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Entrevista

Ubiratan Felix garante que os baianos vivem um período ímpar no desenvolvimento da infraestrutura local - 03/10/2011

Por Felipe Campos

Ubiratan Felix garante que os baianos vivem um período ímpar no desenvolvimento da infraestrutura local - 03/10/2011
Foto: Tiago Melo / Bahia Notícias

Bahia Notícias -  Qual o papel do sindicato na fiscalização das obras públicas e privadas e quais, você acha hoje, são os principais desafios para a categoria aqui no Estado da Bahia?

Ubiratan Felix – O sindicato representa os profissionais de engenharia, mas também luta pela ética na sociedade e pela ética na engenharia. Ele não tem o poder de fiscalizar obras. Não é um Tribunal de Contas ou um Ministério Público, mas ele tem um poder político de discutir com a sociedade as obras que estão ocorrendo no estado, quais os interesses que essas obras atendem e qual o melhor interesse para a Bahia e o Brasil. O lema do sindicato é que as obras de engenharia precisam dar retorno ao país e ao estado.

BNFalta engenheiros na Bahia?

UF – Na engenharia há uma falta de engenheiros muito gande. Na área de ferrovia, quem construiu há 70 anos, ou morreu, ou está aposentado. Rodovia, a mesma coisa. E portos, tem muito tempo que não se constrói. O que tivemos na engenharia do estado foi um hiato. Os engenheiros que estão se formando saem com o conhecimento teórico, mas não desenvolvem o que aprenderam. Temos poucos engenheiros com experiência, inclusive muitos engenheiros mais antigos estão voltando ao mercado de trabalho para passar esse conhecimento para os mais novos.

BNE como se combate isso?

UF – Se combate fazendo mais escolas de engenharia e fazendo mais obras de engenharia, pois, daqui a dez anos, se continuarmos nesse ritmo, haverá uma inteligência instalada de engenharia. Temos que lembrar que a engenharia se constrói com o tempo e, dessa forma, teremos um corpo de engenheiros instalado. Se esse ciclo de desenvolvimento técnico e econômico for interrompido, os engenheiros do mercado irão migrar para outras áreas, como bancos ou auditores fiscais. Isso aconteceu na década de 80.

BNSalvador vive hoje um “boom” imobiliário. Tem prédio subindo em tudo que é lugar. Como o sindicato vê isso, como vocês avaliam a fiscalização em termo de respeito às regras técnicas?

UF – Em relação a Salvador, ela vive sim um “boom”imobiliário. Mas as obras estão sendo feitas em um eixo reduzido da cidade, que é o eixo Paralela-Orla. Isso inviabilizou, e está inviabilizando, a mobilidade urbana da cidade. Você chega na Paralela e não consegue andar em horário nenhum, e isso nos últimos dois anos piorou muito e tende a piorar mais com a entrega das unidades que estão previstas para o final do ano. A gente acha que é importante que a cidade cresça, que é importante que a cidade construa, mas ela tem que respeitar as regras ambientais e as regras de mobilidade urbana. Muitas dessas obras foram planejadas sem um estudo aprofundado do que a gente chama de “impacto de vizinhança”. Qual o impacto que a obra vai ocasionar na rede urbana da cidade? Muitas das obras no eixo Orla e no eixo Paralela têm impacto ambiental, porque desmataram a Mata Atlântica. Há também um impacto na questão da ventilação da cidade. Algumas obras na orla foram contruídas impedindo que se tenha uma aeração da parte interior da cidade de Salvador, e nós questionamos o modo como isso foi feito e vem sendo implantado.

BN - A quem se pode culpar pela falta de um projeto ou planejamento?

UF – Na verdade, nós temos o PDDU [Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano] de Salvador que foi aprovado. Inclusive o Senge, o Crea [Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura] e outras entidades da área questionaram o plano, pois houve uma mudança nos parâmetros urbanisticos das contruções na Orla e na Paralela. Antes se tinha parâmetros urbanísticos que limitavam o numero de andares, bem como a altura das construções. Isso foi mudado, pois havia interesse do poder público municipal em atender a interesses específicos de algumas empreiteiras e isso foi um erro com a cidade de Salvador e está sendo mostrado, agora, de uma forma objetiva.

BNEntão, de acordo com o Senge, o PDDU de Salvador beneficiou algumas empresas de engenharia?

