Executivo não é o dono do saber. O saber é compartilhado. A Câmara representa a população de Salvador. Então, submeter à Casa é sempre um processo salutar, no momento em que aperfeiçoa. Logicamente, algumas emendas eram incabíveis. Com relação a essas, mostramos a inviabilidade. O que foi aprovado foi algo acordado com a prefeitura.
 
BN – Mas, dentro da reforma, tinha a cobrança de ISS a incorporadoras. O prefeito tinha colocado, disse que o senhor acordou isso com ele, e depois decidiu tirar. Isso saiu a contragosto do senhor?
 
MRC – Não. Foi um processo de discussão e de amadurecimento. Quando eu propus isso ao prefeito, fizemos sabendo que havia questionamentos jurídicos em relação àquela medida. A prefeitura já tinha deixado de tributar isso há algum tempo. Mas, achei que naquele momento valia o embate jurídico para a gente tentar recuperar uma tese que estava sendo perdida junto aos tribunais de Justiça, de tributação do ISS nas incorporações imobiliárias. Ocorre que, na discussão do projeto na Câmara, analisamos melhor e concluímos que não valia a pena judicializar isso. Nos curvamos aos argumentos apresentados. E era um embate que não geraria receita imediata. Era algo que poderia gerar receita a médio e longo prazo, revertendo decisões judiciais contrárias à tributação. Achamos melhor retirar do projeto, salvando outras questões mais relevantes e que gerariam receita a curto prazo para a prefeitura. A Câmara concordou, em outro momento discordou. Em virtude disso, o prefeito vetou e, posteriormente, a Casa ratificou o veto.
 

 
BN – As alterações no Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) foram aprovadas na Câmara. O líder da oposição, vereador Gilmar Santiago (PT), chegou a pedir que o senhor fosse ao plenário para falar sobre as mudanças, por temer que a população mais pobre fosse onerada. Como o senhor avalia essa postura?
 
MRC – Primeiro, é um dever do secretário comparecer à Câmara para dar explicações sobre os atos praticados no exercício do cargo. Jamais me negarei a comparecer à Câmara. Aliás, talvez tenha sido um dos secretários que mais foi à Câmara nesses oito meses. Só a audiências públicas sobre a Reforma Tributária eu fui a três. Meu adjunto foi a mais duas. Estou lá sempre, apresentando os resultados fiscais. É algo natural para mim e um dever dar explicações, em especial sobre projetos dessa natureza. Em relação a beneficiar o grande, muito pelo contrário. O projeto beneficia a pessoa de menor renda, porque ele dá isenção a imóveis de até R$ 100 mil. É algo espetacular! Hoje, a isenção do IPTU atinge 140 mil pessoas e nós acreditamos que vai passar para 500 mil pessoas após o recadastramento. É um projeto Robin Hood, que reequilibra as forças tributárias do Município. 
 
BN – Mas o alvo do Robin Hood tem motivo para estar insatisfeito? 
 
MRC – Ninguém gosta de pagar mais, mas é justo que o faça. O IPTU leva em consideração a capacidade contributiva, porque tem que cobrar mais de quem tem um imóvel melhor. Quem tem um imóvel melhor tem maior renda do que aquele que tem um imóvel pior. É um imposto que está diretamente vinculado à renda das pessoas. A gente imagina que vai ter um universo de 500 mil imóveis. Um milhão de imóveis estão registrados na prefeitura. Cinquenta por cento deles são isentos e os outros 50% pagarão pouco. Estamos falando de um crescimento médio no imóvel residencial, descontada a inflação, de 8%. Não será significativo para a classe média. O máximo de aumento é 35%. Porém, os imóveis cadastrados terão 10% de desconto. Então, como o cadastramento é obrigatório, já baixa para 25%. Então, os imóveis residenciais terão o máximo de 25% de acréscimo. Quanto vai crescer? Na média, 15%. Muitos terão crescimentos menores que os 25%. Se você descontar daí a inflação – porque o IPTU já cresce de acordo com o crescimento do IPCA [Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo], que teria em qualquer situação –, o aumento real é de 8%.
 
