Fala, Albuca!: Arte contemporânea - Por que embalar o Arco do Triunfo?
Uma intervenção que mostra ao publico que uma obra de arte não precisa ser um objeto, mas também um lugar com um papel simbólico dentro da cidade.
Hoje a obra que trago para questionarmos o fazer artístico contemporâneo é o polêmico empacotamento do Arco do Triunfo, em Paris (L’Arc de triomphe, Wrapped, Paris, 1961-2021).
Entre 18 de setembro e 3 de outubro de 2021 cerca de 6 milhões de visitantes movimentaram a Place de l’Étoile para apreciar (ou nem tanto) o arco como jamais visto antes.
O motivo? O sonho do artista plástico búlgaro Christo e de sua esposa e coautora da obra, Jeanne-Claude, foi realizado postumamente: o emblemático arco da cidade luz foi recoberto por 25.000 m² de tecido reciclado na tonalidade de um "prata azulado".
Entre tantos ângulos que podemos escolher para discutir o caso, gostaria hoje de guiar nosso pensamento pela talvez mais primitiva e desbravadora das perguntas: "por quê?". O que motivou a criação dessa obra monumental que precisou de anos de concepção e milhões de euros com o intuito de durar apenas alguns dias?
Os 14 milhões de euros em questão para o empacotamento do Arco do Triunfo foram inteiramente financiado por recursos próprios, sem patrocínio publico ou privado, graças à venda de desenhos preparatórios, litografias e maquetes do projeto comercializados durante os 60 anos de idealização do seu "grand final" no mundo da arte.
A resposta que provavelmente nos daria Christo e Jeanne ao nosso "por quê?" se vivos estivessem, seria aparentemente ingênua: pela beleza. E aí já de cara temos uma grande polêmica com os admiradores da forma neoclássica tradicional do monumento que consideram a intervenção um insulto à arquitetura da cidade; para esses, o Arco do Triunfo já era em si uma obra de arte.
Mas, veja bem… Arte é antes de tudo a intenção de fazer arte. Não nego a beleza e a qualidade artística do Arco "in natura", mas essa arte neoclássica talvez não se comunicasse mais como deveria, ela já não era mais um espelho de nossa época. O que fazer? Ressignificar. Até então o arco estava ali existindo para Christo e Jeanne enquanto monumento histórico. Tornaria-se uma obra de arte então no momento em que fosse pensado como tal.
O fato é que até o dia 18 de setembro o arco do triunfo não era um objeto de discussão da capital francesa: existia em plena tranquilidade, sendo notado apenas pelos turistas que, mesmo que entusiasmados, o faziam de forma mecânica, sem um olhar crítico sobre a imagem. O ato de empacotar algum objeto tira ele da sua posição cotidiana: o empacotamento por si só já cria uma ideia de qualquer coisa nomade, móvel, como um presente embrulhado. E por um lado, ter consciência que uma obra é temporária faz com que o espectador se associe mais intimamente da obra, como é natural do ser humano de querer aproveitar cada segundo daquilo que sabemos que teremos por tempo limitado.
Christo e Jeanne-Claude transformaram em objeto vivo o que estava há tantos anos estagnado no século 19. O vento quando passava pelo tecido movimentava o arco, era como se pudéssemos ver o vento. A luz quando refletia no tecido prateado o fazia brilhar, e convenhamos que é comum de Paris iluminar.
Christo fez algo que parecia impossível, e depois o fez desaparecer para sempre. Após a retirada do tecido, tivemos então a oportunidade de olhar o Arco do Triunfo com os olhos de quem o vê pela primeira vez.