UF – Exatamente. Algumas empreiteiras que tinham interesses concentrados nessas áreas (Orla e Paralela) foram beneficiadas, pois se modificou os parâmetros urbanísticos para permitir uma maior ocupação do terreno. Ao se fazer isso, há uma inviabilidade do trânsito das pessoas na cidade. Um exemplo: temos os prédios contruídos com três ou quatro garagens e prédios com uma média de 50 unidades. Há alguns construídos com 200 ou mais unidades. Se multiplicarmos o número de garagens pelo número de apartamentos, para esse exemplo, teremos uma média de 800 carros por edifício. Imagine se todos saírem no mesmo momento, ou chegarem no mesmo momento? Não há suporte viário para ajudar no escoamento. A mobilidade urbana é a mais prejudicada visivelmente, mas não é o único problema.

BNDo ponto de vista da engenharia, o que precisa se fazer hoje em Salvador para reparar ou consertar esses equívocos de construção e de crescimento de prédios em lugares que não poderiam haver?

UF – Não tem mais o que se fazer, pois não se pode derrubar os prédios. Há uma política brasileira onde, mesmo que se saiba que o terreno tem base ilegal, se constrói e deixa ver o que acontece. Ninguém vai derrubar um prédio de 40 ou 50 andares. Para melhorar a cidade tem que se pensar em um sistema de transporte alternativo eficiente na Paralela e, futuramente, começar a pensar em restrição no uso de carros na cidade, pedágio urbano, horários de restrição para o uso de carros... Tem que se pensar em usar um remédio pois não se pensou na hora de prevenir.

BNFazendo um gancho com o que você falou a respeito de mobilidade urbana, como o sindicato avalia a questão do metrô e a proposta do governo do Estado? O Senge avalia que é viável tecnicamente fazer essa obra na Bahia até 2014?

UF – Vamos ter uma dificuldade de tempo, pois precisamos fazer a licitação e depende de como essa obra será feita. Vamos pensar na Paralela, que é a principal artéria de escoamento da cidade. É necessário desviar o tráfego para algum lugar. Construir vias alternativas nos dois sentidos da avenida. Essas alternativas são necessárias.

BNEntão, o grande problema na construção do metrô será, durante esses três anos, enviar o tráfego da Paralela para algum lugar?

UF  - Tem que se pensar como um problema no cronograma de execução. Que levem em consideração a questão do escoamento do tráfego existente.


BN Mas do ponto de vista técnico é possível?

UF – Sim, é possível, mas tem que planejar. Como é que é possível? Pode fazer uma boa parte da obra pela noite, mas, ao fazer à noite, o custo da obra é aumentado. Mas, de qualquer forma, haverá transtornos, pois temos que lembrar que a obra será feita na principal via que liga os municípios de Salvador, Lauro de Freitas e Simões Filho. Portanto, a população tem que estar ciente dos transtornos.

BN – Mas o metrô foi a melhor decisão?

UF – Houve uma discussão em relação aos meios de transportes eficientes para a cidade, e chegou-se à conclusão de que, independentemente do tipo de transporte, seja ele metrô, VLT ou BRT, o que se tem que ter é um transporte articulado. Nós temos em Salvador, como exemplo, o sistema de planos inclinados. No passado, isso era feito de forma articulada, as pessoas pegavam um transporte até determinado lugar e se deslocavam via planos inclinados. Um outro exemplo é o que acontecia por volta da década de 80 na região da Avenida Sete, onde quem possuia carro deixava o veículo no Estacionamento São Raimundo e circulava com um ônibus. Isso tirava os veículos daquela região.

BN Sobre a Arena Fonte Nova. Queria saber se o sindicato tem acompanhado a obra e se há algo a falar.

UF – Construir estádio é uma obra, do ponto de vista da engenharia, simples. Não é uma obra como o metrô, ou a ponte [Salvador-Itaparica]. É uma obra simples, onde é necessário que a empresa cumpra o cronograma. O que se tem que pensar para a Fonte Nova é com relação ao fato de como se chegar ao estádio, e isso tem que ser feito com a intervenção da Prefeitura Municipal de Salvador.

BNE um novo PDDU que mudaria o gabarito da área do entorno da Fonte Nova, como está sendo visto por vocês?

UF – É , mas não é só pensar no gabarito. Tem, por exemplo, a questão de estacionamento, que é o que falta na cidade. Tem que fazer um estudo da área, pois ali é uma área residencial. É muito mais uma questão urbanística que a prefeitura tem que definir.

BNVocê quer dizer, então, que é necessário que se faça um novo Plano Diretor?

UF – Eu acho que não. Na verdade tem que saber o que se quer daquela região. Vamos fazer hotéis naquela região? Vai ser uma região comercial? Vão subir prédios?