BN – Então, esse aumento real não vai entrar?
 
MRC – É como se eu dissesse o seguinte: vou corrigir pelo IPCA, mais 8% de aumento real para os imóveis residenciais. Em média. Porque o valor venal dos imóveis está completamente desatualizado. 
 
BN – Tem o exemplo de imóvel que vale hoje R$ 5 milhões e paga como se valesse R$ 720 mil? 
 
MRC – Sim. E existem imóveis de valores de mercado semelhantes que pagam IPTU diferentes, porque a Planta Genérica de Valores – é dela que se extrai o valor venal do imóvel – é de 1994. A última atualização geral da planta foi feita em 1994. Houve algumas atualizações pontuais, que ocorreram em três anos – 1999, 2000 e 2007 – mas foram avaliações de determinadas áreas da cidade. Não como estamos fazendo. Por isso está havendo um ajuste da Planta Genérica de Valores: para tornar o IPTU mais justo. O IPTU hoje é injusto. Há pessoas que deveriam estar pagando menos e estão pagando mais e outras que deveriam estar pagando mais e estão pagando menos. O ajuste vai propiciar à prefeitura R$ 480 milhões de reais a mais em relação ao que arrecada hoje.  É mais do que dobrar, porque a gente arrecada R$ 270 milhões. É algo significativo. Desses R$ 480 milhões a mais, você de cara tem que dar 25% para Educação. Então, são R$ 120 milhões a mais para Educação. De cara, você tem que dar no mínimo 15% para Saúde: são R$ 72 milhões a mais para Saúde. Quanto sobra? R$ 288 milhões. Olha o quanto dá para fazer de coisa com esse valor. Isso vai se reverter para benefício das pessoas, principalmente daquela população que vai ter isenção.
 
 
BN – Como é feita a atualização do valor venal?
 
MRC – Você pega o metro quadrado da construção e o metro quadrado do terreno. O segredo é descobrir o metro quadrado da construção e do terreno por cada logradouro na cidade. Você começa a construir o valor, primeiramente, do metro quadrado da construção. Como base de cálculo, são usadas as informações do Sinduscon [Sindicato da Indústria da Construção] atualizadas pela Associação dos Engenheiros da Bahia. A partir daí, fomos construindo isso pelas diversas regiões da cidade; valorizando ou desvalorizando o metro quadrado da construção em virtude da renda da população. Nós pegamos a cidade, dividimos em três zonas e classificamos essas zonas de acordo com os dados de renda do IBGE. Naquela região onde há pessoas mais carentes, nós fizemos redução de até 30% do valor do metro quadrado da construção. E à região mais rica da cidade nós demos uma valorização de 10%. Então, valorizamos 10% e chegamos a desvalorizar até 30%, para que a gente pudesse ter um metro quadrado de construção aderente à renda ou à capacidade contributiva das pessoas.
 
BN – Há um risco grande de distorção, já que se pode ter, pela configuração da cidade, uma área nobre muito próxima de uma região com moradias modestas?
 
MRC – Vou explicar melhor, tudo. Afinal de contas, quando você está fazendo avaliação em massa, você pode eventualmente errar em alguma coisa. Identificamos o metro quadrado da construção, porque o metro quadrado da construção na Barra deve ser diferente de outra região, mais pobre, da cidade. Depois, partimos para identificar o metro quadrado do terreno. Pegamos as transações informadas à prefeitura para o pagamento do imposto do ITIV – são 85 mil transações – e desconsideramos aquelas que claramente estavam declaradas de forma inadequada, para pagar menos ITIV. Então, pegamos em torno de 40 mil transações imobiliárias, projetamos no mapa e verificamos que elas de fato representavam bem toda a cidade de Salvador. Começamos a trabalhar com este valor de metro quadrado de terreno. Depois, levamos este metro quadrado de terreno para cada logradouro, identificando suas características. Ele é desvalorizado em até 85%, dependendo das características – se ele tem água, se tem esgoto, se tem iluminação, pelo tamanho da rua, o calçamento. E depois fomos aos imóveis para verificar também as características – se é de esquina, se é de frente, se tem o pé direito alto ou baixo, se tem pia, se tem piscina – para poder chegar a um valor adequado de valor venal. Como ia aumentar muito o IPTU se tributássemos em cima deste valor venal encontrado, estabelecemos travas de forma que onerasse menos as pessoas que têm imóvel habitacional. Fizemos um redutor de 20% para evitar equívocos na avaliação, de uma forma que a gente sempre tenha o valor venal inferior ao valor de mercado. Essa foi a premissa estabelecida. Em uma avaliação coletiva não tem como você buscar um valor de mercado. Você não vai encontrar um valor venal de IPTU que seja acima do valor de mercado. Sempre encontrará abaixo.
 
