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Marca Bahia Notícias

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Bando de Teatro Olodum reconta 30 anos de história de resistência que põe 'dedo na ferida'

Por Matheus Lens

Bando de Teatro Olodum reconta 30 anos de história de resistência que põe 'dedo na ferida'
Foto: Marcio Lima

Ao longo dessas três décadas, o Bando de Teatro Olodum tornou-se referência nacional quando se fala da área no Brasil. E é exatamente a história de resistência e divulgação da cultura afro que eles esperam compartilhar com o acervo de registros fotográficos online disponível para o público.

 

No início do mês de julho o grupo realizou uma live de lançamento do acervo fotográfico digital do bando, que conta através de imagens numa linha do tempo a história de 30 anos do elenco. O acervo pode ser acessado no site www.bandodeteatroolodum.com.


Criada em outubro de 1990, por iniciativa do diretor Márcio Meirelles junto á coordenação do grupo Olodum, a companhia nasceu da vontade de colocar em prática um projeto poético-político que inclui representar o cotidiano da população negra, combater o racismo, valorizar e divulgar a cultura negra no país, contribuir para a presença ativa do negro na sociedade, promover a conscientização e a construção das identidades negras, capacitar artistas negros e desenvolver dramaturgia e a linguagem cênica própria de uma comunidade. Foi esse o propósito que despertou no ator Jorge Washington o desejo de integrar o bando desde o seu primeiro ano de lançamento. “O bando entra na minha vida depois que eu passei pelo grupo de teatro do Calabar, que usava a arte como instrumento de luta. Era um coletivo que organizava a comunidade para resistência. Por conta de uma especulação imobiliária em uma área, a comunidade era constantemente ameaçada. Quando eu vi que o Olodum ia se juntar a Márcio Meirelles para montar uma companhia de teatro negra, que ia trabalhar a partir da cultura afro-brasileira, onde a linha de pesquisa seria nossa ancestralidade, ai eu pensei ‘é nesse lugar que eu vou me dar bem, é nesse lugar que eu quero estar’. E aí participei da audição e estou no grupo até hoje”, conta o ator.

 

 Foto: Correio Nagô

 

Em 1991 o bando teve sua estreia com a peça “Essa é a nossa praia”, que retratava o cotidiano da cidade dando destaque às figuras típicas da região do Pelourinho, numa mistura de risos e denúncias sociais. Por se tratar de um espetáculo que abordava uma realidade próxima dos atores, em seu processo de roteirização eles usaram um recurso que não mudou para todas as apresentações: a pesquisa local, trazer as realidades da rua para o palco.

 

“Com ‘Essa é a nossa praia’ nós tivemos que aguçar o nosso olhar para dentro de uma realidade que era nossa, então focamos o nosso olhar para a comunidade do Pelourinho. E na pesquisa a gente vai sentar para conversar com a baiana de acarajé, vai conversar com a menina que é garota de programa, com o policial... A partir dessas conversas com as pessoas da vida real, a gente vem para a sala de ensaio, improvisa e começa a criar uma situação fictícia, mas que está dentro da realidade. Então esse sentimento falar de coisas que são reais, e a partir desse falar, você pôr o dedo na ferida e provocar no espectador uma reflexão sobre aquele lugar, isso o bando carrega até hoje. O Bando de Teatro Olodum só vai para o palco falar o que não está certo, porque o que não está certo a gente precisa mexer para mudar”.

 

Um dos sucessos do grupo é o espetáculo de 1992, “Ó Paí, Ó”, que em 2007 virou filme, dirigido por Monique Gardenberg, seguindo o roteiro baseado na peça de Márcio Meirelles. O propósito de usar os palcos para falar sobre narrativas que estão presentes no cotidiano de forma humanizada, representando de forma fiel a cultura afro através da pesquisa que busca ouvir as histórias reais, é o que faz o grupo ser tão especial. “O fato de ser uma companhia de teatro negra, assumida, militante, onde estamos sempre buscando falar de coisas que não estão certas... esse é o diferencial do bando. Quando a gente começa em 1990, existiam poucos grupos com essa proposta. Tinha a experiencia do teatro experimental do negro, o grupo de teatro do Ilê, Palmares Inaron, mas não existia nada naquele formato. A gente chega mostrando a cara, mostrando que é possivel ter um elenco totalmente negro e engajado, é possivel um ator negro representar qualquer personagem, e assim [ir] inspirando outras pessoas e grupos não só na Bahia, mas tambem no Brasil inteiro”.

 

Foto: Isabel Gouvêa

 

Hoje próximo dos 31 anos, o bando segue se reinventando, nos espetáculos, nas oficinas e na forma de trazer a rua para os palcos. Sempre contando com a união de todos os integrantes e apoiadores que confiam na arte como instrumento de transformação. Um dos grandes desejos que o grupo ainda tem é conseguir um patrocínio para elaborar mais trabalhos e assim alcançar mais e mais pessoas negras. “O fato de ter uma companhia que está junta há quase 31 anos mostra a garra e nossa vontade de estar ali. É um desafio ter que se reinventar a todo momento, estamos sempre renovando o grupo, fazendo novas oficinas, descobrindo novos talentos, misturando o vigor da juventude com a experiência dos mais velhos... E é uma dificuldade porque nunca conseguimos um patrocínio de verdade para trabalhar, a gente está sempre criando um projeto aqui e ali e buscando recursos para manter os trabalhos, mas nunca teve um patrocínio pra chegar e falar ‘tome aqui um patrocínio para vocês trabalharem por 5 anos, vocês só vão produzir agora’. Isso nunca teve, mas acredito que num momento vai chegar”, afirma Jorge sobre as dificuldades do bando.