BN – Mas, para isso, não precisaria mudar o PDDU?

UF – Eu acho que não. O que tem que se discutir mesmo é o que se quer fazer. No governo de 2002, a prefeitura municipal fez uma política que eu achei interessante no Comércio, onde baixou o ISS para escolas, empresas de informática e de serviços. Na região da Fonte Nova tem que se pensar em algo além da Copa. Ali tem que ter uma área de serviços.

BN Ontem [29/09] foi anunciada a intenção de se fazer a maior obra pública da história da Bahia, que é a ponte Salvador-Itaparica. Muito se falava antigamente que seria uma obra inviável do ponto de vista técnico. Qual a análise que o sindicato faz dessa obra?

UF – Do ponto de vista técnico, é uma obra bastante complexa, mas não impossível de se fazer. No Brasil temos a ponte Rio-Niterói com 13 quilômetros e foi feita na década de 70. O problema é a equação financeira. Uma outra questão é que essa obra vai mudar Salvador, Itaparica, Santo Antônio de Jesus e a região do Baixo-Sul. Itaparica passará a ser um vetor de crescimento de Salvador, pois Salvador não tem mais crescimento do ponto de vista horizontal. Haverá uma mudança no eixo do tráfego de veículos que buscam acesso à região sul. Haverá uma aproximação de Salvador com Ilhéus. Com isso, teremos impactos positivos do ponto de vista econômico e negativos do ponto de vista ambiental, pois a região sul tem uma grande reserva ambiental de Mata Atlântica, e a Ilha de Itaparica tem uma certa fragilidade ambiental, além da escassez de água .


BNA ponte é um projeto moderno, quando comparado com o que temos atualmente na engeharia mundial?

UF – Sim, é moderna.

BNE o projeto como um todo? Vai além da ponte...

UF – Temos que saber que esse sistema rodoviário mudará muita coisa. No passado, por exemplo, quando existia o modal ferroviário e os saveiros, o principal eixo do estado era Cachoeira, Maragojipe e Nazaré das Farinhas. Quando foi construída a BR-116 as coisas mudaram. Feira de Santana era uma cidade sem importância nenhuma e começou a ter relevância. Com a construção da ponte, muitas cidades sem relevância alguma passarão a ganhar desenvolvimento. Tiro como exemplo a cidade de Governador Mangabeira ,que fica próxima a São Félix e Santo Antônio. Isso fará surgir um novo eixo econômico no estado, que pode ser até mesmo um eixo alternativo a Salvador.

BNVocê falou de Ilhéus, e lá tem um projeto com grande impacto também que é a construção do Porto Sul, em fase de lincença ambiental. O que o sindicato pode falar sobre esse projeto?

UF – Nós achamos que, primeiro, toda obra de engenharia causa impacto ambiental. O que temos que equacionar é o que causa menos ou mais impacto. No caso do porto, tem o impacto positivo que é o da diminuição de veículos para o transporte de cargas na região, diminuindo a emissão de poluentes. Em segundo lugar, a facilidade do escoamento de minérios de ferro de Caetité. E a Bahia está se tornando uma província de minério com vários pontos descobertos. Facilitará o escoamento da soja e poderemos estar recebendo o minério que vem de Minas Gerais e facilitando o escoamento. Com todos esses pontos, a ferrovia e o porto trarão mais riqueza para o estado.


BNMas, no seu ponto de vista, esse atraso na questão das licenças ambientais do Porto Sul e da Ferrovia Oeste-Leste significa que as coisas não estão sendo bem feitas?

UF – A sociedade é complexa, né? A questão do Porto Sul tem algumas pessoas que acham que não deve ser feito, pois ali na região há uma reserva de Mata Atlântica. Tudo bem que ali haverá impacto ambiental, mas vamos pensar na cadeia como um todo. Haverá um ganho ambiental quando as frotas de caminhões forem reduzidas. Muitas pessoas já julgam a questão de forma pontual e não a questão geral. Existem pontos de vista onde se vê o ambiente como algo intocável.

BNVocê acha que hoje na Bahia as obras têm respeitado a questão ambiental?

UF – Elas estão seguindo os ritmos legais. Tem os questionamentos feitos pelas ONGs e pelo Ministério Público e cabe ao poder público responder a essas demandas de forma breve e eficiente. A engenharia na Bahia está seguindo as tramitações da sociedade, pois a sociedade hoje cobra transparência nas obras. Nunca houve uma carta de obras tão grande no Estado da Bahia nesses últimos anos e, principalmente, obras importantes. Esse é um momento único na engenharia no estado.