BN – Adversários políticos do prefeito ACM Neto reclamam que ele teria descumprido uma promessa de campanha, de que não haveria aumento de impostos, fazendo essa alteração no IPTU.
 
MRC – Na realidade, nós não aumentamos imposto. O que nós fizemos foi um ajuste na Planta Genérica de Valores, que estava desatualizada. E era algo injusto, ter terrenos que valem a mesma coisa, uns pagando tributos sobre R$ 7 [o metro quadrado] e outros pagando sobre R$ 100, sobre R$ 500. Isso se chama injustiça fiscal. O que nós fizemos foi uma justiça fiscal. Inclusive, ampliamos drasticamente as isenções para aquela população de baixa renda.
 
BN – Mas, na prática, acaba subindo um pouco o valor para uma parte da população...
 
MRC – Porque não estavam pagando o que era devido. É diferente. A legislação estabelece que o valor venal é o valor do bem vendido à vista em condições normais de mercado. Não atualizar a planta, o que estava acontecendo, é um descumprimento à legislação estabelecida. Além disso, havia também – e há – uma obrigação legal de o prefeito fazer a atualização destes valores e encaminhar no primeiro ano de mandato ou quando necessário. Não fazer também seria uma prevaricação. O imposto não estava sendo cobrado de uma forma adequada. Aliás, há uma consciência geral sobre isso. Você conversa com as pessoas e elas sabem que de fato estão pagando bem menos do que deveriam pagar.
 

BN – Mas, quando chegar a conta, vai vir um susto? E já tem gente reclamando agora, através de uma petição virtual.
 
MRC – Mas vai ser um incremento até menor do que esse que falei, em média de 8%, porque, na realidade, foi dada uma trava também na Taxa do Lixo. Ela não crescerá, a exceção do crescimento do IPCA. Então, quando o cara vai ler na última linha, que em escrito IPTU mais Taxa do Lixo, o IPTU cresce em média 8%, mas a Taxa do Lixo, zero. Então, o resultado final vai ser um crescimento menor do que 8% no total que ele paga. É algo suportável e o benefício que isso vai trazer para a cidade é enorme. É possível a cidade hoje ser atendida da forma que as pessoas necessitam com um orçamento de R$ 4 bilhões? Não é. Todo mundo tem consciência disso. Metade do orçamento da cidade paga pessoal. A outra metade é para fazer todas as outras coisas que são necessárias. Mesmo se distribuindo muito bem, R$ 4 bilhões é insuficiente. Salvador tem a menor arrecadação per capita das capitais, por causa disso.
 
BN – Em quanto o senhor calcula a perda de arrecadação por conta da isenção?
 
MRC – Em torno de R$ 17 milhões. Não é uma perda significativa. Vamos ter R$ 480 milhões e perder R$ 17 milhões. Poderíamos chegar, eventualmente, aos R$ 500 milhões, arredondando para R$ 20 milhões de perda de arrecadação. Mas é justo. O IPTU tem que ser cobrado, de fato, de quem tem imóveis mais valorizados. E isso vale para os terrenos. Tinha terreno aqui que estava registrado a R$ 7 o metro quadrado. Não existe terreno a esse valor na cidade, mas era o que estava registrado, por má fé ou desatualização da planta, não importa. Não sei nem se na área rural existe um terreno a R$ 7 o metro quadrado. 
 
