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Destaque na Netflix, baiano Wesley Guimarães se apega ao estudo para vencer preconceito

Por Júnior Moreira Bordalo

Destaque na Netflix, baiano Wesley Guimarães se apega ao estudo para vencer preconceito
Foto: Divulgação

Desde o início de fevereiro, famosos personagens do folclore brasileiro, como Boto cor-de-rosa, Iara e Cuca, e outros não tão conhecidos, a exemplo do Tutu Marambá - personagem meio homem, meio porco do mato, adaptação do que seria um “irmão” do Bicho-Papão e do Boi da Cara Preta - estão povoando as telas de milhões de pessoas ao redor do mundo após a estreia da série “Cidade Invisível”, na Netflix. O produto policial, idealizado por Carlos Saldanha - responsável por "Rio", "Era do Gelo" 1, 2 e 3 e "Robôs" - traz estas lendas inseridas no convívio em sociedade e figura no top 10 de vários países. E entre os destaques no elenco está o ator baiano Wesley Guimarães.

 

Nascido e criado no Engenho Velho da Federação, Salvador, o artista dá vida a Isac, uma versão atualizada do saci-pererê. “Tem uma perna só, claro, mas ele usa uma perna mecânica, porque a série tem uma crítica necessária ao desmatamento da nossa floresta, da fauna e flora. Quanto mais aumenta a cidade, mais diminui a floresta e o espaço para os animais. Na série, a gente traz isso, mas com as entidades da mata. É ‘um saci urbanizado’”, explicou ao Bahia Notícias.

 

Estrelada por Marco Pigossi e Alessandra Negrini, a primeira temporada da produção acompanha Eric (Pigossi), um detetive da polícia ambiental que investiga a morte de sua mulher, Gabriela (Julia Konrad). Durante o trabalho, ele se depara com um Rio de Janeiro ocupado por figuras fantásticas, que parecem ter alguma ligação com a tragédia de sua esposa. Wesley destacou que a reação do público tem sido "muito positiva". "Tenho recebido mensagens de pessoas do Brasil e de fora. As redes sociais do elenco cresceram de uma forma considerada, o que demonstra uma aprovação do público. Meu personagem tem cativado muito, tocado no coração de muita gente. Meu sentimento é de gratidão", confessou e admitiu tratar-se de um marco em sua carreira.

"Sou um cara muito feliz por fazer parte disso, pois esse trabalho representa um passo largo no audiovisual brasileiro, no sentido de direção, pós-produção, de efeitos especiais. Estamos sendo bem vistos lá fora, aumentando o respeito no resto do mundo. Estamos provando que boas histórias podem vir de qualquer lugar. Trabalhar com Pigossi, Negrini principalmente com Fábio Lago (que também é ator baiano e parceiro de Wesley de cena) é um privilégio. Resgatei minha energia de criança", destacou.

 

Apesar dos elogios da crítica e do público, “Cidade Invisível” foi alvo de alguns ativistas de grupos indígenas, que não se sentiram representados, por não estarem presentes no elenco e nem no processo da produção, que tem como pano de fundo muitas das suas histórias. A sociológica e especialista em relações étnico-raciais Lai Munihin, por exemplo, escreveu no Twitter: “se quisessem ter feito isso bem feito, teriam contratado indígenas para toda a parte de produção de roteiro, enredo para além da questão de escolha de atores”. A questão principal que ela levanta é ter personagens que são “consideradas entidades pertencentes às espiritualidades indígenas”, e que são “interpretadas por não-indígenas brancos e negros”.

 

Já para Fabrício Titiah, ativista da tribo Pataxó HãHãHãe, faltou “estudar mais e ser respeitoso”. Para ele, a trama pode “colaborar para a venda da imagem de um Brasil onde a cultura sagrada de um povo é tratada como uma fantasia exótica, reforçando pensamentos equivocados que os gringos têm sobre nossa cultura”. As informações são do Olhar Digital.

 

Enquanto homem negro, Guimarães reforçou se sentir representado com o trabalho. “Entendo o intuito da série. Não é sobre o folclore, é uma investigação policial. E o que torna a investigação diferente, o tempero, é a mitologia brasileira. A intenção da série é mostrar histórias do Brasil para o resto do mundo, que pode chegar bem em qualquer lugar, que temos qualidade de entregar grandes produções. Sinto sim que a gente está representando muito bem o Brasil lá fora”, defendeu. Confira o trailer:

TRAJETÓRIA

 Wesley iniciou a trajetória artística em 2007 no teatro e estreou no cinema em 2011 no longa “Trampolim do Forte”, de João Rodrigo Mattos. Ao longo do anos, trabalhou com nomes como Luis Miranda, Claudia Di Moura e Fabrício Boliveira. Em 2019, fez a estreia na Netflix em “Irmandade” ao lado de Seu Jorge e Naruna Costa. Filho de mãe solo e diarista, teve uma infância simples, “como de qualquer garoto preto da periferia". "Buscando estudo, quebrar as barreiras que são colocadas na nossa frente. A minha sorte é ter sido uma criança conscientizada, no sentido de letramento racial, de entender nossas questões. Então, quando entro na adolescência, já chego com uma noção mínima das questões sociais. Fui uma criança ativista dentro da escola, que quando ouvia qualquer situação, queria falar; que questionava os professores quando via algo que desrespeitava os meus. Sempre fui esse menino de querer falar, defender minha galera”, relembrou.

 

Para ele, seu grande diferencial é a prioridade com os estudos. “Se eu chegasse em casa com uma borracha diferente, minha mãe mandava eu devolver. Tive o mínimo que o ser humano precisa para entrar no caminho 'certo'. E sei que muitos dos meus não tiveram isso. A minha responsabilidade social é dar retorno para minha comunidade para que todos tenham acesso aos lugares que eu tive". garantiu.

 

“A batalha é árdua por ser preto, periférico, do Engenho Velho da Federação, nordestino - já que a maioria dos trabalhos estão no eixo Rio-São Paulo. Ser do Nordeste já traz essa dificuldade de locomoção. Muita gente acha que, pela série estar sendo propagada para mais de 190 países e a imagem estar rodando, o artista é milionário, mas não. Nossa batalha é dura, de correria o tempo todo, tentando me especializar, me preparar. Sei que as oportunidades para mim e para todos que vêm do mesmo lugar são mais difíceis. Então, quando aparecem, a gente precisa estar preparado. Vivo sempre na busca de me atualizar, estudar, aprofundar naquilo que faço. É isso que digo para todos os jovens da periferia”, confessou.

 

Com o entendimento de ainda ser uma exceção - por conta de um sistema estrutural que marginaliza boa parte da população negra do Brasil - Wesley se vê como um incentivo para outros jovens. “É entender que consigo mostrar para vários outros jovens como eu que é possível, mesmo com poucos recursos, a gente chegar em algum lugar. O que me move é um dia poder realizar o sonho de minha mãe, de minha avó. Ajudar minha família. É isso que me move. É entender que um dia vou poder ser essa virada de chave da minha família. Tenho trabalhado para isso. Quero representar muito bem minha comunidade, mostrando que somos um berço de talento, exibindo aos grandes contratantes que a gente sabe fazer muito bem”, finalizou.