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Distopia e sertão hiperconectado são ingredientes de Bacurau

Por Bruno Leite

Distopia e sertão hiperconectado são ingredientes de Bacurau
Foto: Divulgação / Victor Jucá

Vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Cannes deste ano, o longa Bacurau, dos diretores Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho, ambos nordestinos, já chegou à pré-estreia em Salvador, na última quarta-feira (28), aclamado. Duas salas do Espaço de Cinema Glauber Rocha, no Centro Histórico, foram reservadas para a exibição e ficaram lotadas. A estreia oficial do filme em salas de todo o país aconteceu nesta quinta (29).

 

A trama fala sobre um povoado fictício no interior do sertão nordestino que desaparece do mapa repentinamente. O que se desenrola a partir daí é uma narrativa com suspense, ação e aventura. Ingredientes que, aliás, um dos diretores, Kléber Mendonça Filho, afirma ser um dos desafios enfrentados na concepção. "O maior desafio é ter feito um filme brasileiro de ação, de ficção científica, de aventura onde os personagens fossem extremamente brasileiros e que eles falassem e você acreditasse", disse ao Bahia Notícias.

 

Bacurau teria tudo para ser um "Western", ou em bom português, um "filme de faroeste". Isso se não fosse o sertão Pernambucano hiperconectado, a realidade distópica não tão distante e o cangaço repaginado de um dos personagens, Lunga - interpretado por Silvero Pereira. Com esses atributos, o longa se aproxima mais de outro gênero do cinema da década de 1960: o Cinema Novo de Glauber e Olney.

 

Concebido a partir de 2009 - ano em que o Brasil ainda não havia vivenciado os movimentos políticos de junho de 2013, nem mesmo a guinada à direita com a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018 -, as metáforas que o público e a crítica relacionaram com a atual situação social e política do país estão no roteiro desde o início.

 

Juliano Dornelles responsabiliza a coincidência a um fenômeno comum na história. "É um filme sobre resistência, sobre reação. Eles estão lidando com uma situação de ameaça e precisam se organizar para se defender. Isso a gente traz dos arquétipos que a gente tem na cultura da humanidade mesmo", justificou.

 


Foto: Bruno Leite/Bahia Notícias

 

Já para Kleber, as comparações nunca foram tão intencionais em seus planos, mas fazem parte de uma pequena representação do que seria o Brasil. "A gente vê a sociedade brasileira de certa forma e aquela comunidade é criada a partir de experiências pessoais nossas do Nordeste. Então se a carapuça cabe, se você quiser usar aquela carapuça ou alguém quiser usar, eu acho que funciona", explica.

 

"O filme na verdade está sendo encaixado, e às vezes bem, dentro de uma situação de brasileiro, de Nordeste e de Brasil em relação aos Estados Unidos. Tudo isso é muito incrível, é uma situação atmosférica muito interessante que acontece", complementa Kléber Mendonça.

 

A premissa básica é o entendimento de que o futuro é logo ali. Os primeiros caracteres que aparecem, logo na chegada de uma das personagens à cidade, apontam: "alguns anos à frente...". E dessa maneira a ficção não se intenciona em ir muito longe no tempo. O cangaço é uma das forças motrizes da reviravolta que a trama dá.

 

SITUAÇÃO DA ANCINE
O série de indicativos, por parte do Executivo nacional, em torno da redução de incentivos aos filmes financiados pela Agência Nacional de Cinema (Ancine) e até mesmo de transferência da sede do Rio de Janeiro para Brasília, desde o início desse mês, é encarado pela classe artística como um "desmonte".

 

Se consolidado, o processo pode desacelerar o setor de produção de obras audiovisuais, que voltou a ser aquecido com o movimento iniciado nos fim dos anos 1990 e apelidado de "Cinema de Retomada", no qual o segmento pernambucano tem um protagonismo - com obras como "Lisbela e o prisioneiro" (2003), de Guel Arraes, e "Tatuagem" (2013), de Hilton Lacerda.

 

O diretor Juliano Dornelles defende que o papel do cinema de Pernambuco, assim como o de qualquer outro do país, seria o de continuar existindo, ser honesto com sua própria linguagem e manter a frequência de produção. Afinal, conforme apontou, ano passado foram 160 filmes produzidos no Brasil.

 


Foto: Bruno Leite/Bahia Notícias

 

Sobre o assunto, a atriz baiana Luciana Souza, que integra o elenco de Bacurau, afirma que a produção de obras cinematográficas e de cultura não tem volta, mesmo com as "retaliações". De acordo com ela, o que vem sendo observado é a necessidade de algo como Bacurau, que seria "uma voz clamando por tudo isso que estamos vivendo". "E daqui para frente, mesmo que digam não a gente tá fazendo", conclui.

 

A atriz também já integrou o Bando de Teatro Olodum e participou de outro sucesso do cinema nacional, "Ó paí, ó". A sua personagem, Isa, é a responsável pela história do povoado retratado em Bacurau e tem uma forte amizade com a médica vivida por Sônia Braga.

 

CANNES E OSCAR
Das cinco categorias oficiais do Festival de Cannes em 2019, uma delas, o Prêmio do Júri, ficou para Bacurau. A experiência de estar no tapete vermelho do festival francês já havia sido vivenciada por Kleber com Aquárius, em 2016, com a indicação da obra para a Palma de Ouro.

 

Ele confessou ao BN que a esperança do recém-lançado filme ganhar, bem como o sonho de ir, existia, mas que não se pode contar com isso, pois "são milhares de filmes submetidos todos os anos".

 

Bacurau também foi incluído como uma das doze indicações da Secretaria do Audiovisual, vinculada ao Ministério da Cidadania, ao Oscar 2020, mas o escolhido para concorrer ao prêmio foi "A vida invisível".