BN – Já existe um balanço parcial do recadastramento?
 
MRC – Até hoje, mais de 100 mil, de 1 milhão de móveis. O brasileiro deixa tudo para o último dia. Infelizmente, é assim. Estamos nos preparando, inclusive, para isso: nos últimos dias, ter aquela correria de pessoas.
 
BN – A prorrogação do prazo também está prevista?
 
MRC – Não. (risos)

BN – Está prevista outra mudança grande em termos de impostos em um futuro breve?
 
MRC – Não. Agora, nós temos que implantar isso tudo. O projeto de reforma tributária foi amplo, com parte um e parte dois, e nós temos um desafio grande, que é implantá-lo. Ainda não implantamos todas as ações. Temos a expectativa de poder, no mês de novembro, implantar a Nota Salvador. O programa de parcelamento incentivado, talvez no mês de janeiro de 2014. O domicílio eletrônico do contribuinte e as empresas previstas na reforma também estão previstos para começar a valer em 2014. O novo Conselho Municipal de Tributos, eu espero que a gente implante ainda este ano. Nós estamos tratando da regulamentação. O desafio nosso, aqui, agora, é humano. De fazer as coisas acontecerem o mais rapidamente possível. Mas, dependemos de pessoas e de sistema, para fazer as coisas acontecerem.
 
 
BN – Agora, vamos viajar um pouco. Como o senhor compara a Secretaria das Finanças de São Paulo à Secretaria da Fazenda de Salvador?
 
MRC – É bom comparar em momentos semelhantes. Eu quero comparar Salvador de hoje com São Paulo em 2005. Era uma situação bem semelhante. O que estamos passando aqui, passei lá em 2005. Pegamos a cidade, lá, com R$ 8 bilhões em dívidas vencidas e não pagas. Deles, R$ 2,2 bilhões eram com fornecedores. Tinham 13 mil fornecedores batendo à porta da prefeitura querendo receber os seus créditos. Aqui, tínhamos 3 mil credores. Me lembro bem que, lá, a prefeita anterior dizia que era mentira. Então, publicamos uma portaria, pedindo que quem tivesse créditos a receber da prefeitura comparecesse ao saguão. Botamos um guichê, chamamos a imprensa e apresentamos as pessoas. Teve gente que tinha empenho cancelado. A prefeitura cancelou mais de 6 mil empenhos, uma coisa absurda. Então, é muito semelhante. Eu encontrei aqui uma Secretaria da Fazenda mais bem preparada do que eu encontrei lá em São Paulo, em 2005. As pessoas aqui são mais bem preparadas. Isso é bom. É bom também que agora a gente já sabe o que fazer, porque já teve a experiência lá atrás. Quando eu cheguei lá, em 2005, eu não sabia bem o que ia fazer. Quando puxei o extrato da prefeitura no Banco do Brasil, tinham R$ 16 mil, não R$ 16 milhões. Eram R$ 10,4 milhões em cheque sem fundo, conta bloqueada porque deixou de pagar dívidas junto ao Tesouro Nacional, um inferno. Hoje eu já sei lidar com isso tudo. Qual é a novidade aqui? O crédito tributário para fazer desapropriação. Eu não sabia que tinha essa forma de fazer (risos). Não sei se existe em outras cidades, mas eu nunca tinha visto. Você desapropriar uma área com crédito tributário, só sobrevalorizando essa área. Imagine que você tem um imóvel e o cara lhe diz: “Quero desapropriar sua área, mas vou lhe pagar em crédito tributário”. Você pergunta quando vai receber e ele diz: “Eu não sei”. Tem jeito de você receber amigavelmente o crédito tributário que não seja superfaturando? Não tem! Por isso, nós temos indícios fortes de que essas desapropriações do passado, pagando em crédito tributário, foram feitas sobrevalorizando as áreas.
 
BN – Isso foi alterado agora na Reforma Tributária?
 
MRC – É a proposta de acabar com a compensação, que estava no projeto e foi retirada com uma emenda do PT. Estamos aguardando o momento adequado para submeter novamente o assunto à Câmara Municipal. É esta compensação, da forma como ela está estabelecida no Código Tributário, que permite isso. Que você pague com crédito e esse crédito possa compensar tributos na frente. Se você acabar o instituto da compensação, você acaba com este mecanismo que é utilizado e que leva a esse dano enorme na prefeitura.
 
BN – Ao longo da entrevista, o senhor usou palavras, para se referir à gestão passada, como subterfúgio, indícios fortes de irregularidades, supervalorização e má fé. O Ministério Público Estadual apontou R$ 127 milhões de prejuízo à prefeitura na gestão do ex-prefeito João Henrique (PP) e a dívida de curto prazo de R$ 650 milhões. Foi feita a auditoria. O senhor encontrou algo a mais que indícios ou indícios de que houve intenção da prefeitura de desviar recursos?
 
MRC – Eu não posso dizer que as pessoas desviaram recursos porque não tenho nenhuma comprovação de desvio de recurso. O que nós verificamos aqui é que tínhamos dívidas e não havia dinheiro para efetuar o pagamento dessas dívidas. E isso é uma irregularidade. Se você tem a dívida e vira o exercício, você tem que deixar dinheiro suficiente para poder honrá-la. A questão das desapropriações das dunas, eu não tenho indícios de que houve desvio de recursos internos ou de outros órgãos. Sei que os indícios são de sobrevalorização das áreas. Agora, quem ganhou ou perdeu dinheiro em relação a isso, eu não tenho essa informação.
 
BN – O ex-prefeito João Henrique teve duas contas reprovadas, de 2009 e 2010. Em breve, serão apreciadas na Câmara as contas de 2011, reprovadas pelo Tribunal de Contas dos Municípios (TCM). Todas essas mudanças tributárias em Salvador são uma promessa de que as contas de 2013 vão ser aprovadas pelo menos pelo TCM, tecnicamente? O senhor se compromete a conseguir isso?
 
MRC – Nós trabalhamos para isso, com muita lisura nos nossos atos. Para que as contas sejam aprovadas. Em todos os locais pelos quais passei, as minhas contas foram sempre aprovadas, e as dos governadores e prefeitos com quem trabalhei também. A expectativa é que ocorra da mesma forma aqui. As medidas que tomamos foram duras, mas estão levando a prefeitura a tomar um rumo, a ter uma ordem em relação às finanças e em relação a diversas outras áreas. Isso aqui tem um dono, o dono é o povo e ele quer que a gente faça uma boa gestão e traga benefícios. Não dá para receber R$ 4 bilhões do orçamento e botar 50% para pagar pessoal. Não que a gente queira diminuir o número de pessoal, mas ampliar a receita e segurar um pouco a despesa de pessoal para fazer mais pela cidade, para as pessoas. Aplicar os benefícios para si próprio não é o objetivo. O desafio é grande, mas acredito que estamos no rumo certo. Acredito que em mais um ano a gente equaciona toda essa questão financeira da prefeitura. O desafio é fazer as coisas acontecerem também em todas as áreas. Hoje, muitas vezes, as pessoas têm a desculpa do “falta dinheiro”. Em breve, não terão mais essa desculpa. Então, terão que fazer. Terão que apresentar resultados em todas as áreas. Não adianta ter resultado em uma área específica. Por isso que o planejamento estratégico dá um rumo. As pessoas vão saber o que tem que ser feito. O planejamento é algo extremamente importante. Por intermédio dele que você separa as importâncias das emergências. Se você bobear, você só cuida das emergências. Fica quatro anos administrando emergência, vira para trás e diz: “O que eu fiz? Nada. Trabalhei para burro, cuidei de várias emergências, mas não fiz nada importante para a cidade”. O planejamento estratégico vai permitir que a gente direcione as ações para aquilo que de fato é importante para a cidade, obviamente sem perder de vista as emergências, mas que foque nas importâncias.